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26 de abril de 2012
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09:00

Presídio Central: novas críticas a um problema que aguarda soluções

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Sul 21
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Presídio Central: novas críticas a um problema que aguarda soluções
Presídio Central: novas críticas a um problema que aguarda soluções
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Recente posicionamento da OAB-RS e da Ajuris reacendeu debate sobre presídio em Porto Alegre | Foto: Ed Fernandes / TJ-RS

Rachel Duarte

Passado um ano e dois meses da gestão do ex-ministro da Justiça Tarso Genro a frente do executivo gaúcho, as instituições ligadas ao judiciário levantam conjuntamente duras críticas sobre o estado de calamidade pública que se arrasta há vários governos sobre o sistema prisional gaúcho. O Presídio Central, em Porto Alegre, carrega o indesejado título de pior cadeia do país e está longe de ser uma casa para ressocialização das pessoas privadas de liberdade. A posição adotada  pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) despertou o debate sobre o sistema prisional no estado. Porém, a complexidade do tema perpassa por uma série de elementos que estão, ao menos por enquanto, ausentes da recente retomada do debate.

“De repente, instituições que não tomavam frente neste problema, salvo as exceções de algumas atuações do Judiciário principalmente no interior do estado, levantam este tema”, questiona o secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels. “E isso justamente com um curto período da atual gestão, de uma pessoa que notoriamente construiu uma personalidade de luta pelos direitos humanos internacionalmente e duplicou o orçamento da segurança pública quando foi ministro da Justiça”, acentua.

Bruno Alencastro/Sul21
Michels: “Se algo for levado aos fóruns internacionais causará perplexidade. Mas não por falta de atuação do governador, e sim pela postura do Judiciário gaúcho" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O secretário prefere não entrar no mérito das possíveis razões que motivam as críticas das entidades que representam o Poder Judiciário, mas admite não acreditar que as recentes ações da OAB e da Ajuris sejam apenas preocupação com a causa. “Eu posso garantir que, se algo for levado aos fóruns internacionais causará perplexidade. Mas não por falta de atuação do governador, e sim pela postura do Judiciário gaúcho em estar acusando o Tarso, que é uma personalidade nestas cortes e tem reconhecida preocupação com o sistema prisional”, defendeu Michels, citando o anúncio da Ajuris em levar relatório sobre o Presídio Central ao conhecimento da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Nesta semana, o Conselho Executivo da Ajuris anunciou que irá enviar uma representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA relatando a realidade do Presídio Central de Porto Alegre e pedindo medidas concretas para resolver a situação. O assunto está sob responsabilidade do Departamento de Direitos Humanos da Associação, que tem prazo de 90 dias para elaborar o documento.

De acordo com o presidente da Ajuris, Pio Giovani Dresch, a motivação não é personificada ao atual governo e é um gesto de um setor que atua na área criminal há 20 anos e percebe a grave precariedade do Presídio Central. “Já tínhamos noção do problema. Houve inúmeras tentativas de separação dos presos e interdição do Presídio Central devido às promessas dos sucessivos governos que só fizeram degradar a situação daquela cadeia. Nós não temos a garantia de que um governo tomará medidas sem que haja uma provocação ou um remédio mais amargo”, crítica.

A Ajuris também encaminhará, ao Tribunal de Justiça, pedido de reforço cartorário na Vara de Execuções Criminais e a imediata implantação da extensão da VEC no Presídio Central. O presidente da Ajuris fez questão de afirmar que a atuação da entidade sobre a realidade carcerária de Porto Alegre é para contribuir com o trabalho do poder público. “O documento que enviaremos à CIDH seria um instrumento de negociação com os governos. Não fazemos por falta de confiança neste governo em especial e sim pela falta de confiança em uma solução efetiva do poder público. Não queremos apontar culpados, não temos critica especifica a este governo. Estamos apontando para o problema. Como ele (Tarso) é hoje o governador, ele acaba sofrendo com o ingresso da representação”, falou Dresch.

Histórico do Presídio Central: falsos anúncios e recursos federais desperdiçados

Reverter o problema do Presídio Central já é uma cobrança antiga da sociedade gaúcha. No governo de Antonio Britto (1995 – 1998) chegou a ser anunciada uma reforma na principal cadeia do estado, o que acabou não acontecendo na prática. O sucessor de Britto no executivo estadual, Olívio Dutra (1999 – 2002), que tinha Airton Michels como superintende penitenciário, acabou promovendo a até agora única reforma no Presídio Central. “A capacidade máxima histórica dele chegou, em 2002, na média de 2 mil presos. No governo Olívio reformamos 82% do Presídio Central. Aumentamos a capacidade em 800 vagas”, recorda Michels, hoje secretário de Segurança do RS.

Marcelo Suarez Saldanha
Recursos destinados pelo governo federal em 2005 não foram utilizados por Yeda Crusius | Foto: Marcelo Suarez Saldanha / Divulgação

Dois anos depois, a população carcerária aumentou para 5 mil presos e a capacidade era de 1,6 mil vagas. E o círculo vicioso de encarcerar, superlotar e não propor medidas alternativas para o cumprimento da pena fora das cadeias seguiu para a realidade atual, que aponta déficit de 10 mil vagas no Presídio Central. Nem o título de pior cadeia do Brasil, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário de 2008, acelerou os investimentos nas penitenciárias do estado, à época sob responsabilidade de Yeda Crusius (PSDB).

Em 2005, o governo federal já disponibilizava R$ 55 milhões ao Rio Grande do Sul, mediante apresentação de projetos adequados às exigências do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os recursos, porém, não foram utilizados. “Foi comunicado aos governos do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, os dois presídios mais superlotados do país, que o Ministério da Justiça entraria com 50% dos recursos que fossem estimados como necessários para as intervenções nas cadeias. Em Pernambuco foi feito. Aqui não houve resposta do governo e não se concretizou reforma”, fala Michels, que era diretor do Depen na época.

O secretário estadual de Segurança Pública diz que é ação prioritária do governo atual solucionar a questão do Presídio Central ainda neste mandato. “Até 2014 o presídio estará reformado ou então extinto”, assegurou. Ele estima que até julho já estarão disponíveis 1,6 mil novas vagas nas penitenciárias de Arroio dos Ratos, Charqueadas e Montenegro, para desafogar o presídio da capital. Em parceria com a Prefeitura de Canoas, também se trabalha com o projeto de criação de um novo complexo prisional em uma área de 50 hectares, num valor de cerca de R$ 70 milhões, para a geração de mais 2,8 mil vagas. “Requalificamos o convênio e será feito com recursos próprios. Por meio de uma Parceria Público Privada (PPP) seria uma fortuna para manutenção pela Susepe, sendo que nem havia o recurso anunciado nesta PPP pelo acordo firmado no governo anterior”, falou Michels.

Enquanto os imbróglios administrativos e jurídicos envolvendo as licitações para construção de novas casas prisionais e ampliação de outras, herdados da última gestão, foram se desdobrando no primeiro ano de governo, Michels assegura que ações emergenciais foram efetuadas no Presídio Central. “Estamos batalhando para a liberação dos recursos desperdiçados para construção da casa em Passo Fundo, a continuidade da obra em andamento em Guaíba e unidade prisional de São Leopoldo. Mas, em 2011, levamos para dentro do sistema prisional duas equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Reduzimos de 15 mortes por ano para cinco mortes no ano passado”, fala o secretário.

“O sistema carcerário atual retroalimenta o crime”, diz juiz da Vara Criminal do MP-RS

Os fatores que levam a superlotação das cadeias no Rio Grande do Sul, bem como no resto do Brasil, geram várias discussões polêmicas para a sociedade, passando ideologias, posições teóricas e filosóficas e também político-partidárias. Na avaliação do juiz Sidnei Bruzusca, o atual modelo é inadequado. “É barato para o estado e caro para a sociedade. Ele retroalimenta o crime organizado”, afirma Bruzusca.

O juiz, com atuação de 15 anos no Direito Criminal, alega que a falta de investimentos na melhoria das cadeias não ocorre com a mesma velocidade que a demanda do cárcere. “As políticas públicas não têm continuidade com as mudanças políticas nas gestões. Há uma falta de preparo dos trabalhadores da segurança pública que lidam com o sistema prisional, e um maior número de presos nas cadeias do que de profissionais. O crime volta a se organizar dentro das prisões e necessidades básicas de sobrevivência passam a ser moeda de troca para a prática de crimes das diferentes facções. Elas mantém o sistema”, explica.

Lauro Rocha / OAB RS
Sidnei Bruzusca: “As políticas públicas não têm continuidade com as mudanças políticas nas gestões. Há uma falta de preparo dos trabalhadores da segurança pública que lidam com o sistema prisional" | Foto: Lauro Rocha / OAB RS

Bruzusca alega que a solução de aumentar vagas no sistema prisional não é uma solução real. “Se aumentarmos vagas vamos aumentar a organização criminosa. Convencer o estado para reverter isso, implica tratar melhor o preso que está preso do que o que está solto. A sociedade não aceita isso. Um presidiário não pode ter o que o ‘cidadão de bem’ muitas vezes não tem”, afirma. Ele sugere prisões aos moldes de casas de passagem para a realidade de Porto Alegre e concorda com o fim do Presídio Central. “É um ícone que tem que ser apagado. É um problema crônico que não tem mais como recuperar”, diz.

Outras apostas para redução da população carcerária, como a aposta em regimes semiabertos e penas alternativas, são vistas como um desafio a médio prazo. “Temos que fazer as coisas aos poucos. É um processo. Mas investir alguns milhões para um cercamento eletrônico para controle de placas de carros enquanto não conseguimos fazer um controle mais tecnológico para os presos, por exemplo, é questionável”, defende o juiz, criticando os R$ 11 milhões do governo gaúcho que serão destinados ao Cerco Eletrônico de Veículos.

“Prender menos e descriminalizar alguns delitos levará tempo”, diz Ajuris

Na avaliação do presidente da Ajuris, Pio Giovani Dresch, a discussão sobre a aplicação da penas também é necessária. “A maioria da população carcerária é de pequenos traficantes. Isso envolve uma discussão da própria legislação, ou pelo menos do modo como ela é interpretada”, diz. Porém, ele admite dificuldades para romper crenças culturais da sociedade sobre o cárcere. “Há uma preocupação da sociedade em que se prenda mais e mais. Porém, se os 10 mil mandados de prisão que não são cumpridos fossem cumpridos, não teríamos onde colocar todas estas pessoas. Pensar a revisão das formas de pensar o direito penal é algo mais filosófico, que não permite resultados imediatos. São mudanças em longo prazo”, fala, acreditando ser prioritário ampliar as vagas para os apenados.


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