Opinião
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25 de maio de 2012
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14:30

O Silêncio de Cachoeira: o direito de se calar e de não se auto-incriminar

Por
Sul 21
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Essa semana assistimos estupefatos o depoimento – ou não depoimento – do contraventor Carlos Cachoeira, na CPMI encarregada de investigar as relações promíscuas de corrupção entre ele e alguns políticos no Congresso Nacional nas operações Vegas e Monte Carlo.

O episódio, com cobertura simultânea pela televisão, envolveu um embate jurídico, que causou indignação aos Parlamentares presentes, mas também à sociedade em geral, pelo fato de ter se recusado a responder os questionamentos formulados.

A proposta do texto é, ainda que rapidamente, abordar o uso do direito ao silêncio nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Entender porque Carlinhos Cachoeira entrou mudo e saiu calado da sessão da CPMI.

Bem, a estratégia de defesa, elaborada por ninguém mais do que o ex-Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, consiste em garantir ao acusado o direito ao silêncio, de modo a não produzir provas e a se auto-incriminar.

A justificativa para tamanha garantia é o fato de o Estado deter a função acusatória, compondo de estrutura suficiente – material, equipamentos e estrutura qualificada – para fundamentar sua pretensão perante o Poder Judiciáro. É a equiparação de forças entre o Estado e o cidadão.

Tal possibilidade é prevista como uma garantia fundamental, ao dispor que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o depermanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e deadvogado.”

A norma constitucional faz referência apenas ao preso, mas a interpretação mais abrangente a estende a qualquer pessoa.

O direito ao silêncio corresponde à garantia conferida ao acusado de se calar diante de perguntas formuladas por autoridade, que pode ser exercido em todas as fases do interrogatório, seja na realizada pela autoridade policial, seja na realizada pela autoridade judicial, de modo a garantir a sua não auto-incriminação.

É interessante citar ainda o dispositivo previsto no Código de Processo Penal, cujo conteúdo permite que o acusado permaneça calado, sem necessidade de responder às perguntas formuladas.

Tal situação se equivale em termos da Comissão Parlamentar de Inquérito, uma vez que seus poderes de investigação são semelhantes aos dos membros do Poder Judiciário, que, também devem respeitar aos princípios constitucionais.

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) está regulamentada pela Lei 1.579 de 18 de março de 1952, permitindo a oitiva dos indiciados e a inquirição de testemunhas sob compromisso.

Na referida lei que regulamenta a CPI, há a previsão de crime, com pena de reclusão de 1 a 3 anos, para a afirmação falsa e a negação ou omissão da verdade perante Comissão Parlamentar de Inquérito.

Quem não recorda da clássica prisão, efetuada pelo presidente da CPI do Sistema Financeiro, Senador Bello Parga, a pedido da então Deputada Federal, Heloísa Helena, contra o ex-presidente e ex-diretor do Banco Central, Francisco Lopes, que recusou-se a responder às perguntas formuladas pelos Parlamentares. A Deputada proferiu um inesquecível: “teje preso”. E de fato, o acusado foi preso por silenciar.

É aqui que entra a necessidade de ajuizamento deHabeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, com vistas a garantir o uso do direito ao silêncio, e da auto-incriminação, haja vista que somente com a anuência desse poder, é possível, não ser preso pelo direito à recusa em responder aos questionamentos.

Foi o caso da Medida Cautelar Habeas Corpus 113.548 do Distrito Federal, impetrado por Carlos Augusto de Almeida Ramos – Carlinhos Cachoeira – contra o Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito e julgado pelo Ministro Celso de Mello, em 14 de maio passado.

Aqui, leia na íntegra a decisão do Ministro Celso de Mello.

É preciso pontuar que, muito embora seja mal compreendida pela sociedade, tal direito fundamental de permanecer em silêncio, de modo a não se auto-incriminar é uma valiosa garantia contra os abusos cometidos pelo Estado contra pessoas acusadas, de modo a evitar métodos inadequados para a apuração de fatos, práticas essas totalmente incompatíveis na evolução jurídica e no atual Estado Democrático de Direito.

São as garantias fundamentais do cidadão que precisam ser respeitadas.

Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim (Itália) e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e Diretor-Geral do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.


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