Samir Oliveira
A tragédia não é grega, é brasileira mesmo. Imagine um curso de Medicina sem hospital. Um curso de Engenharia Química sem laboratórios. Um curso de Jornalismo sem estúdios. E um curso de Teatro sem… Teatro.
É exatamente essa a situação do Departamento de Artes Dramáticas (DAD) da UFRGS. Os mais de 200 alunos estão sem a sala Alziro Azevedo desde a última quarta-feira (23), quando o espaço foi interditado por risco de incêndio, em razão das frequentes falhas na rede elétrica.
A sala já estava em estado precário desde a metade do ano passado, quando um alagamento danificou a fiação e os equipamentos de iluminação, fazendo com que a luz – elemento essencial para as apresentações teatrais – operasse com apenas 50% de capacidade. A inundação ocorreu porque o forro de uma sala que fica acima do teatro não teve capacidade de suportar a chuva. O aguaceiro seguiu o curso natural determinado pela lei da gravidade até as deficientes instalações do Alziro Azevedo.
O teatro deu sinais de que precisava sair de cena na última quarta-feira, quando a iluminação se negou a funcionar com mais de 10% da capacidade, encobrindo o local numa penumbra impossível de sediar qualquer espetáculo. Os alunos do DAD precisaram cancelar as apresentações do projeto Teatro, Pesquisa e Extensão (TPE), que ocorre todas as quartas-feiras há 10 anos. Mais de cinco escolas e 200 espectadores tiveram que cancelar o que deveria ser uma agradável ida ao teatro.
Além do prejuízo cultural, a interdição do Alziro Azevedo ameaça a vida profissional dos alunos que estão se formando e precisam do espaço para realizar os trabalhos de conclusão. Sem as apresentações, eles não podem concluir o curso. Sem um teatro, eles não podem fazer as apresentações.
O roteiro fica ainda mais trágico quando entra em cena a existência de um outro teatro vinculado ao DAD. A sala Qorpo Santo, no Campus Central da UFRGS, está interditada há três anos. O processo de reforma estacionou na burocracia, e a universidade até agora não liberou o espaço aos alunos.
Procurada pela reportagem do Sul21, a UFRGS informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o projeto de reforma da sala Qorpo Santo é “muito complexo” e que está em fase de finalização para “logo em seguida” ser licitado.
Quanto à sala Alziro Azevedo, a universidade garante que a reforma da rede elétrica já começou. A previsão é de que o espaço esteja pronto para uso em até seis dias.
A reportagem esteve no DAD na tarde desta quarta-feira (30) e constatou que havia funcionários trabalhando em reparos externos na Alziro Azevedo, sem movimentação dentro da sala, que estava totalmente fechada.
Alunos e professores se unem na exigência de melhorias
As precariedades no Departamento de Artes Dramáticas (DAD) da UFRGS vieram à tona com a divulgação de um vídeo feito por alunos que denunciavam as deficiências estruturais do teatro Alziro Azevedo. O contexto é favorável a cobranças, já que a universidade está em pleno processo eleitoral e elegerá um reitor no dia 14 de junho.
Nesta semana, os alunos do Instituto de Artes (IA), ao qual está vinculado o DAD, realizaram um protesto durante a visita do atual reitor e candidato à reeleição Carlos Alexandre Netto ao local. Como o Sul21 já retratou em outra reportagem, o IA também enfrenta dificuldades estruturais e aguarda há décadas um novo prédio para seus cursos.
Estudante do 5º semestre do curso de Teatro, Diego Nardi é um dos alunos mobilizados pelas melhorias no prédio do DAD, localizado na rua General Vitorino, 255. “Desde o ano passado estamos pedindo reformas e agora mandam pintar (o exterior da sala Alziro Nascimento). É a famosa maquiagem. Enquanto isso, os problemas estruturais continuam sem solução”, lamenta.
Além da interdição do teatro, ele explica que o teto da sala 2 – a mesma que alagou no ano passado – continua sem os reparos necessários. E o chão de uma outra sala dificulta a performance dos alunos. “Os parquês estão soltos e muitos colegas já cortaram os pés. Nosso trabalho envolve ficar de pé no chão e interagir com o espaço. A maioria das salas não oferece essa condição”, critica Diego.
O diretor do DAD, João Pedro Gil, elogia a mobilização dos alunos. “Está tendo um resultado muito bom, os estudantes estão organizados”, avalia.
Ele lamenta a pouca atenção dada à área das artes da UFRGS. “No contexto universitário e social, as artes sempre têm sido vistas como um efeite. Dentro do IA temos ótimos cursos, mas em termos de condições de trabalho temos que estar sempre implorando melhorias”, observa.
A professora Suzy Weber lamenta que espaços importantes para o DAD estejam inoperantes. “Assim como um médico precisa de um hospital, nós precisamos de um teatro. As artes merecem mais visibilidade. Uma sala fechada há três anos é um tesouro escondido”, comenta.
Na sexta-feira (1), os alunos do DAD pretendem amontoar e expor todos os equipamentos elétricos e de iluminação que estão em desuso para denunciar o descaso da universidade com o departamento.
Confira o vídeo feito pelos alunos do DAD