Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
|
20 de junho de 2012
|
08:15

Maluf, petista desde criancinha

Por
Sul 21
[email protected]

Estimados sulvinteumenses, o PT acaba de dar o maior tiro em seu próprio pé desde que a política contemporânea brasileira foi inventada, com o impiche de Fernando Collor. E doeu.

Doeu em todo mundo do lado de cá do Equador, que acredita em flexibilidade política como necessidade de um governo democrático, mas segue achando que limites los hay. Doeu em quem se entusiasmou com a chapa chapa-quente Haddad e Erundina. Doeu em quem sentiu que seria possível enfrentar o outro lado, formado pelos cavaleiros do apocalipse ajuntados ao lado do Senhor das Trevas. Em suma, doeu.

As razões para o acordo são as mais óbvias: o PP tem que ir para algum lado, com seus ácaros e minutos de televisão. Se não foi pra lá, que seja pra cá.

Mas, e de mas o inferno é composto, o PP em São Paulo também se chama Paulo Salim Maluf.

A única explicação que eu encontro, estimados sulvinteumenses, é excesso de dosagem em algum analgésico que o Lula esteja tomando ainda por conta do tratamento. Como um estrategista brilhante como o Lula pode cair num absurdo erro desses? Alguém estendeu uma pilulazinha pra dor de garganta e junto vinha um desativador de noção. Só pode ser.

Lula resolveu achar que fora uns poucos milhares de cidadãos com a decência política em dia, ninguém ligaria para esse tipo de acordo. Esqueceram de perguntar para Luiza Erundina o que ela achava disso, não foi?

Eleição ainda por começar, eleitorado muito mais preocupado em saber se o Corinthians vai finalmente traçar a Libertadores, povão nem aí pra quem é o que. Memória se esvaindo, começando a achar que o Maluf não passa de um velhinho com sotaque de brimo. Os preciosos minutos de tevê, surrupiados do PSDB fazendo a diferença, permitindo ao eleitorado saber que Haddad é do Lula, e Lula é do Haddad, desmontando a poderosa mas limitada candidatura serrista. Certamente tudo isso entrou no cálculo.

Pois ele é um cálculo errado.

O certo, meu presidente Lula, é deixar essa tranqueira se esvair, se possível, finalmente atingido pela Justiça. O certo é marcar a diferença que nos separa, não a indiferença que nos une. O certo é disputar uma eleição lá onde ela tem que acontecer, e o certo é preservar o que se tem de lastro político e credibilidade. Se isso for incompatível com vencer uma eleição, então melhor perder do que vencer associado a uma das mais completas sínteses do que seja um ser desprezível.

Serra, do outro lado, está unido ao que existe de pior. É aliado natural do DEM, que em si já é uma contradição em termos. Se aliou ao detestável PR e seus evangélicos de araque. Provavelmente, se aliou, ou aliará aos outros evangélicos, os que não são de araque e são do mal, Malafaia et caterva. Serra é Kassab, Kassab é do Serra.

Meu estimado presidente Lula, cá entre nós: não era fácil desmontar essa arapuca e vencer a eleição limpamente? Se aliar ao Maluf é o equivalente técnico, mesmo que legalmente legal, de praticar uma boa e velha trapaça nas urnas. Isso nunca, nunca deveria ser considerado.

Haddad muito provavelmente é um bom candidato, capaz de avançar sobre as área azuis e impetráveis à Marta. Ele não tem rejeição e Serra tem teto. Ele é ungido por Lula, e isso é o que é. Além disso, ele teria Erundina, capaz de chegar a qualquer área vermelha da cidade sendo querida e respeitada por ela. Precisava mais do que isso?

O governo Kassab é um desastre unanimemente detestado na cidade. Kassab é um legado de José Serra. A cidade sabe disso. Bastava dizer, lembrar, deixar claro, marcar.

Nunca, jamais, atravessar a linha do que é tolerável, mesmo na política brasileira.

Em Porto Alegre, por exemplo, parece que o PP vai se aliar com o PCdoB e isso significa, literalmente, nada, porque ambos o são. Mas aqui, o PP é Maluf e o PT tem que ser outra coisa, como partido definidor, mesmo que muito, muito imperfeito do que seja o Brasil contemporâneo. O PT representa também o melhor desse contemporâneo, e jamais deveria se esquecer disso.

Lula é um sindicalista no coração, criado na negociação com os piores seres do planeta. Para ele, lidar com Collor, com Renan Calheiros, com Alfredo Nascimento, com Paulo Maluf, é apenas um cavaco a mais no ofício de construir uma hegemonia.

Ele acerta ao pensar que, com o PT mandando na coligação, aos demais resta a função de coadjuvante e nisso ele adquire, enquanto neutraliza, boa parte do Brasil arcaico.

Essa construção teórica até pode funcionar em boa parte do tempo, funcionou na dupla que ele fez com José Alencar, mas não pode funcionar o tempo inteiro, e certamente não pode funcionar quando por perto está a figura com aroma de peixe muito além do ponto, também conhecido como Paulo Salim Maluf.

Lula é Lula. Ele também emplacou Dilma, e ganhou ainda mais créditos, muitos dos quais acaba de queimar nesse equívoco. No momento, ele é um olho-roxo. Em novembro vai, merecidamente se assim o for, se converter em uma derrota tão triste quanto desnecessária.

Lula errou. E, no Brasil de hoje, quando Lula erra, quando o PT erra, o custo é simplesmente alto demais.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora