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29 de junho de 2012
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08:17

Complexo de Midas

Por
Sul 21
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Muitas interpretações já foram feitas sobre o aperto de mão de Lula e Maluf, em troca do apoio do partido deste ao Haddad – gesto do qual Lula já disse que não se arrepende. Quero acrescentar mais uma teoria, psicológica: o ex-presidente está com Complexo de Midas, convencido de que tudo em que ele toca vira ouro. Depois de ter indicado Dilma e do sucesso desta na eleição e no governo, acredita que pode fazer o mesmo com quem quiser.

O Complexo de Midas, que ainda não está descrito nos livros de psiquiatria, seria uma percepção onipotente da realidade na qual o indivíduo acredita tanto na própria intuição que desconsidera todos os demais fatores externos, contextuais, no tempo e no espaço. Deixa de se importar com a reação dos outros aos seus atos, convencido de que no final todos lhe darão razão e de que sua genialidade intuitiva será amplamente reconhecida, mais uma vez.

A tese de que estamos diante de um “complexo” psicológico só se confirma, aliás, caso Haddad não “emplaque”, porque sua eleição significaria que o pretenso poder de Lula, de tornar ouro tudo que toca, não é ilusório, mas real. Quando Erundina disse que Lula “passou dos limites” estava expressando não apenas uma convicção moral, mas também a de que desta vez ele se enganou ao desprezar a rejeição à aliança proposta. Algo que só saberemos com certeza quando as urnas forem abertas, em outubro. O ex-presidente já tem tantos feitos assombrosos, em sua história, que mesmo diante do ceticismo geral já li pelo menos uma jornalista política de São Paulo acreditando que ele conseguirá seu intento, mais uma vez.

Trata-se de um exercício de leitura da realidade. Estamos acostumados à História do Brasil contada como uma sucessão de individualidades, desde os Dom Pedros I e II até os Presidentes da República, descontextualizada. O mito da “genialidade” individual de líderes superando o senso comum, coletivo, faz parte dessa leitura “personalizada” da história. Nas últimas três décadas, o movimento social de onde emergiu Lula cresceu e se afirmou pregando o contrário, que a história é escrita coletivamente, a partir do acúmulo de forças de cada grupo social, ideologicamente, numa correlação de forças dentro de um sistema socioeconômico mais amplo.

O personagem que encarnou o papel de liderança máxima desse grupo, agora, se comporta mais como um mito do que como um representante compromissado com a sociedade. Parece agir por conta própria, sem se importar mais com a opinião dos outros, mesmo causando constrangimentos aos companheiros de jornada. Os recordes de popularidade alcançados teriam lhe “subido à cabeça”, enfim, demonstrando sua face humana, pois é difícil resistir a tanto sucesso popular sem se deixar influenciar por ele, desenvolvendo ideias de onipotência.

O que a realidade parece mostrar, no entanto, é que a indicação de Dilma ocorreu num contexto diferente, com uma pessoa que já havia sido testada no cargo (Casa Civil) com sucesso e que mesmo sem ter carisma popular, até então, tinha preparo administrativo. Além disso, essa escolha não constrangeu nenhuma outra liderança de seu grupo, até aquele momento sem um líder natural a sucedê-lo. Haddad, ao contrário, não conseguiu organizar sequer um Enem sem problemas e acabou sendo imposto como candidato “passando por cima” das bases paulistas de seu partido. Não é uma liderança forjada no grupo ou na boa experiência administrativa, é apenas um “escolhido de Midas”.

Montserrat Martins é médico e tem formação multidisciplinar que inclui ciências jurídicas e sociais, comunicação e cinema.


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