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18 de agosto de 2012
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08:32

Bienais, globalização e desglobalização

Por
Sul 21
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Qual o sentido do surgimento e da manutenção, ainda hoje, de bienais? Existe uma rede internacional de bienais da qual participa um mesmo grupo de atores, artistas e curadores. Que papel elas desempenham, no Brasil, frente ao sistema globalizado da arte? Quais seus significados geopolíticos?

Desde seu surgimento, em Veneza, em 1900, elas evidenciam-se como um fenômeno da modernidade internacional no campo das artes visuais, alcançando uma proliferação inigualável a partir da segunda metade do século XX. No Brasil, esse fenômeno se iniciou em 1951, com a criação da Bienal de São Paulo, sendo, bem posteriormente, criadas a Bienal do Mercosul (1997), em Porto Alegre, e, em 2001, a Bienal de Curitiba. Considerando que a de São Paulo ocorre em anos ímpares e as de Curitiba e Porto Alegre em anos pares, na prática tem-se, anualmente, uma ou duas bienais ocorrendo no País.

Assim, no dia 6 de agosto, na Bienal de Curitiba, foram realizados o lançamento oficial dos curadores – Ticio Escobar e Teixeira Coelho – e a apresentação do projeto conceitual da bienal que abrirá dia 31 de setembro de 2013. No dia 13 do mesmo mês, a Bienal do Mercosul apresentou a nova curadora geral – Sofia Hernández Chong Cuy – e toda sua equipe curatorial, informando sobre os conceitos a serem trabalhados na bienal que se inaugura no dia 13 de setembro de 2013. Finalmente, no dia 7 de setembro deste ano, abrirá a 30ª Bienal de São Paulo, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no parque Ibirapuera, com curadoria de Luis Pérez Oramas, levando o título de “A iminência das poéticas”.

Um vídeo da 29ª Bienal de São Paulo, em 2011, deixa perceber algumas das questões que conduzem essas grandes exposições.

O que buscam essas comunidades urbanas com a criação e a manutenção desses megaeventos, promovidos e mantidos com recursos públicos federais e estaduais? Possivelmente, inserir-se em um mapa cultural nacional e internacional, considerando-se a amplitude do conjunto de atividades que envolvem cada uma delas. Essas bienais não se colocam meramente como grandes exposições, elas se expandem pela cidade e mesmo pela região, em um conjunto complexo de atividades, como residências de artistas, projetos com comunidades e ampla articulação com outras instituições culturais.

Segundo Néstor García Canclini, “Desglobalizar puede entenderse de dos maneras: incumplir las promesas de integración mundial dejando fuera a países o vastas poblaciones, pero también como el aprovechamiento de movimientos globales para crear infraestructuras locales (físicas y humanas) que rebasen lo local. Inscribir a artistas, discursos y públicos en intercambios más equilibrados, modificar las maneras de experimentar lo propio y lo de los otros”. É possível, a partir desta afirmação, refletir sobre as três bienais que se realizam no Brasil?

Esses grandes eventos, além de promoverem a crescente divisão de tarefas, com a criação de especialidades profissionais (produtores, montadores, iluminadores, curadores, conservadores etc.), ampliam, inquestionavelmente, o número de participantes nos circuitos de arte. Entretanto, mesmo com o grande número de indivíduos que têm acesso a esses eventos artísticos, a grande quantidade de artistas e trabalhos apresentados, assim como a multiplicidade de tendências e o hermetismo de muitos trabalhos, tendem a tornar pouco clara a compreensão da maioria das obras para o grande público. Elas são consumidas de forma superficial e espetacularizada, e estabelece-se, assim, uma grande diferenciação entre os níveis de apropriação do expectador leigo e dos aficionados, o que reforça excludências. Os projetos pedagógicos correspondem a um esforço de formação de público, o que é um aspecto fundamental para a inserção das populações locais e regionais. O fato de essas três bienais darem uma especial ênfase aos projetos pedagógicos caracteriza-se como uma abertura na conquista de novos públicos. Em um país com tantas diferenças sociais e culturais, como o Brasil, essa pode ser uma proposta desglobalizante.

As bienais são grandes momentos das artes visuais, pela magnitude dos recursos empregados, do pessoal especializado que articulam e pelos espaços físicos e midiáticos que absorvem. Elas são importantes, não somente para atrair novos públicos, mas também para ativar o meio artístico, com a circulação de profissionais de diferentes países. Essas três bienais têm concorrido de forma significativa para a consolidação e difusão das tendências artísticas contemporâneas. Elas promovem alterações no regime de imagens, tanto dentro do circuito de produção artística quanto na recepção do público não especializado. A participação de artistas locais pode ser uma forma de dar visibilidade à produção artística dessas regiões periféricas, muitas vezes de excelente qualidade e pouco conhecida no circuito globalizado da arte. Com isso é possível fazer uma espécie de balanço da arte na região e expor sua produção de vanguarda. Resta observar como essa inserção está sendo vista e pensada pelos curadores dessas três bienais, coincidentemente, nessas novas edições, todos eles latino-americanos.

Para sua legitimação, essas bienais articulam formas de difusão globalizada para criar repercussões locais. Como as publicações fazem essa articulação, as três bienais apresentam volumosos e ilustrados catálogos bilíngues. Eles são importantes documentos dos eventos, memórias dessa atuação, tendo importante papel na construção da história da arte local. Além disso, suas conexões internacionais se fazem nas redes globalizadas. Os sites on-line estabelecem diálogos locais e internacionais, sendo todos eles apresentados em versão em inglês além de português: site da Bienal do Mercosul, site da Bienal de São Paulo e site da Bienal de Curitiba.

As bienais são instrumentos de inserção das produções de diferentes regiões do mundo no circuito internacional – existem hoje mais de 200 esparramadas por diversos continentes ­­-, estabelecendo interconexões com as instâncias nacionais e regionais. A questão fundamental não passa pelo questionamento da legitimidade deste processo, já irreversível, mas sim pela crítica das estratégias adotadas. Faz-se necessário pensar este tipo de evento mais além de uma perspectiva homogeneizadorae simplista.

Elas podem se colocar como agentes de desglobalização, assumindo posições críticas e desenvolvendo propostas estéticas inovadoras, adequadas a propósitos mais pluralistas e questionadores. O importante é perceber, na dominação globalizante, as experiências concretizadas e seus diferentes matizes, avaliando seus projetos e seus resultados. Elas estão aí para serem conferidas.


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