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26 de setembro de 2012
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Técnicos nacionais avaliam impacto de obras da Copa em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Membro do Fórum Nacional de Reforma Urbana e subrelator do GT Moradia Adequada, Nelson Saule Júnior visitou Reassentamento Chocolotão em Porto Alegre | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Rachel Duarte

O Grupo de Trabalho Moradia Adequada, instituído pelo governo federal após visita da relatora especial das Nações Unidas para o direito à moradia, Raquel Rolnik, está realizando levantamento sobre o processo de reassentamento das famílias atingidas com as obras da Copa do Mundo em Porto Alegre. Foram percorridas, nesta terça-feira (25), nove vilas que estão contempladas com programas habitacionais do Ministério das Cidades. Nesta quarta-feira (26), o grupo irá conversar com o governo gaúcho, a Prefeitura de Porto Alegre, o Ministério Público e as Comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e da Câmara de Vereadores para coletar mais informações. A intenção é redigir um relatório para embasar um marco regulatório para as políticas habitacionais no país.

O GT Moradia Adequada foi constituído dentro do Conselho do Direito da Pessoa Humana, que está vinculado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, mas reúne atores de diversas instâncias do governo federal e membros não-governamentais. Ao longo desta terça, o grupo percorreu as vilas Santo André, Dique, Vila Floresta e dois reassentamentos já executados pela Prefeitura de Porto Alegre, o Loteamento Bernardino da Silveira e o Chocolatão.

O Reassentamento Chocolatão foi construído para remoção de 181 famílias da antiga Vila Chocolatão. O processo completou um ano em maio deste ano e está sendo adotado pela administração municipal como referência para as demais remoções em Porto Alegre. Porém, os moradores apresentam queixas, que reforçam o laudo sobre os possíveis impactos apresentados na época da remoção pela Associação dos Geógrafos Brasileiros-AGB e Serviço de Assessoria Jurídica Universitária-SAJU, junto com a comunidade.

“O SAJU vê como um retrocesso social esta remoção. Não podemos considerá-la modelo", diz Júlio Alt | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“O SAJU vê como um retrocesso social esta remoção. Não podemos considerá-la modelo. Grande parte da comunidade voltou a morar nas ruas. Muitos moradores aqui são novos, pois as casas foram vendidas e os moradores foram embora. Eles não têm ocupação nem a garantia de renda prometida pela Prefeitura de Porto Alegre”, diz o membro do SAJU e do Fórum de Reforma Urbana, Júlio Alt.

O levantamento sobre a quantidade de famílias desocupadas está sendo feito, mas é diícil, uma vez que a remoção foi um processo conturbado e segregou a comunidade. Os direitos adquiridos pelas famílias quando da ocupação da Vila Chocolatão no Centro de Porto Alegre, como posto de saúde, escola e o trabalho com a reciclagem foi perdido ou alterado de forma abrupta por falta de política de inclusão social.

“Foi um processo extremamente vertical. Existia rede de saúde e educação acessível na vila antes. A preparação para entrada delas na nova região de moradia não foi feita. Houve grande evasão escolar, porque a remoção foi feita no meio do ano letivo. Sendo que alertamos para isso. O posto de saúde mais próximo ainda é longe e tem número reduzido de fichas, o que dificulta o acesso e criou um esquema de compra de senhas. E, dos 250 catadores, hoje apenas 40 trabalham no galpão de reciclagem construído no reassentamento. Os demais vivem em conflito por não poderem trabalhar”, relata Alt.

“Só pode achar isso quem não vive aqui”, diz morador

A negociação para a transferência das famílias foi feita sob muitas promessas de garantias de ferramentas para a cidadania dos moradores. Como nem tudo teria saído como o Departamento Municipal de Habitação disse, o presidente da Associação de Moradores da Vila Chocolatão, José Luiz Ferreira foi expulso da comunidade. “Nós acabamos não participando de nenhuma etapa do processo de remoção. A maioria não queria e eu trabalhei no convencimento das famílias para a mudança com a garantia dos direitos que eram necessários para nós. Foi um processo bem belicoso. Prometeram geração de renda e nada aconteceu. Nem sede para reuniões da Associação de Moradores nos deram”, conta José Luiz.

Líder comunitário José Luiz Ferreira critica "processo belicoso" que teria sido promovido pela prefeitura | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Para o líder comunitário, o Reassentamento Chocolatão não pode ser modelo para as demais ocupações que sofrerão intervenção do poder público. “Não é modelo nenhum. Só pode achar bom quem não vive aqui. Nem todas as casas têm relógio e mesmo assim todas têm energia. Ou seja, tem rede clandestina feita aqui. Não suportará o consumo de energia das novas residências. Podemos ter um incêndio aqui”, alerta.

