A zona do euro está sob ataque desde o início da crise internacional, em 2008, mas parece viver seu momento de maior gravidade. Com a Grécia de joelhos, abriu-se o caminho para a Espanha ser a bola da vez —fala-se em 40 bilhões de euros necessários aos bancos espanhóis. O prenúncio de um efeito dominó alimentou avaliações sobre a saída da Espanha da zona do euro.
Contribuiria para isso o fato de a Espanha ser maior que a Grécia para ser resgatada, associado à peculiaridade política de ser um país estável, mas em efervescência contra a imposição de políticas recessivas com alto custo social —disfarçadas sob o manto da “austeridade”. Além disso, o potencial econômico espanhol permitiria uma recuperação mais rápida do que a grega, com a desvalorização da moeda para abatimento da dívida.
O efeito colateral da inflação em escalada seria compensado em médio prazo, apostando-se na retomada de uma economia dinâmica do nível da espanhola, que conta com algumas dezenas de empresas sólidas. Os defensores dessa solução acreditam que isolar a Espanha é a melhor maneira de tratá-la —e, por conseguinte, a Europa.
Há, no entanto, um vício de origem nesse raciocínio que apregoa a fragmentação do euro como recomendável: o efeito da queda da Espanha seria devastador. A tendência em um cenário desses é de aprofundamento da crise em toda a Europa, com fortes turbulências sobre a Grécia, Irlanda, Portugal e Itália, além de atingir a própria Espanha, claro. Uma eventual dissolução do bloco não poderia ser descartada, levando a uma estagnação da atividade econômica internacional por tempo indeterminado.
O grau de imprevisibilidade dos impactos da saída da Espanha do euro é elevado também porque a diminuição do poder de compra provocada pela inflação em altos patamares levaria a repercussões sociais e políticas inimagináveis. Os protestos já realizados até o momento comprovam que os europeus não vão aceitar mais crise após a conta da má administração do sistema bancário recair sobre seus ombros. Os mesmos sinais vêm das pesquisas de opinião e dos resultados eleitorais em diversos países.
Sob essa perspectiva, inclusive, as autoridades passaram a cogitar uma injeção de dinheiro do fundo de estabilidade, dispensando condições inicialmente exigidas. Esse tem sido o roteiro da crise na Europa: questiona-se a capacidade de os países arcarem com seus endividamentos, elaboram-se planos de cortes nos gastos e em benefícios sociais, que levam ao desemprego e à recessão, e usam-se fundos públicos para salvar os bancos.
A defesa de recursos para investir, ampliar a renda, aquecer a economia e proteger o desempregado ainda não é feita com a ênfase devida pelas autoridades europeias. A persistir essa opção política, o cenário não se alterará. Do ponto de vista social, político e inclusive moral, é insustentável essa contradição de optar por salvar a banca e não as economias e os povos.
A crise social e política tende a se aprofundar junto com o agravamento da situação econômica, num contexto em que a rebelião social e a luta política nas ruas parece ser a única saída, além das derrotas nas urnas, para alterar o rumo da decisões na Europa. Desde que a crise se abateu sobre a Europa, raras foram as oportunidades em que houve um esforço coordenado concreto das autoridades do Continente para a retomada do crescimento.
Contudo, se, por um lado, o debate sobre a saída da Espanha do euro é precipitado e temerário, por outro lado, pode servir para retomar a ideia de que todas as alternativas a serem adotadas contra a crise devem ser conjuntas. Caso contrário, todos sairão perdendo.
José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT