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27 de julho de 2012
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08:59

Orgulho gaúcho, só que ao contrário

Por
Sul 21
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Semana passada, em pleno tiroteio e massacre numa sala de cinema nos Estados Unidos, um veículo da imprensa aí do nosso estimado Rio Grande, que não terá o nome citado nessa coluna, criou uma matéria que repercutiu, e muito, no mundo vasto mundo acima do Mampituba, onde, por causas que não cabem aqui elaborar, eu vivo.

Na matéria, estimados leitores, é entrevistado um sujeito que estava em uma sessão de cinema vendo o mesmo filme do Batman que assistiam as vítimas de mais um terrorista sem causa americano. Isso, todos concordam, até poderia ser assunto, se o entrevistado não tivesse assistido ao filme em uma sala no Michigan, estado do Centro-Oeste americano, a 1200 quilômetros do lugar da chacina, que aconteceu no Colorado.

Mas, claro que em se tratando do tal veículo da grande imprensa aí do RS, o que justificava a entrevista, não era o fato de o tal sujeito estar praticamente em outra galáxia, ou ter visto o mesmo filme. O que tornava tão natural a presença desse sujeito na matéria era o fato de ele, não mais, não menos, ser gaúcho.

Um gaúcho a 1200 quilômetros de distância de um evento é referência para o que quer que aconteça. – muito mais do que um guatemalteco, americano ou mexicano sentado a dez metros do atirador maluco, claro. O que dá ao observador o direito de ser entrevistado, para o que quer que seja, é a nacionalidade rio-grandense da opinião que ele possa ter sobre qualquer coisa.

A matéria foi ao ar e em segundos se tornou motivo de galhofa, em nível nacional. O que todos passaram a dizer, dizendo ou não, foi: esses gaúchos não percebem o ridículo do que cometem.

Errado. Muitos percebem, e muito. Mas o tal veículo da grande imprensa não está dando a mínima para o que eu, você, o senhor aqui ao lado pensemos sobre o assunto. E a pergunta é: para quem eles dão a mínima? A quem eles atendem, a quem satisfazem com essa gauchocentrismo constrangedor para quem seja dotado de algum bom senso e um mínimo de distanciamento crítico?

O público leitor no RS é assim? É isso que ele deseja? É isso que interessa? No meio de uma tragédia de proporções bíblicas, no Japão, no Chile, na China ou Estados Unidos, o que ele busca é ver se existe alguma camisa do Grêmio ou do Inter entre as vítimas?

No evento anterior a esse, o naufrágio do Costa Concórdia, eu acredito que a manchete foi “Drama Gaúcho”. O mundo afunda, o drama, para ser drama, tem ter gaúcho no meio.

Quem naufraga nessas horas é a nossa imagem, a nossa reputação diante de desconhecidos, o que quer que a gente seja de fato, diante dessa visão absolutamente distorcida do que seja ou não importante no mundo.

A pergunta é: o tal veículo apenas abastece com drogas um mercado disposto a consumi-las, ou fideliza um mercado, alimentando continuamente a um ego social ávido por compensações para o que talvez sinta seja a sua realidade real? Sabedores de que não estamos com essa bola toda, nos dispomos a ser enganados em troca da compensação emocional que esse engano nos oferece? Gratos a quem nos alimenta com essas ilusões, nos dispomos a fazer dessa empresa o banco de nossos sonhos frustrados e emoções incumpríveis?

Eu simplesmente fico estarrecido e não sei o que dizer. O nosso chauvinismo já é bastante embaraçoso quando produzido e consumido aí mesmo. Quando ele passa fronteiras, só mesmo o Bairrista para transformar em limonada esse limão azedo.

A sensação que tenho é a de que seria importante, essencial, se iniciar uma boa conversa  nesse momento de inverno, em que o povo deve estar reunido em torno de fontes de calor. Acho que seria ótimo fazermos uma grande análise coletiva já. Seria ótimo a gente parar para pensar melhor e listar algumas coisas que possam dar suporte para essa impressão que o RS adora ter de si mesmo. Quais foram as nossas realizações nos últimos 30 anos que justifiquem um espaço no imaginário nacional brasileiro? O que efetivamente fizemos e fazemos que justifique um orgulho do tamanho do que é expresso em pensamentos, palavras e, infelizmente, matérias na imprensa?

Após essa contabilidade essencial, talvez a gente descubra que temos mesmo fundos em caixa. Talvez a gente se dê conta, não sei, de que estamos mais para bancos gregos ou espanhóis, nos recusando a ver o tamanho do rombo.

O que é real eu não sei, e suspeito que ninguém saiba. Mais um motivo para que esse debate comece já, quem sabe aqui mesmo.

Cartas, como sempre, para essa caixa postal.


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