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24 de outubro de 2012
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14:10

Ouvidoria finaliza nesta semana relatório sobre incidentes no Largo Glênio Peres

Por
Sul 21
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Ouvidora Patrícia Couto já reuniu 25 depoimentos presenciais de manifestantes que foram agredidos pela Brigada Militar | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

A Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul irá concluir nesta semana o relatório sobre a ação da Brigada Militar na manifestação “Defesa Pública da Alegria”. O protesto contra a privatização dos espaços públicos da cidade iniciou no dia 4 de outubro e acabou sendo fortemente reprimido pela polícia após os manifestantes se dirigirem ao Largo Glênio Peres para dançar uma ciranda em torno do mascote da Copa do Mundo.

O boneco gigante do tatu-bola foi desinflado pelos jovens, mas não chegou a ser depredado, conforme informou o delegado que investiga o caso. A repressão da Brigada Militar aos jovens começou por volta das 23h30min e se estendeu durante a madrugada do dia 5 de outubro. Na ocasião, pipocaram relatos nas redes sociais de pessoas que foram agredidas física e verbalmente pela polícia.

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Desde então, a Ouvidoria de Segurança Pública vem recolhendo depoimentos de manifestantes dispostos a relatarem as agressões sofridas durante o protesto. Até o momento, o órgão já recebeu 25 denúncias presenciais – ou seja, 25 pessoas foram até a sede da ouvidoria falar sobre a violência que testemunharam ou da qual foram vítimas. Além disso, 28 relatos foram feitos por e-mail.

A ouvidora Patrícia Couto está reunindo todo o material – que inclui depoimentos, boletins de ocorrência, prontuários de atendimento médico e fotos das lesões corporais – e preparando um relatório que será entregue à Secretaria de Segurança Pública, ao gabinete do governador Tarso Genro (PT), ao Ministério Público, à Brigada Militar e à Polícia Civil.

Maioria dos depoimentos está acompanhada por boletim de ocorrência, fotos das lesões corporais e prontuário de atendimento médico | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Dentre as denúncias, chamam a atenção relatos de intimidação policial. Além de golpes com cassetetes e tiros com balas de borracha, os brigadianos também teriam desferirdo ofensas aos manifestantes, chamando-os de “vagabundos” e “filhos da puta”. Várias mulheres relatam que foram chamadas de “vadias”.

Não são poucos os relatos contando que a postura agressiva prosseguiu dentro do Hospital de Pronto-Socorro (HPS), para onde os feridos foram levados, sob custódia policial. “Dentro do hospital, os policiais diziam que as agressões não tinham sido suficientes e que deveriam ter matado uns três ou quatro”, relatou um manifestante à Ouvidoria de Segurança Pública.

Uma menina que também depôs na Ouvidoria disse que, no HPS, um policial a chamou de “imbecil” e comentou que ela “deveria ter apanhado muito mais”. Há também o relato de um advogado, que tentava interceder junto à Brigada Militar para ter acesso aos manifestantes feridos. Um policial teria dito a ele que “OAB e merda é a mesma coisa”.

Ainda na madrugada do dia 5, a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) também não conseguiu falar com os manifestantes detidos no HPS. Ela teve que contatar um assessor do secretário de Segurança, Airton Michels (PT), para poder passar pelo bloqueio da BM.

Para a Ouvidoria de Segurança, ficou bastante claro nos relatos que houve três momentos de confronto no dia do protesto: o primeiro, quando os manifestantes se dirigiram ao Largo Glênio Peres; o segundo, quando chegaram reforços policiais ao local; e o terceiro, quando os manifestantes foram dispersados e os policiais começaram a persegui-los pelas ruas do Centro.

Um estudante relatou à Ouvidoria que subiu a avenida Borges de Medeiros para se distanciar do conflito e se escondeu atrás de uma lotação, mas mesmo assim foi agredido pelos policiais. Ele disse que viu a Brigada Militar “varrendo a Borges” e “agredindo indistintamente as pessoas que estavam nos arredores”.

No dia 5, dezenas de manifestantes foram reprimidos pela Brigada Militar em Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Uma menina disse que tentou ajudar um amigo que estava sendo agredido e acabou sofrendo uma rasteira de um brigadiano, que, em seguida, pisou no seu seio enquanto ela estava no chão.

