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24 de julho de 2012
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20:01

Credores aumentam pressão por pagamento dos precatórios

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

I Fórum da Semana Estadual de Conscientização dos Direitos dos Precatoristas, realizado na Assembleia Legislativa do RS nesta segunda (23) | Foto: Marcos Eifler/ALRS

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide pela retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.357), que questiona a mudança nas normas constitucionais para o pagamento dos precatórios no Brasil, as aposentadas do Sinapers (Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul) seguem tricotando a espera dos valores a que tem direito. O assunto já ultrapassa o limite do direito econômico e se torna um problema social, refletindo nos direitos humanos das pessoas com dívidas a receber do estado brasileiro. Muitos não recebem em vida os valores devido à demora nos processos judiciais, ficando na dependência da boa vontade dos governos em acertar estas dívidas.

Com 68 anos de idade, a pedagoga Ibrama de Oliveira aguarda um precatório derivado de reajustes salariais do tempo em que trabalhava como merendeira na rede estadual de ensino. Com a mesma fé que a fez concluir uma faculdade em Pedagogia aos 61 anos de idade, ela batalha pelo recebimento dos valores. “Quem disse que de nada adianta lutar, não resolve nada na vida. Temos que ter força de vontade, não importa a idade que temos. Eu estou no sindicato há dois anos porque também quero lutar por muitas vozes que não conseguem chegar aqui”, conta.

Dona Ibrama é uma das precatoristas que tricota enquanto não recebe o pagamento do estado | Foto: Vinicius Reis/ALRS

O Tricô dos Precatórios se tornou ação social, pois a cada pagamento, as peças produzidas pelas precatoristas são doadas a entidades carentes. Semanalmente ocorrem contatos com o judiciário para saber do resultado dos processos.

Há anos auxiliando o Sinapers, o advogado Ricardo Bertelli conta que o problema dos precatórios se agravou com a mudança da Emenda 62. “Agora não é possível fazer, por ordem judicial, os sequestros aos cofres públicos quando não há o cumprimento do pagamento. Hoje quando o processo é concluído há 30 dias para serem transferidos os valores, que só podem ser acessados com alvará judicial. O juiz tem que assinar e o advogado do caso é então intimado a receber os valores disponíveis”, explica.

Apelidada pelos críticos de “Emenda do Calote”, a norma prolongou para 15 anos o prazo de liquidação das dívidas reservando ao pagamento de percentuais mínimos nos orçamentos dos municípios e estados. O que, na visão do assessor jurídico do sindicato, é uma tranquilidade a mais para os gestores não honrarem as dívidas. “80% deste passivo é gerado por omissão dos governos com o assunto. Se os governantes fossem responsabilizados nominalmente, não teríamos precatórios”, avalia.

“Estamos criando a futura fila das RPVs”, avalia jurídico do Sinapers

No Rio Grande do Sul, uma lei estadual, aprovada em 2011, também alterou a regra das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) para o mesmo critério de pagamento dos precatórios. Com a legislação proposta pelo governo Tarso Genro, os pagamentos das requisições também seguem o teto de 1,5% da receita anual do estado. Também foi ampliado de 60 para 180 dias o prazo para pagamento dos valores acima de sete salários mínimos.

A legislação proposta por Tarso Genro foi considerada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul (Sinapers) como mais uma forma de procrastinar os pagamentos, uma vez que a origem das RPVs também está relacionada aos precatórios. Como forma de garantir o recebimento dos valores em vida e de forma célere, os credores negociam com o estado para reduzir os valores a que tem direito e trocam os precatórios por uma RPV.

“Com a obrigação de apenas cumprir os 1,5% da receita também para as RPVs, o governo não pode ser cobrado pelos precatórios atrasados e nem ser acusado de que não está pagando os valores. Porém, são pagos em 30 dias apenas os valores das RPVs entre um e sete salários mínimos. Acima disso é em 180 dias. O que vai acumulando um montante novo para além das duas filas de precatórios já geradas com a Emenda 62. O que estamos criando é a futura fila da RPV”, analisa o assessor jurídico do Sinapers, Ricardo Bertelli.

