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1 de setembro de 2012
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08:30

Mario Quintana completo em reedição da Alfaguara

Por
Sul 21
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Em entrevista exclusiva, o crítico literário Italo Moriconi fala sobre a reedição na íntegra da obra do poeta gaúcho pela Alfaguara

Fernando de Oliveira
Diário Regional

Autor imprescindível na galeria dos prin­cipais mestres da literatura brasileira, o poeta gaúcho Mario Quintana (1906- 1994) está de volta às livra­rias por meio de três livros: Canções, que também reúne A Rua dos Cataventos Sa­pato FloridoApontamentos de História Sobrenatural A Vaca e o Hipogrifo.

Os lançamentos marcam o início da reedição da obra completa de Quintana pela Alfaguara, selo literário da editora Objetiva, que até 2014 publicará 18 títulos do autor, todos com prefácios assinados por escritores convidados (como Cíntia Moscovich e Antonio Car­los Secchin), mais as anto­logias Poemas Para Ler na Escola – Mario Quintana Quintana Essencial.

Nesta entrevista exclusiva ao Diário, o curador desse projeto, o crítico, professor de literatura brasileira e compa­rada da Universidade do Esta­do do Rio de Janeiro e poeta carioca Italo Moriconi diz que “Quintana é um dos poetas mais lidos, mais amados, mais decorados do Brasil”.

“Falta a ele agora che­gar mais perto das novas gerações de leitores adul­tos de poesia e é isso que pretendemos com a nova edição Alfaguara, sem descurar do potencial in­fanto-juvenil da obra. Mas é preciso recuperar o pres­tígio de Quintana como poeta completo”.

O poeta Mario Quintana na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, cidade que tanto celebrou em suas poesias

DR – Poderia recordar como se deu o seu primeiro contato com a obra de Ma­rio Quintana e qual foi sua impressão?

Italo Moriconi – Só me lembro que sempre gostei da poesia de Quintana. Mas não tenho a memória exata de quando se deu meu pri­meiro contato com a poe­sia dele. Depois de Drum­mond e Cabral, que foram os primeiros que li, ali por volta dos 17-18 anos, fui aos poucos mergulhando no universo da poesia bra­sileira, conhecendo Quin­tana, Cecília, Oswald de Andrade, Gonçalves Dias, em suma, todos os grandes poetas brasileiros. Faz tudo parte do pacote.

DR – Como avalia o pa­pel da poesia de Quintana na história da literatura brasileira moderna?

Moriconi – Quintana é um dos grandes populariza­dores da poética modernista, típica do século 20.

DR – Poderia falar um pouco sobre a poética de di­ferentes formas de Quinta­na, que jamais permitiu ser rotulado?

 

Moriconi – Quintana é mestre tanto nas formas convencionais pré-moder­nistas, como também mui­to criativo no uso do verso livre modernista, além de ter explorado microformas, como o miniconto e o hai­kai, sendo ainda um dos maiores autores de aforis­mos em nossa literatura, junto com um Millôr Fer­nandes, por exemplo.

DR – Alguns críticos consideram Quintana um poeta ecológico. Como vê essa definição?

Moriconi – Quintana escreveu vários poemas la­mentando a transformação de Porto Alegre numa gran­de metrópole e expressando uma nostalgia da natureza e da paz dos arrabaldes an­tigos. Nesse sentido, houve quem visse nele uma preo­cupação ecológica. Não che­ga a ser um poeta ecológico, mas certamente preocupou-se com o tema.

DR – Mesmo quando abordava assuntos sérios, como a morte, Quintana en­contrava um meio de colo­car ironia em suas poesias. Qual sua visão sobre o hu­mor desconcertante na obra de Quintana?

Moriconi – É um de seus traços mais característicos, mas a ele se associa muitas vezes certa melancolia. Tem portanto algo de chapliniano.

DR – Certa vez o poeta e escritor Armindo Trevisan disse que a tendência de Quintana pelo humor “pre­judicou a assimilação de de­terminados aspectos do seu lirismo. E também da temá­tica de sua poesia, que ficou restrita a alguns temas”. O senhor concorda?

Moriconi – Sim, acho que a poesia de Quintana merece uma releitura que preste mais atenção à sua multiplicida­de de temas. Muitas vezes tenta-se restringir Quintana a uma posição meramente infanto-juvenil. Mas existe um erotismo latente e livre na poesia de Quintana, sem obscenidade alguma, diga-se de passagem, assim como existe uma componente for­temente elegíaca em sua poesia, caindo até mesmo num certo ceticismo. Quin­tana foi um poeta adulto para adultos, o que não impede seu aproveitamento infanto-juvenil. Um não contradiz o outro, assim como ocorre também com um Bandeira, por exemplo.

