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16 de maio de 2012
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08:12

Em busca da verdade histórica

Por
Sul 21
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Conhecemos na última semana os nomes dos sete membros que, ao tomar posse nesta quarta-feira, constituirão a tão aguardada Comissão da Verdade. Trata-se de um momento histórico, uma oportunidade ímpar para que se possa saldar uma antiga dívida com a democracia, com a sociedade e, especialmente, com as famílias das vítimas da ditadura militar.

A Comissão terá a responsabilidade de trazer à tona a verdade dos fatos, daquilo que aconteceu durante o pior momento da nossa história republicana. Precisamos conhecer e ter reconhecidas, em versão oficial, todas as atrocidades cometidas em nome do Estado, durante os 21 anos que se seguiram ao golpe militar de 1964. Prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e desaparecimento de corpos —toda essa barbárie e os seus autores devem ser conhecidos pelo conjunto da sociedade.

Os crimes cometidos pela ditadura e seus responsáveis continuam impunes, seguindo suas vidas sem quaisquer constrangimentos, como se não fossem agentes das mais terríveis violações aos direitos humanos praticadas em nossa história recente. Sob esse aspecto, a Comissão tem a função valiosíssima de, ao desvendar o que ficou encoberto nesses anos todos de silêncio, resgatar a memória e contribuir para evitar que voltemos a vivenciar episódios de cerceamento das liberdades e a banalização da impunidade.

Para tanto, é fundamental o desafio de levar ao conjunto da sociedade, ao povo e à nação os crimes da ditadura e seus responsáveis, não só os torturadores e assassinos, mas os que davam as ordens. Até hoje, não são conhecidos os integrantes das cadeias de comando, ou seja, a Comissão nasce com a responsabilidade de revelar a extensão das estruturas de perseguição, tortura e violações aos direitos humanos que foram montadas no interior do aparelho estatal.

As relações e responsabilidades do regime de exceção com os crimes cometidos na Operação Condor —a aliança entre governos militares da América do Sul, que levou à morte dezenas de milhares de cidadãos que lutavam contra as ditaduras no Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia— também podem e devem ser levantadas pela Comissão, em nome da justiça e por solidariedade aos nossos vizinhos que, assim como nós, tanto sofreram com os descalabros dos governos militares ilegítimos.

Os relatos do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Cláudio Guerra, contidos no livro “Memórias de uma guerra suja”, de Rogério Medeiros e Marcelo Neto, no qual o policial confessa a participação e o acompanhamento de crimes praticados durante a ditadura, podem ainda constituir-se importante material nesta empreitada.

A Comissão da Verdade terá amplo respaldo e, portanto, a possibilidade de buscar os fatos mais recônditos, mais escamoteados, jogando luz sobre uma parte da história até hoje desconhecida e que se quer esconder. Não será sua competência processar nem punir, mas uma vez que as responsabilidades pelos crimes sejam conhecidas — e é sua missão apurá-las— pode contribuir com o trabalho da justiça, se as famílias das vítimas fizerem uso de recorrer a ela, um direito legítimo que detêm.

Os trabalhos da Comissão serão iniciados em um momento propício, levando-se em conta a forte mobilização da sociedade civil. Pela primeira vez, desde o período pré-anistia, estudantes, artistas e outros setores foram às ruas, motivados pela causa, em atos como o Cordão da Mentira e o Levante Popular da Juventude. Também pressionam pela revelação da verdade e identificando ex-torturadores por meio de protestos.

Assim, chegar aos gabinetes dos ministros e da Presidência militar, dar consciência à nação e às novas gerações dos crimes da ditadura e permitir que as famílias dos desaparecidos tenham o direito de saber a verdade e recorrer à justiça, ainda que tardia, é um valioso trabalho a ser feito pela Comissão, que merece todo o nosso apoio no enfrentamento dos fantasmas da ditadura.

Trata-se de passo importante para, finalmente, pagarmos essa dívida vergonhosa como nossa memória e democracia. Haverá resistência e tentativa de desviar a Comissão de seu foco, mas precisamos da verdade. Mais do que virar, precisamos esclarecer essa página de nossa história.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


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