Há, inclusive, uma denúncia de roubo. Uma das manifestantes disse que um policial arrancou a máquina fotográfica da sua mão e, até a data em que formalizou o depoimento, ela ainda não teve o equipamento de volta. Ela registrou um Boletim de Ocorrência por furto.

Durante a repressão, a Brigada Militar chegou a lançar uma bomba de gás lacrimogêneo, segundo relatos. Uma das manifestantes que depôs na Ouvidoria estava exatamente no local onde o projétil estourou. Ela contou que acabou desmaiando e ficou durante uma hora sem conseguir abrir os olhos.

Os vídeos que registraram a atuação da Brigada Militar demonstram que houve uma perseguição a manifestantes que estavam gravando o conflito em celulares ou máquinas fotográficas. Até mesmo jornalistas sofreram agressões. Um repórter da Rádio Guaíba prestou depoimento à Ouvidoria e disse que foi agredido, mesmo tendo se identificado por diversas vezes como jornalista e estando com um crachá de imprensa.

Manifestantes também relataram abusos por parte da Guarda Municipal

Nem todos os relatos colhidos pela Ouvidoria de Segurança Pública do estado contam com denúncias de agressões praticadas pela Brigada Militar. Em muitos casos, os manifestantes afirmam que foram violentados pela Guarda Municipal.

Em protesto realizado no dia 11, manifestantes exibiram fotos das agressões sofridas na madrugada do dia 5 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Um dos casos é o do uruguaio Germán Árvorez, que relatou ter sido cercado por três guardas municipais e golpeado por um deles na cabeça. Um integrante do Conselho Tutelar estava presente no momento da agressão e gravou um vídeo afirmando que conhece o agente que golpeou Germán e poderia identificá-lo.

A ouvidora Patrícia Couto já conversou com o prefeito José Fortunati (PDT) sobre a atuação da Guarda Municipal no protesto. Durante um evento no último final de semana, ela aproveitou para falar sobre o assunto com o prefeito e solicitar uma audiência formal para informá-lo sobre as denúncias envolvendo a Guarda Municipal.

Garçom que trabalhava nas redondezas e não integrava a manifestação também foi agredido

O caso mais emblemático registrado pela Ouvidoria de Segurança Pública é o de um trabalhador que não participava da manifestação e foi violentamente agredido pela Brigada Militar. Trata-se de um funcionário de um restaurante das redondezas que estava saindo do serviço às 23h30min e, ao perceber o confronto no local, abrigou-se atrás de um carro no Largo Glênio Peres para não ser atingido pelos disparos efetuados pela polícia.

Ele relatou à Ouvidoria que foi cercado por sete brigadianos, que o bateram com chutes e golpes de cassetete. Um policial pegou a sua mochila e, quando ele a pediu de volta, foi novamente agredido. Os brigadianos chegaram a fazer um corredor polonês em volta do garçom que, mesmo tendo se identificado como trabalhador de um restaurante próximo, continuou apanhando.

Relatos apontam agressão por parte também da Guarda Municipal | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com a ajuda de alguns manifestantes, o jovem foi a pé até o Hospital de Pronto-Socorro, onde recebeu 24 pontos na cabeça devido a dois cortes feitos por golpes de cassetete. Além disso, sofreu ferimentos nos lábios, que ficaram inchados e roxos, e no braço direito.

O trabalhador disse que, no HPS, conversou com um policial que se identificou como “o comandante de toda Porto Alegre” e que pediu desculpas pela agressão. “Não tinha como saber quem era quem”, disse o brigadiano ao garçom.

O jovem acabou chegando na sua casa, em Viamão, somente às 6h da manhã. Seu pai, que trabalha como porteiro à noite, só foi verificar o estado em que ele se encontrava quando chegou em casa, às 7h30min.

No início, o trabalhador não quis formalizar a denúncia das agressões sofridas, com receio de que pudesse sofrer represálias da polícia. Mas, após ter conversado com a ouvidora Patrícia Couto, foi convencido da importância de seu relato. A ouvidora foi até a sua residência, conversou com ele e com a família e registrou em fotografias as lesões corporais.


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