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14 de julho de 2012
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14:17

Mais uma vez Cachoeira, agora sob o nome de Wilder de Moraes

Por
Sul 21
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Ensina a sabedoria jurídico-política que não é aconselhável realizar mudanças na legislação sob o efeito de comoções sociais. Quando isto acontece, quase sempre o resultado é a aprovação de leis draconianas, feitas para satisfazer o desejo social de punir atrocidades cometidas ou abusos praticados em um determinado momento. A posse de Wilder de Moraes, o suplente do ex-senador Demóstenes Torres e que assumiu na última sexta-feira (13) o posto de senador em decorrência da cassação do titular, dá motivos, no entanto, para que se recoloque na pauta de discussões a reforma de nossa legislação política.

Empossar e manter no cargo de senador um antigo suplente que foi flagrado, pelas mesmas escutas telefônicas da Polícia Federal que motivaram a cassação do ex-titular do cargo, expõem a aberração de se eleger, para a mais alta câmara legislativa do país, três indivíduos em uma mesma eleição, com apenas um voto e o conhecimento de apenas um deles. Pela regra eleitoral vigente, os senadores são eleitos com dois suplentes. No momento do voto, entretanto, quase ninguém sabe quem são os suplentes que serão eleitos, pois seus nomes não são divulgados nas campanhas nem aparecem nas telas das urnas eleitorais.

Vota-se, por este motivo, em anônimos. Anônimos que são, por vezes, empresários desconhecidos que financiam as campanhas em troca de acordos que possibilitem que eles exerçam parte do mandato de oito anos para o qual o cabeça de chapa se elege e, assim, possam fazer valer seus próprios interesses. Anônimos que são, por vezes, parentes (filhos, pais, sobrinhos, irmãos) dos cabeças de chapa e que, caso venham a ser empossados por impedimento do titular, continuarão defendendo os interesses do mesmo grupo.

A posse do ex-marido da atual mulher de Carlinhos Cachoeira, que é sócio de Cachoeira em empresa de engenharia e que foi flagrado, pelas mesmas escutas telefônicas da Polícia Federal que motivaram a cassação de Demóstenes, declarando-se subserviente ao bicheiro, é prova cabal da necessidade e da oportunidade de se por fim ao atual sistema de eleição dos senadores e de seus suplentes. O diálogo gravado entre ambos, em julho de 2011, é revelador (além de estarrecedor):

Cachoeira: Eu não vou expor você, cara. Fui eu que te pus na suplência, essa secretaria. Fui eu, você sabe muito bem disso.
Wilder: Carlinhos, pensa um cara que nunca teria encontrado um governo, que nunca teria sido bosta nenhuma. Você está falando com esse cara.

Escudado na justificativa de que o diálogo ocorreu antes da posse como senador, Wilder de Moraes tentará se safar de um eventual pedido de cassação de “seu” mandato. Há precedente para este procedimento, como se sabe, pois Jaqueline Roriz foi absolvida na votação em plenário do Senado, mesmo depois de ter sido flagrada em um vídeo recebendo dinheiro ilícito, já que o fato ocorrera antes de ela se tornar senadora. Na ótica atravessada de muitos senadores, o que ocorre antes da posse não pode ser considerado “quebra de decoro parlamentar” – único motivo, aliás, pelo qual um senador cassa outro, como se viu nos dois únicos casos de cassação em 108 anos no Senado Federal Brasileiro. De acordo com a interpretação da maioria dos senadores, um parlamentar só precisa ter “decoro” depois de empossado. Os atos indecorosos que ele possa ter praticado antes de sua posse não contam!

Decoro, entretanto, deve seu exigido de todos, sejam seus praticantes parlamentares ou cidadãos comuns. Deve ser exigido, além disso, com muito mais empenho dos que se dispõem a ser representantes da cidadania. Nesta perspectiva, há fórmulas viáveis para a substituição de um senador impedido de concluir seu mandato. Pode-se dar posse ao segundo mais votado na mesma eleição em que o primeiro titular foi eleito, pode-se promover a eleição de um mandato complementar na próxima eleição que ocorrer no estado onde se deu a vacância ou pode-se encontrar outro meio legítimo de substituição. O que não se pode é manter um sistema que não informa os eleitores sobre todos os candidatos que estão “elegendo” quando apertam o botão da urna eletrônica.


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