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27 de junho de 2012
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08:50

Não ao Golpe travestido de impeachment

Por
Sul 21
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Menos de 48 horas foram necessárias para que um governo democraticamente eleito fosse alijado e o Estado de Direito gravemente confrontado no Paraguai. O Golpe de Estado que retirou o presidente Fernando Lugo do cargo —não há outra denominação para o que se passou— deixa indignado não só o povo paraguaio, mas todo o povo latino-americano que lutou e luta pela consolidação de governos progressistas e democráticos na região.

O inacreditável julgamento que destituiu de Lugo o direito de continuar no comando do país —incumbência para a qual foi legitimamente eleito— foi um verdadeiro rito sumário. Revestido de tribunal, o Poder Legislativo paraguaio instaurou um processo de impeachment que negou ao réu, Lugo, o direito essencial da defesa e contraditório. Como defender-se sem conhecer o crime de que se é acusado? E, o mais descabido, sem conhecer as provas que deveriam fundamentar a acusação? Travestida de legalidade, a farsa foi montada, e Lugo acusado e julgado culpado em um processo inconstitucional, que ignorou todos os preceitos democráticos, instaurando um golpe que já acarreta sérias consequências.

A suspensão do país dos dois foros multilaterais mais importantes do continente, o Mercosul e a União das Nações da América do Sul (Unasul), deverá isolar o país e aprofundar a crise. A medida, contudo, é pontual e bem aplicada, uma vez que o respeito à ordem democrática é cláusula dos acordos que regem as relações entre os países nos dois blocos.

Redução de investimentos e suspensão de suprimentos —como o de petróleo, anunciado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez— estão entre as medidas de restrição esperadas.

A falta de sustentação política do governo de Lugo, que não encontrava respaldo nem mesmo no interior de sua própria coligação partidária, se agravava a cada dia, impedindo qualquer reforma social mais profunda tentada pelo presidente. Isolado do sistema tradicional de poder, composto por partidos conservadores que jamais se conformaram com sua chegada à Presidência, e impossibilitado de agir frente aos conflitos que vinham do campo e aos anseios dos movimentos sociais, Lugo ficou suscetível ao golpe arquitetado e desferido pela velha direita autoritária.

Ao povo paraguaio que, junto com o presidente Lugo, teve usurpados seus mais legítimos direitos democráticos, fica a tristeza e a sensação de aturdimento diante de uma história mal explicada. O protesto de manifestantes contrários ao golpe diante do Congresso paraguaio, como era de se prever, foi fortemente reprimido pela polícia, evidenciando a truculência e a ilegitimidade do processo de impeachment.

Lugo, que disse ter aceito sua destituição para evitar um banho de sangue no país, deverá agora contestar a legalidade do ato covarde de que foi vítima. Espera-se, acima de tudo, que este não seja o fim do caminho que o Paraguai começou a trilhar rumo a uma ainda incipiente democracia, constantemente cambaleada por golpes de Estado.

O golpe contra Lugo ainda pode ser estancado e, para tanto, é preciso que a comunidade internacional, especialmente os países latino-americanos, manifeste-se contra esse processo que violenta os princípios democráticos sob qualquer ponto de vista. O Brasil tem responsabilidade de liderar essa pressão externa por uma saída dentro do mínimo razoável ao que se entende devido processo legal, pressão que pode e deve ser exercida a partir dos instrumentos diplomáticos e dos fóruns decisórios pertinentes.

Se aceitarmos o que está acontecendo com o Paraguai hoje, estaremos abrindo as portas para que novos episódios de supressão da democracia voltem a ocorrer numa América Latina que se via em pleno processo de consolidação democrática.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


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