Procurador geral do estado, Carlos Kaipper defende pagamento rigorosamente em dia por parte do governo gaúcho | Foto: Vinicius Reis/ALRS

Segundo o procurador geral do Estado do Rio Grande do Sul, Carlos Henrique Kaipper, o governo quita os percentuais previstos na Emenda 62 e na lei estadual de RPVs mensalmente. “O estado deposita R$ 26 milhões mês para os precatórios todo mês. Há um histórico de ausências nos pagamentos e de pagamentos parciais que estamos quitando. Mas a responsabilidade neste tema não é só do estado. É de todos”, defende.

Segundo o procurador estadual, a intenção do governo Tarso Genro é agilizar o pagamento aos credores. “Estamos criando uma Procuradoria dos Precatórios e das RPVs para aperfeiçoar o pagamento. A iniciativa já foi aprovada pelo Conselho Superior da PGE e estamos com projeto de lei para contratação de servidores para esta nova Procuradoria”, informa.

Por sua vez, o judiciário também anuncia formas de enfrentar os problemas estruturais que acumulam processos no Tribunal de Justiça do RS. “Queremos cumprir 7 mil processos de precatórios, na ordem crescente, até julho de 2013. Estamos com projeto para pagamento de hora extra aos servidores do quadro”, diz o presidente do TJ-RS, Marcelo Bandeira.

O governo gaúcho diz que buscará acompanhar com os pagamentos dos precatórios na mesma velocidade do mutirão da justiça. “A cada movimento dos atores deste processo, movimenta os demais. Vamos dar a mesma agilidade. Tenho certeza de que a Fazenda e o governador estão de acordo”, promete.

“Mais de R$ 100 bilhões em precatórios estão pendentes no Brasil”, diz OAB

Presidente da Comissão de Precatórios da OAB, Flávio Brando cobra transparência sobre precatórios no Brasil | Foto: Marcos Eifler/ALRS

A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei estadual. Em âmbito nacional, a entidade dos advogados também questiona a falta de transparência no passivo de precatórios a serem quitados nos estados e pela União. A entidade estima que R$ 100 bilhões em precatórios expedidos não foram pagos no Brasil. “Por outro lado, além dos emitidos, o que está em gestação já soma R$ 600 bilhões. Sobre tudo isso não há conhecimento público ou monitoramento. Uma empresa privada tem que fazer reserva orçamentária para possíveis ações judiciais porque não se sabe o que está em andamento no poder público?”, ingada o presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, Flávio Brando.

Segundo ele, se há consciência dos poderes executivos sobre o problema e disposição a resolvê-lo, não deveria haver obscuridade no assunto. “Como vamos resolver o que nem sabemos quanto é?”, cobra.

A OAB cobra o Conselho Nacional a estabelecer os critérios para transparecer uma lista geral de precatórios no Brasil e os cálculos para o pagamento. “Ele não pode legislar, já que é um órgão administrativo, mas pode pegar a legislação vigente e a jurisprudência, e deixar claro as regras e chegar aos valores reais”, argumenta. “Além da numerologia dos casos, será possível tornar público os autores dos passivos ao longo da história dos precatórios no Brasil”, também considera Brando.

OAB cobra atuação do Conselho Nacional de Justiça para listar valores gerais de precatórios não pagos pelos executivos | Foto: Marcos Eifler/ALRS

Segundo ele, existem medidas exequíveis e até em andamentos em estados brasileiros para o pagamento dos precatórios em forma de serviços ou benefícios. “O poder público tem dívidas ativas em impostos que credores não conseguem pagar. Porque não permitir que com precatórios se pague isso?”, propõem. Segundo Brando, os financiamentos junto à Caixa Economica Federal para aquisição da casa própria também poderiam ser moeda de pagamento de precatórios. “Quando compra a casa a Caixa dá 30 anos para pagar. Pagando com precatório as pessoas quitam a casa e a Caixa fica dona do precatório. O município ou estado teria 30 anos para pagá-lo”, sugere.

Segundo ele, esta e outras ideias, como pagamento de materiais de construção e equipamentos de informática com precatórios, poderiam ser adotadas no país por Medida Provisória do governo federal, sem esperar o julgamento do STF. “O STF vai dar o recado de que os agentes administrativos tem que resolver sem dar calote. Litigiosidade e contestação permanente não funciona mais. O problema é que político só conhece a moeda política e a moeda dinheiro”, critica.

A tricoteira aposentada Ibrama de Oliveira compreende o imbróglio, mas não perde a esperança. “Acredito que irei receber o que tenho de direito. Eu não vejo as coisas apenas pelo lado material. A Justiça dos homens é falha, mas tudo tem hora para acontecer”.


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