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14 de setembro de 2012
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02:22

Primeiras carteiras sociais são entregues a travestis e transexuais no RS

Por
Sul 21
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Documento é feito da mesma forma que a carteira de identidade civil, mas tem limite de validade | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Rachel Duarte

As primeiras carteiras de nome social para travestis e transexuais poderão ser retiradas no Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul a partir desta sexta-feira (14). Estão disponíveis 72 documentos, encaminhados no período de 20 de agosto a 10 de setembro. A partir da próxima segunda-feira (17), a confecção levará apenas 10 dias úteis, como já ocorre para o registro civil de identificação. Apesar das diferenças entre a carteira social e o documento de RG, ela já é vista por entidades jurídicas e LGBT como uma garantia de tratamento pelo nome no gênero no qual as pessoas se identificam.

A primeira a retirar o documento, ainda nesta quinta-feira (13), foi a professora da rede estadual de ensino Marina Reidel. “Eu gostei. É um avanço na conquista dos nossos direitos. É o primeiro passo para pensar em cidadania para transexuais. Achei parecida com a carteira de motorista”, diz. Marina afirma que a carteira de nome social “vai ser a garantia da minha identidade, de como realmente eu sou. Ao contrário de antes, que eu tinha que mostrar sempre o nome do falecido”.

Verso da Carteira de Nome Social contém texto do decreto de lei que criou o documento | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

O documento não tem o mesmo verde do documento de identificação civil, nem a mesma validade como documento legal. Mas leva o brasão do Estado do Rio Grande do Sul e a assinatura do diretor do IGP–RS, como acontece no RG. No verso não aparecem informações de filiação ou naturalidade, mas sim um texto com três artigos do Decreto nº 49.122, que instituiu a carteira social no estado.

Segundo a responsável do Setor de Identificação Civil do Departamento de Identificação do IGP –RS, Débora do Amaral, a confecção da carteira social segue os mesmos procedimentos da carteira de identidade. “Ela precisa já dispor de um documento de identidade e o novo registro com o nome que ela escolheu é armazenado no sistema junto ao seu número de identificação civil. Quando ela é abordada, poderá apresentar a carteira social e, na busca do sistema, o agente público localizará os dois registros”, explica.

Na prática, a pessoa que porta a carteira social não poderá abrir mão da carteira de identidade, uma vez que o novo documento não tem validade civil. Mesmo assim, a existência da carteira social já é considerada uma conquista por alguns setores. “Ela não é só um documento, é a materialização de uma identidade. É uma demanda que veio do movimento LGBT para romper com a discriminação no tratamento da sociedade para com eles”, afirma o papiloscopista Celso Dias.

Cidadão escolhe o nome social que desejar em formulário disponibilizado no Serviço de Identificação Civil do RS | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“O maior impacto da carteira será na abordagem policial das travestis”, diz IGP – RS

Segundo Dias, o principal setor onde irá refletir os benefícios da carteira de nome social é o da segurança pública. “Antigamente, as travestis e transexuais eram recolhidas e largadas em massa para fazer identificação, apenas pelo fato de pertencerem a uma população estigmatizada. Elas não tinham delito nenhum, eram registradas e liberadas. Era uma ação moral, para ‘evitar crimes’, partindo do princípio de que eram pessoas propensas a cometer crimes apenas em razão de sua orientação sexual. Agora, na abordagem policial, elas poderão exigir o tratamento adequado com o nome na qual se identificam, sem o rigor da exigência do nome ‘verdadeiro’”, compara o funcionário, que atuou no Palácio da Polícia na década de 90.

Papiloscopista Celso Dias diz que a carteira social é materialização de uma identidade de gênero | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A Carteira de Nome Social foi lançada pelo governador Tarso Genro no dia 18 de maio, por intermédio da Secretaria de Segurança Pública e dentro da campanha Rio Grande sem Homofobia, da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, com o objetivo de respeitar as diferenças e garantir a cidadania de travestis e transexuais. Embora outros estados brasileiros já utilizem o nome social, e até mesmo cartões com essa identificação, o Rio Grande do Sul é pioneiro ao emitir o documento por um órgão oficial, o Instituto-Geral de Perícias (IGP).

Na avaliação do juiz federal Roger Raupp Rios, a carteira pode ser considerada um efetivo documento oficial de identificação, justamente por ser confeccionada pela autoridade pública competente. “Suas limitações decorrem dos limites da competência estadual para dispor sobre registro civil do nome das pessoas naturais, que é matéria que diz respeito à União. Mas, de fato, o documento é efetivo, pois confere ao seu portador o reconhecimento oficial e o respeito do estado à identidade de gênero”, argumenta.

Segundo Raupp, por mais desconhecimento que a população tenha sobre a existência de um novo documento para reconhecimento do nome social das travestis e transexuais, a carteira não deverá reforçar a discriminação por ser esteticamente diferente do RG. “Na medida em que acompanha, em linhas gerais, o tamanho, a padronagem e a cor de documentos públicos usualmente utilizados pelos cidadãos, inclusive para fins de identificação pessoal, como é a carteira de habilitação, não descaracterizará a função social na qual se propõe”, explica.

“Congresso Nacional e STF podem resolver o registro civil para transexuais no Brasil”, diz juiz federal

Juiz federal Roger Raupp Rios defende a validade da carteira social como documento oficial | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A primeira via da Carteira de Nome Social é gratuita e a segunda custa o mesmo valor da carteira de identidade, R$ 45,50. O cidadão ou cidadã deve ter Carteira de Identidade no Estado do Rio Grande do Sul e a validade do documento de nome social é exclusiva para o território gaúcho. De acordo com o juiz federal, a alteração do nome e do sexo no registro civil necessita de decisão judicial caso a caso no Brasil, mas poderia ser facilitada se houvesse proposta legislativa neste sentido no Congresso Nacional.

“Enquanto isto não ocorrer, também há a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a ADIn 4.275, que tem força vinculante em todo o território nacional para possibilitar alterar prenome e sexo no registro civil de transexuais, mesmo quando ausente a cirurgia de transgenitalização”, fala. A carteira de nome social gaúcha pode, segundo Raupp, ter validade em outros estados, desde que os estados compreendam desta maneira. “Eles não são obrigados, já que é uma lei estadual. Mas podem”, diz.

A partir da próxima segunda-feira, 17, os Postos de Identificação Regionais de Santana do Livramento, Caxias do Sul, Pelotas, Passo Fundo, Santa Maria, Santo Ângelo, Novo Hamburgo, Osório e Rio Grande também passarão a receber encaminhamentos da Carteira de Nome Social (CNS). Os solicitantes podem fazer o encaminhamento nos municípios onde estará disponível o serviço e pedir a retirada no posto da sua cidade.


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