Por alto, o senhor Ferreira estima que ao menos metade das famílias removidas está sem trabalho fixo. “Nós somos mais reféns aqui do que lá, por mais paradoxal que isso possa parecer. Vivemos como em um campo de concentração. O que nós precisamos é ter condições de levar adiante o nosso crescimento pessoal e com a remoção fomos alijados de todas as ferramentas que tínhamos. Os governos em geral nunca olham para o povo de acordo com as necessidades reais que temos, mas de forma a poder dizer que o seu projeto é melhor que o do outro governo. O povo é o único que não sabe os projetos que são feitos”, considera o morador.

“Há uma clara fragilidade na política habitacional da Prefeitura de Porto Alegre”, diz sub-relator

A falta de uma política real de inclusão social no Reassentamento Chocolatão é apontada também pelo subrelator do Fórum Nacional de Reforma Urbana, que integra o GT Moradia Adequada, Nelson Saule Júnior. Segundo ele, “há uma clara fragilidade do poder público em transferir as pessoas para a nova moradia”. Ele disse que o diálogo com as famílias não foi feito de forma a prever o futuro impacto da remoção. “É possível perceber que faltou qualificação do poder público para fazer este processo em uma perspectiva de participação popular e conhecimento sobre o que seria afetado na vida destas pessoas. A Chocolatão foi feita por uma empresa que deu casas com condições dignas de moradia, mas se a população tivesse participado, poderia ter sido potencializado o projeto habitacional, levando em conta as realidades de cada família”, avalia.

Já a relatora do GT e diretora de Urbanização de Assentamentos Precários do Ministério das Cidades, Mirna Chaves adotou cautela sobre opiniões antes de ouvir todas as partes do processo e sintetizar o relatório. “Não estamos mediando ou julgando nada. Vamos perceber tudo e buscar um caminho de regulamentação geral para as coisas. Tem muita regulamentação que não é cumprida, apesar de ser boa e acaba deixando espaço para uma massa de manobra que altera o proposto pelos manuais. Então, estamos analisando para regulamentar algo que possa ser respeitado pelos entes federados”, explicou.

Nesta quarta-feira (26), às 9h30min, os membros do GT Moradia Adequada se reúnem com a equipe da Prefeitura de Porto Alegre. Às 13h30min reúnem com o governo estadual e a Infraero no Palácio Piratini. Após as 16h30min, as informações serão colhidas junto ao Ministério Público e as Comissões de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Porto Alegre e da Assembléia Legislativa do RS.

"Não estamos mediando ou julgando nada. Vamos buscar regulamentação", afirma relatora do GT Moradia Adequada, Mirna Chaves | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Não vamos tratar caso a caso. Vamos construir um marco regulatório geral”, afirma relatora

“Estas visitas nos auxiliam a colher informações para montar um regulamento de normas que ficará pronto até abril de 2013. Estamos centrados nas obras relacionadas com os grandes eventos, mas quando o GT chega aos municípios outras demandas acabam sendo trazidas. Porém, não vamos tratar caso a caso. Vamos tratar situações que podem subsidiar normas que o país deverá respeitar nesta questão de habitação. Porvavelmente surgirão muitas”, adianta.

Porto Alegre está sendo a terceira cidade visitada pelo GT. As primeiras foram Fortaleza e Curitiba. “Os casos que temos visto demonstram que a comunicação do poder público é muito truncada e pouco transparente com as famílias. A linguagem também não é acessível. A população às vezes não tem conhecimento dos termos técnicos. Às vezes estão em uma etapa que ainda não é a remoção propriamente dita e ninguém sabe”, explica a relatora.

Segundo ela, as prefeituras ainda não executam as políticas habitacionais conforme o ideal sugerido pelo Ministério das Cidades. “Orientamos para que os projetos não imponham uma única solução técnica para a remoção de famílias dos locais. Tem que haver estudo de alternativas que proponham o menor impacto na vida das pessoas”, diz. Mas admite que, mesmo saindo em tempo, o futuro relatório pode ser mais um mecanismo desrespeitado. “Não alcançaremos tudo que está sendo feito nos municípios. Mas algumas coisas estão sendo apontadas por outras instâncias, como o Ministério Público. Vamos caminhar par ter o marco regulatório de reassentamentos no Brasil que será um grande avanço para não ficarmos dependentes das normas internacionais”, ressaltou.


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