DR – Em Sapato Flori­do, Quintana lança mão de uma nova poesia, a da prosa sem verso e sem rima, dife­rente da prosa-poesia. Po­deria comentar isso?

Moriconi – Quintana foi sem dúvida um grande pra­ticante desse tipo de lingua­gem, que ele começou a usar no espaço do jornal e depois juntava em livros.

Mario Quintana: “A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta sabe que é louco... Porque a poesia é uma loucura lúcida”

DR – Na década de 30, Quintana foi tradutor de autores como Marcel Proust e Virginia Wolf. O que pensa sobre essa faceta do poeta?

Moriconi – Com esses trabalhos, Quintana inscreveu seu nome na galeria dos grandes tradutores de clássicos universais do século 20 no Brasil

DR – O que distingue o Quintana poeta do cronista?

Moriconi – O Quintana poeta é muito diversificado na exploração modernista de formas convencionais e formas modernistas estrito sendo, mantendo-se sempre fiel ao verso. Já o cronista contamina sua prosa de as­pectos poéticos. Em Quinta­na, a poesia invade a crônica e vice-versa.

DR – O senhor já disse que Quintana, junto com Manuel Bandeira e Cecília Meireles, forma o mais des­tacado grupo de “líricos pu­ros” na poesia brasileira do século 20. O que diferencia a obra de Quintana da obra de Bandeira e Cecília?

Moriconi – Quintana já começou modernista, ao passo que Bandeira fez a transição de um verso pós-romântico para um verso modernista quase que de choque. Bandeira celebrou a libertinagem, ao passo que Quintana era um poeta do devaneio e da divaga­ção. Cecília só aderiu com­pletamente ao cânone mo­dernista num poema longo que já não era mais lírico, e sim histórico, o Roman­ceiro da Inconfidência. Ce­cília, enquanto lírica, era a mais elegíaca e melan­cólica dos três. Quintana e Bandeira tinham em co­mum o humor. Bandeira era mais materialista e realista que Quintana. Bandeira e Quintana foram regionalis­tas, o primeiro celebrando seu Recife, o segundo sua Porto Alegre, mas Bandeira tem todo um lado carioca que Quintana não tem, pois permaneceu a vida toda em sua terra natal. No entanto, Quintana conseguiu a proe­za de agradar a brasileiros de todos os lugares.

DR – Quintana poderia ser definido como um poeta autobiográfico?

Moriconi – Com certeza, como ele próprio afirmou vá­rias vezes. Quintana escreve a poesia de um homem soli­tário, no entanto cercado de amigos e de amores vários. Era um solitário altamente sociável, talvez a melhor po­sição para o poeta autêntico. Mas é preciso enfatizar que o autobiográfico na poesia de Quintana é muito mais da ordem do existencial que da ordem de um certo factualismo descritivo, como en­contramos num Drummond ou num Bandeira ou mes­mo num Cabral. Num certo sentido paradoxal, portanto, Quintana acaba sendo menos autobiográfico que os outros três. Já uma Cecilia é uma poeta que de autobiográfico não tem nada.

DR – Hoje Quintana recebe o devido reconhe­cimento?

Moriconi – Acredito que sim. Quintana é um dos po­etas mais lidos, mais ama­dos, mais decorados do Bra­sil. Falta a ele agora chegar mais perto das novas gera­ções de leitores adultos de poesia e é isso que preten­demos com a nova edição Alfaguara, sem descurar do potencial infanto-juvenil da obra. Mas é preciso recupe­rar o prestígio de Quintana como poeta completo.

O crítico e professor carioca Italo Moriconi, curador da reedição da obra

Confira a cronologia de publicação

2012

Lançamento Agosto
Canções (1946)seguido de Sapato Florido (1948) e A Rua dos Cataventos (1940)
A Vaca e o Hipogrifo (1977)
Apontamentos de História Sobrenatural (1976)

Lançamento em Outubro
O Aprendiz de Feiticeiro (1950), seguido de O Espelho Mágico (1951)
A Cor do Invisível (1989)

Poemas Para Ler na Escola — Mario Quintana (organizado por Regina Zilberman)
Lançamento em Novembro
Quintana Essencial (nova antologia, organizada por Italo Moriconi)

2013
Caderno H (1973)
Esconderijos do Tempo (1980)
Velório Sem Defunto (1990)
Da Preguiça Como Método de Trabalho (1987)
Preparativos de Viagem (1987)
Antologia Poética (1985)
O Batalhão das Letras (Infantil, 1987)

2014
Porta Giratória (1988)
Baú de Espantos (1986)
80 Anos de Poesia (1986)


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