Opinião
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27 de junho de 2012
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09:05

O nacionalismo econômico da Era Vargas e o governo Lula-Dilma Rousseff: retomada de um projeto?

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Sul 21
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Por Cássio Moreira

Recentemente ministrei uma palestra, em sessão ordinária da Câmara Municipal de Porto Alegre, sobre o tema Desenvolvimento Econômico Brasileiro na Era Vargas e que está disponível em vídeo no site www.cassiomoreira.com.br. O evento correspondeu ao Ciclo de Debates “A Trajetória de um Estadista – Getúlio Vargas – 130 Anos (1882-2012)”.

Na explanação, salientei que, nos períodos em que Getúlio Vargas esteve na presidência da República, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, houve o desenvolvimento de um projeto de nação para o Brasil. A economia brasileira, até então, era sinônimo de economia cafeeira, baseada num único produto, o que gerava enorme dependência do país à exportação do café.

Getúlio chegou ao poder, por meio do golpe de 1930, numa época em que apenas 2% da população brasileira votava, pois mulheres e analfabetos ainda não tinham direito ao voto. No processo eleitoral predominava o chamado “voto de cabresto”, manipulado pelo poder político e econômico das elites.

No período ditatorial em que vigorou o Estado Novo, de 1937 a 1945, Vargas deu maior ênfase ao desenvolvimento do ensino profissionalizante e à consolidação do Estado nacional, que até então era dependente de interesses da economia cafeeira, liderada predominantemente por São Paulo e Minas Gerais.  Vargas defendia um projeto baseado no nacionalismo econômico e o Estado Novo trouxe a consolidação do estado nacional e, dentro do projeto industrializante, as leis trabalhistas para os trabalhadores da cidade. Entretanto, Vargas será deposto no Estado Novo, ajudado por uma contradição: internamente. Getúlio liderava uma ditadura; externamente, apoiava os aliados contra ditaduras.

Com a deposição de Vargas em 1945 e a eleição de Eurico Gaspar Dutra à presidência da República, ocorreu uma breve paralisação desse processo, por meio de uma política econômica mais conservadora, embasada numa liberalização cambial. As reservas cambiais acumuladas no período Vargas, então, foram gastas em pouco tempo. Nas eleições de 1950, Getúlio concorreu à presidência e voltou ao poder em 1951. Num primeiro momento, ele começou uma política econômica mais estabilizadora e, depois, consolidou o nacionalismo econômico, com a criação de estatais como a Petrobras e o BNDES. Havia, neste período, uma pressão cada vez maior da mídia, que acusava Vargas de corrupção. Até que, em 24 de agosto de 1954, Vargas se suicidou, adiando o golpe de Estado que ocorreu dez anos depois.

Nesse processo de desenvolvimento soberano, as empresas estatais teriam uma posição estratégica. Foi na Era Vargas que ocorreu a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) e de outras estatais que, mais tarde, seriam privatizadas durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A carta-testamento de Getúlio pode ser um resumo do programa econômico de seu governo. Em 1955, ao ser eleito, Juscelino Kubitschek promove o “Plano de Metas 50 anos em 5, focado na indústria de bens duráveis. Juscelino adota um modelo desenvolvimentista, mas também amplia a participação de multinacionais, enfraquecendo o projeto de Vargas. Com a construção de Brasília no período de JK, ocorreu uma aceleração inflacionária que perdurou até o período de reabertura democrática do país.

Com a renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart assume o poder e retoma o projeto varguista, sendo influenciado por alguns pensadores como Alberto Pasqualini, e com a tentativa de implantação das reformas de base o projeto Vargas transmuta-se no projeto trabalhista, que conforme Moniz Bandeira, será uma espécie de social-democracia brasileira. Algumas dessas reformas continuam, atualmente, em pauta, como a tributária e a política. Com o golpe de Estado em 1º de abril de 1964, começou o regime militar no país, que se manteve no poder até 1985, e assim, esse projeto trabalhista (nos marcos do nacional-desenvolvimentismo) foi interrompido.

Depois desse apanhado histórico, um pouco de opinião embasado na linha de pesquisa que começo a estudar… Quando o PT chegou ao poder em 2003, tinha um projeto político (de poder) e focado no combate a fome e a distribuição de renda, entretanto, sem um projeto claro de país. Contudo, quando a atual presidenta Dilma Rousseff, ingressou na Casa Civil e passou a influenciar os rumos do país: o projeto trabalhista de Vargas e Goulart é resgatado (claro que num contexto historicamente diferente). Cabe lembrar, a tentativa de criar uma estatal do Pré-Sal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o programa Luz pra Todos e Minha Casa minha Vida, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, a Política de Desenvolvimento Produtivo, entre outros.

O PT herdou a condição de partido das massas do antigo PTB e passa a constituir, pelo menos em termos práticos embora alguns petistas não concordem, como o maior partido trabalhista do país. Assim, o governo da presidenta Dilma Rousseff, com seus aliados de esquerda como, por exemplo, o PSB, PCdoB e parte do PDT, retoma o projeto trabalhista, que no passado teve em sua essência as reformas de base, essas que continuam tão atuais. Assim como, continuam atuais a oposição sistemática de parte da mídia e de parte da elite brasileira e o uso das bandeiras da moralização e do combate a corrupção: tão usadas contra os governos com caráter popular e trabalhista como Vargas, Goulart, e de certo modo, JK.

Em resumo, ainda continuam em disputa dois modelos ou projetos para o país: um desenvolvimentista, capitaneado pelo PT, e que prega maior intervenção do estado na economia e; outro liberal, capitaneado pelo PSDB, e que defende que o Estado interfira menos nas chamadas leis do livre-mercado.

Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre.   www.cassiomoreira.com.br

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