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20 de agosto de 2012
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08:19

O mestre e os aprendizes do terror

Por
Sul 21
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O grupo de jovens corria pelas ruas do bairro carioca da Tijuca, em marcha sincronizada, cantando: “Bate, espanca/ Quebra os ossos/ Bate até morrer”. O chefe do bando perguntava: “E a cabeça?”.

A resposta vinha em coro: “Arranca a cabeça e joga no mar!”. O chefe, de novo: “E quem faz isso?”. A resposta afinada não deixava dúvidas: “É o Esquadrão Caveira!”.

A história foi revelada, em julho, pelo colunista Ilimar Franco, de O Globo. Não era um bando de marginais descendo o morro. Era um animado pelotão do I Batalhão da Polícia do Exército berrando a plenos pulmões o ideário truculento que devem ter contraído em seu local de trabalho.

Como lembrou o advogado Wadih Damous, presidente da OAB do Rio de Janeiro, a malta de potenciais assassinos serve no mesmo quartel da rua Barão de Mesquita, 425, no Andaraí, onde operou na década de 70 o notório DOI-CODI do I Exército, um dos maiores centros de tortura do regime militar.

Só a memória insana da ditadura pode explicar o treinamento idiota aplicado aos recrutas do batalhão marcado pelo estigma da violência. E só o paraíso da impunidade pode explicar a falta de indignação dos comandantes que admitem e se omitem diante de uma demonstração pública de desrespeito ao ser humano.

Nada estranho para comandantes militares que, num documento enviado no final de 2010 ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, reclamavam contra a criação da Comissão Nacional da Verdade, alegando que, afinal, “passaram-se quase 30 anos do fim do chamado governo militar…”

Os chefes das Forças Armadas que impuseram uma ditadura de 21 anos ao país, fechando o Parlamento, censurando, cassando, prendendo, torturando e matando dissidentes políticos, ainda têm dúvidas se tudo aquilo pode ser chamado de “governo militar”.

É por isso que garotos saudáveis da tropa ainda hoje fazem exercício físico na rua ecoando sua explícita disposição de espancar, quebrar os ossos, bater até morrer, arrancar a cabeça e jogar no mar…

Em julho do ano passado, o site SUL21 revelou uma descoberta da Associação Nacional de História (Anpuh): os alunos das escolas militares do país continuam ensinando aos recrutas que o golpe de 1964 que derrubou o governo constitucional de João Goulart foi “uma revolução democrática”.

O disparate está publicado no livro História do Brasil: Império de República, de Aldo Fernandes, Maurício Soares e Neide Annarumma, aplicado no 7º ano do Ensino Fundamental das escolas militares. Um mês depois, a Anpuh perguntou ao ministro Jobim: “Que cidadãos estão sendo formados por uma literatura que justifica, legitima e esconde o arbítrio, a tortura e a violência?”.

Só no início de 2011, já no governo de Dilma Rousseff, o Comando do Exército respondeu, dizendo que o livro “atende adequadamente às necessidades do ensino da História”.  É bom lembrar que, 30 anos atrás, o Colégio Militar de Brasília admitiu no seu corpo docente o coronel Wilson Machado.

Meses antes, em abril de 1981, ele sobrevivera à bomba do frustrado atentado ao Riocentro. O futuro educador de Brasília, então capitão, era o terrorista  de Estado que carregava a bomba que explodiu antes da hora no seu Puma, matando na hora seu comparsa, o sargento Guilherme Rosário.

O capitão Machado, como o sargento, servia no DOI-CODI da rua Barão de Mesquita.

É o mesmo quartel da gurizada que hoje ecoa a lição do camarada terrorista que virou professor.

Todos eles, mestres e aprendizes, seguem intocáveis na marcha sincronizada da impunidade.

Luiz Cláudio Cunha é jornalista
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