Opinião
|
1 de julho de 2012
|
14:44

Abordagens, abusos e polícia cidadã

Por
Sul 21
[email protected]

Por Adão Paiani

Chegando a Porto Alegre na noite de sexta-feira (29/06), e me deslocando do aeroporto para casa, tive meu veículo abordado por volta das 20h15, na Avenida Sertório, zona norte da capital gaúcha, por uma blitz da Brigada Militar, onde os policiais, todos portando armamento pesado, procederam a uma habitual revista pessoal e do veículo.

Até aí tudo bem, é de praxe, necessário e da natureza da operação. Todo cidadão, sem absolutamente nenhuma exceção, tem o dever de se identificar, quando abordado, e se submeter à revista pessoal, desde que realizada dentro da técnica policial adequada.

Pensar em contrário seria defender o indefensável: que as abordagens nos bairros mais abastados devem ser feitas de forma diversa daquelas nas periferias. Ou ao sabor dos estereótipos clássicos, com o policial levando debaixo do braço exemplar de “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso, médico e cientista italiano, defensor da teoria que o comportamento criminoso seria determinado por características físicas.

Exigimos segurança, então precisamos colaborar com as autoridades encarregadas de nos dar proteção. Mas a polícia também tem de fazer a coisa certa. O cidadão jamais pode ser colocado na posição de ter de escolher quem vai ser o seu algoz, a polícia ou o bandido.

No episódio que refiro, constatei dois erros graves na abordagem da qual fui alvo: primeiro, o grupo, realizando revista pessoal, não dispunha de uma PM feminina para o caso de necessidade de revista em mulheres.

Questionei o policial que aparentemente estava no comando da operação sobre a irregularidade, ao que ele me respondeu que a presença de uma PM FEM não era obrigatória e, se necessário, sob o poder discricionário dos policiais, o revista feminina poderia ser feita por homens, o que, no mínimo, é uma falta de preparo brutal.

O Código de Processo Penal, que estabelece regramento quanto à busca pessoal, em seu artigo 249, diz taxativamente que a busca em mulher será feita por outra mulher, desde que isso não importe em retardamento ou prejuízo da diligência. Ou seja, a revista de homens em mulheres deverá ser sempre a excepcionalidade, o que coloca a gestão operacional de ações desse tipo no compromisso de estabelecer como regra a presença de policiais femininas.

Tal cuidado e bom senso visa, em primeiro lugar, o respeito à integridade física e moral da mulher, mas também evitar que a revista não seja feita, quando necessária, e ainda resguardar o policial de ser acusado da prática de ato libidinoso e constrangimento ilegal, situações nas quais, perante o judiciário, o depoimento de eventuais vítimas possui forte característica probatória.

A Lei 4.898/65, em plena ditadura, já considerava abuso de autoridade “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”, bem como “o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”.

Atos de abordagem e revista policial não devem ser arbitrários ou ilegais e tais procedimentos, quando realizados, devem ser corretamente informados ao cidadão, até com a finalidade pedagógica de fazê-lo compreender e colaborar com uma ação que deve visar a segurança deste e da sociedade.

O segundo erro que testemunhei é que nenhum dos brigadianos, incluindo aí quem supostamente respondia pela operação, portava qualquer identificação no uniforme, nem o nome e sequer a patente, o que me faz apenas deduzir que o referido fosse um oficial. A prática desrespeitou meu direito de saber a identificação do policial que me abordava, tendo o agente ignorado seu dever de identificar-se.

Da condução equivocada de uma operação para o abuso de autoridade é um passo. O episódio demonstrou um despreparo e uma arbitrariedade incompatíveis com o procedimento de uma polícia cidadã, termo, aliás, muito usado pelo Ministério da Justiça durante a gestão do então Ministro e hoje Governador e Comandante-em-Chefe da Brigada Militar, Tarso Genro.

Felizmente ocorreu com um ex-Ouvidor de Polícia que tem a experiência e o discernimento necessário para questionar, repudiar e dar o necessário encaminhamento a esse tipo de situação. E os demais cidadãos?

Tentei contato telefônico com o Comandante da Brigada e com o Subcomandante e não consegui localizar nenhum dos dois. Imediatamente procurei o Cel. Atamar Cabreira Filho, do Departamento de Gestão da Estratégia Operacional da Secretaria de Segurança Pública do RS, que pronta e gentilmente – como é do seu feitio – me atendeu e, estranhando a conduta dos policiais, se comprometeu a apurar os fatos.

Falhas acontecem, mas é importante que elas sejam corrigidas. E cabe ao comando da corporação tomar as providências necessárias para que não tornem a se repetir.

É o que se espera da nossa Brigada Militar, que há quase duzentos anos é motivo de orgulho para todos os gaúchos.

Adão Paiani é advogado

O Sul21 reserva este espaço para seus leitores. Envie sua colaboração para o e-mail [email protected], com nome e profissão.

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora