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13 de abril de 2012
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20:11

Seminário discute alternativas para uma efetiva transição democrática no Brasil

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

Pesquisadores internacionais e brasileiros estão reunidos em Porto Alegre e discutem até este sábado (14) o processo de transição política do Brasil, tido como o mais atrasado da América Latina. O seminário Os Limites e Possibilidades da Justiça de Transição: Impunidade, Direitos e Democracia procura identificar as limitações ou necessidades de novas perspectivas relacionadas ao tema. O evento propõe o elo entre o reconhecimento da violência do passado e o contexto atual do Brasil, onde alguns mecanismos começaram a surgir, como a legislação para a abertura de documentos, a criação de uma Comissão da Verdade e a sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia.

Nesta sexta-feira (13), a professora da Universidade de São Paulo (USP) Elizabeth Cancelli, apresentou uma série de contradições da história de resgate da verdadeira memória do Brasil. Segundo ela, as formas legítimas de rememoração foram influenciadas ao longo dos períodos para propor um sentimento de ressentimento diante da tortura psiquiátrica e física vivida nos períodos pós-guerras e no regime de exceção. “Memória e terror passaram a ser sinonímia. Se falava de uma para se sentir a outra. Com isso, se construiu uma maquinaria para aprisionar o homem no isolamento do sujeito em seu próprio eu. Reafirmou-se desta forma a retira do status político dos acontecimentos e dos sujeitos dos fatos”, defendeu.

De acordo com a historiadora, o terror foi tratado como algo de desvio histórico motivado por loucura para desviar a real motivação das barbáries vividas no passado. “Por isso o lugar comum de pensar o nazismo ou o comunismo soviético como produto de dois doidos: Hitler e Stalin. E, não como projetos políticos assentados em premissas utópicas de justiça social. Nazismo e comunismo passaram a ser construídos no pós-guerra como desvios que acontecem apenas fora dos regimes democráticos”, argumentou.

A partir daí, Elizabeth alerta para o surgimento de dois fenômenos que influenciam a forma da sociedade lidar com os traumas da tortura por falta de liberdade. “O fervor religioso e o nascimento dos heróis da memória. A religião seria a forma de formar homens embuidos de Deus que poderiam se contrapor a barbárie. Através da religião se esvazia o sentido da política. O segundo fenômeno retira a barbárie de um fato político e personifica a realidade a um individuo e a sociedade. Se eu sou a vítima, eu posso dizer o que foi e o que deve ser feito para o futuro.  Há uma série de vítimas que se heroificam e se dizem hoje donas do passado e portanto donas do futuro”, falou.

Por estes argumentos, a pesquisadora defende que o Brasil não vive um regime democrático de fato e está em um processo de constante transição. “Não existe meio grávido. Ou se vive na democracia ou se assume que não se vive em uma democracia. Desde a década de 30 somos uma sociedade do futuro. Podemos fazer tudo porque ainda não chegamos lá.. Sempre estamos em transição e em busca da modernização”, critica.

“É falso dizer que não temos transição”, contrapõe professor da PUCRS

Se o ideal que parte para falar sobre justiça de transição no Brasil é que se busca viver em um regime democrático de fato, o país já produziu alguns avanços, contrapõe o professor de Direito da PUCRS e conselheiro da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho. Segundo ele, qualquer tese precisa ser defendida com contextualização. “Não vivemos mais como na época da ditadura. Acho que é falso dizer que não temos transição ou vivemos uma transição eterna. No âmbito da conquista de direitos, como ao voto e outros, nós conseguimos. Agora, se o contexto for a condição de inclusão dos diferentes grupos sociais na construção política, dá para dizer que ainda temos muita injustiça e ainda estamos em transição”, comparou.

O complexo processo transicional no país é visto com otimismo por José Carlos, mesmo diante da ainda não efetiva Comissão da Verdade e desrespeitos do governo federal em relação ao sistema interamericano de Direitos Humanos. “Toda conquista social e política para ser concreta nunca será perfeita. Sempre terá avanços e recuos. Se formos pesar os prós e contras da situação atual, que estamos na iminência da instalação da Comissão da Verdade, o saldo é positivo. Não foi um assunto pautado pelos apoiadores da ditadura, ao contrário, apesar deste episódio se fez uma pressão para que hoje tivéssemos uma comissão”, falou. “Mesmo a demora da Comissão proporcionou coisas positivas no processo, como a participação da juventude cobrando a verdade histórica”, complementou.

Diante das formas silenciosas ou evidentes de violações ainda existentes no regime declarado democrático no Brasil, os pesquisadores concordam que ainda precisam ser superadas as heranças da ditadura nos organismos e instituições brasileiros. “Precisamos ter na sociedade o sentimento de repúdio à violência praticada pelo estado que é o agente que deve zelar pelo bem estar dos cidadãos. Em todas as formas em que isto se manifestar, mesmo no regime democrático de hoje, isso tem que ser denunciado. Quando mais levantamos violações aos direitos humanos, seja no passado, como no presente, mais temos chances de discutir para que elas não caiam na invisiblidade”, disse o integrante da Comissão de Anistia, José Carlos.

Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontificia Universidade Católica do RS, Ricardo Timm, a incontrolabilidade da internet é um aliado no processo da justiça de transição. “Não sabemos os limites de onde as coisas chegarão. Isto é um catalisador de energias latentes que querem fazer um retorno terapêutico do passado. Não se trata de revanchismo, é uma terapia histórica”, define.

A realização do Seminário é uma iniciativa do IDEJUST (Grupo de Estudos em Internacionalização do Direito e Justiça de Transição) que fará a VI Reunião do Grupo neste sábado (14).


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