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16 de junho de 2012
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21:00

Comunidade cultural da Cidade Baixa marcha por música ao vivo e reabertura de bares

Por
Sul 21
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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

“Eu quero é botar meu bloco na rua” diz o refrão que tornou célebre cantor e compositor Sérgio Sampaio, na década de 1970. Ao som desta canção, munidos de instrumentos de percussão, violões, flautas e gogó, cerca de 150 pessoas, entre frequentadores dos bares e casas noturnas da Cidade Baixa, músicos e donos de estabelecimentos paravam a Rua Lima e Silva, por volta das 20h30 desta sexta-feira (15), na 2ª Caminhada Cultural em Defesa da Música Ao Vivo, do Trabalho e da Cultura. “A Prefeitura disse que haveria 90 dias de teste para o novo decreto e que, neste período, não fechariam casas noturnas. Na primeira semana, fecharam o Mr. Dam. Enquanto eles disserem uma coisa e fizerem outra, nós estaremos aqui”, disse o músico Juliano Luz, num carro de som.

A concentração para a caminhada começou por volta das 18h, na Rua Sofia Veloso. De lá, as pessoas rumaram para a Avenida João Pessoa, portando cartazes, faixas e instrumentos. Várias delas carregavam uma mensagem pedindo a reabertura da casa noturna Mr. Dam, cuja recente interdição também foi lembrada nas paródias que os músicos tocavam ao longo do trajeto. “Acho justo. Maravilhoso”, disse um dos proprietários da casa noturna, Hélio Jeziorny, sobre a solidariedade recebida.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Seu estabelecimento, que fica na Rua José do Patrocínio ao lado do Bar Opinião, foi um dos poucos que não se beneficiou da flexibilização da polarização, uma regra municipal que não permitia mais de uma casa noturna em determinada distância. A Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (SMIC) sugeriu para ele que opere como um bar ou restaurante, funcionando até às 2h nos finais de semana e até às 24h nos demais dias. “É inviável. Não é casa para isto, não tem área aberta. Imagina um bar fechado? Trabalhamos como casa noturna durante sete anos. Eles haviam concordado com a minha existência todo este tempo”, afirmou Jeziorny.

Além de ser contra o fechamento de bares e casas noturnas, a marcha pedia que a música ao vivo não tivesse restrição até a meia-noite, desde que respeitando os níveis de decibéis fixados por decreto da Secretaria Municipal do Meio-Ambiente (SMAM). A SMIC tem dito que após às 22h é preciso de uma autorização no alvará para ter música ao vivo. “A gente quer a aplicação imediata do acordo feito entre músicos e a associação de moradores, com permissão para música ao vivo até meia-noite sem necessidade de autorização, desde que sejam respeitados os níveis de poluição sonora”, explicou um dos idealizadores da caminhada, o músico Ricardo Bordin. Ele afirmou ainda que a SMIC tem se apropriado de atribuições da SMAM, porque esta última secretaria tem estrutura precária para fiscalizar poluição sonora.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Pelo caminho da caminhada, entoavam-se músicas como “Eu bebo sim” e “Não deixe o samba morrer”. Alguns cartazes também tinham inspiração musical, como um que dizia “A gente quer comida, diversão e arte”, citando canção dos Titãs. Outra faixa pedia: “Legalize a boemia”. Após sair da João Pessoa, a marcha entrou na Rua Luis Afonso e depois chegou à Lima e Silva até a Avenida Loureiro da Silva, por onde os manifestantes seguiram rumo ao Largo da Epatur, ponto final da marcha. Por ali, a cantoria continuaria, sem hora para acabar.

“Porto Alegre continua sendo um cemitério da cultura”, diz intérprete de samba

Um dos que mais cantava era Gilberto José, 64 anos, que foi puxador de algumas das principais escolas de samba de Porto Alegre, como Imperadores do Samba e Fidalgos e Aristocratas. Gilberto, que frequenta o bairro desde os anos 1960, diz estar muito triste. “Queira ou não queira, Porto Alegre continua sendo um cemitério da cultura. Não há consideração com o artista”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O DJ Daison Teixeira, que tinha como principal local de trabalho o Mr. Dam, afirma que a Cidade Baixa está “depressiva”. “Falta gente, falta público. As pessoas agora têm receio de vir para cá. Onde não tem gente, não tem cultura. É muito triste o que está acontecendo”.

O produtor cultural, letrista e apresentador Caetano Silveira diz ter admiração pelo prefeito José Fortunati e estar decepcionado que com o conflito ocorrido na Cidade Baixa justamente na gestão do pedetista. “Um bairro boêmio nasce espontaneamente e não pode ter ingerência de ninguém, muito menos do ente público. Bairros como a Cidade Baixa ou a Lapa, no Rio de Janeiro, têm muito mais frequentadores que moradores. São os moradores que têm que se adaptar. Tenho grande apreço pelo Fortunati e lamento muito que isto esteja ocorrendo na gestão dele. Acho uma bola fora”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Secretário foi verificar a caminhada

Enquanto uns manifestantes davam retoques nos cartazes e outros batucavam, à espera do início da caminhada, chamava atenção a presença do titular da SMIC, Omar Ferri Júnior, acompanhado por dois funcionários da pasta, observando tudo de perto, na esquina das ruas Sofia Veloso e República.

— Está tentando nos intimidar – repetiam empresários e músicos.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Vim como qualquer cidadão, para verificar. Pude ver que é uma marcha bem organizada e legítima. Respeito a manifestação. Não sou secretário de gabinete, estou sempre acompanhando”, disse Omar Ferri Júnior ao Sul21. “Se eu quisesse intimidar traria a Brigada Militar, a EPTC”, argumentou.

Ele reiterou que não teria sido procurado pelos manifestantes para ouvir as reclamações antes que fizessem o protesto. “Estamos abertos para conversar, não fui em nenhum momento procurado. Estamos abertos a qualquer debate de propostas”, afirmou, sendo aparteado por um dos funcionários que o acompanhava: “Enquanto estivemos observando a marcha ninguém veio falar conosco para reivindicar”.

Omar Ferri Júnior ressaltou que dos empresários que avistou na marcha todos eram de “bares interditados”, o que mostraria que os empresários em sua maioria têm apoiado as ações da SMIC. “Nunca houve nenhum problema nas nossas ações. Hoje está tudo em paz na Cidade Baixa. Antes das ações, o controle tinha sido perdido”, disse.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ele também repetiu insinuação de que a manifestação seria puxada por vereadores de oposição, só que desta vez mudou o foco. Ao conversar com o Sul21 na quinta-feira (14), Ferri havia dito que Sofia Cavedon (PT) poderia estar por trás da marcha. Na caminhada, mudou de opinião. “Chego aqui e vejo que é na frente da sede do PSOL e que a Fernanda (Melchionna) está aqui. Está no direito dela fazer”, afirmou.

Para Ricardo Bordin, o fato de o secretário ter um dia apontado para uma vereadora do PT e, no dia seguinte, para uma do PSOL, “prova que o secretário não tem o menor conhecimento sobre a organização dos músicos, ou está agindo de má-fé”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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