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24 de abril de 2012
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09:00

Extrema-direita cresce na França, mas socialista deve derrotar Sarkozy

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Sul 21
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Pesquisas de domingo (22) e segunda-feira (23) apontam socialista François Hollande com percentuais entre 53% e 56% para segundo turno | Foto: Divulgação

Felipe Prestes

Em sua primeira eleição presidencial, Marine Le Pen já superou o pai. Em cinco eleições disputadas pela Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen nunca havia chegado aos mais de 6,4 milhões de votos – ou 17,9% — conquistados pela filha no último domingo (22), resultado que a colocou na terceira colocação, atrás do socialista François Hollande e do atual presidente Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular, de direita. Nem em 2002, quando alcançou o 2º turno, o Le Pen pai alcançou o feito da filha. Naquela ocasião, fez 4,8 milhões de votos no 1º turno e apenas 5,25 milhões no 2º, chegando a 17,79% do eleitorado francês.

Com discurso xenófobo e contra a União Europeia, Marine assusta os países vizinhos e o mundo. Sua votação expressiva, entretanto, não deve pautar o próximo governo da França, porque as pesquisas indicam a vitória do socialista François Hollande, mesmo com a demonstração de força da direita.

Ao contrário do Brasil, o 2º turno na França ocorre apenas duas semanas após o 1º. Há pouco tempo, portanto, para reviravoltas. Pesquisas de quatro diferentes institutos feitas neste domingo (22) ou nesta segunda (23) mostram Hollande tendo entre 53 e 56% das intenções de votos válidos. O atual presidente Nicolas Sarkozy teria entre 44 e 47%. É bem verdade que há tendência de crescimento de Sarkozy. Na semana que antecedeu o 1º turno, as projeções de diversos institutos mostravam Hollande com 54 a 57%.

A votação de Sarkozy no primeiro escrutínio chegou a ser maior do que apontavam as pesquisas. O presidente obteve 27,18%, mas havia chegado a estar abaixo de 20% em alguns levantamentos. Mas Hollande ficou mesmo na frente, conforme apontavam os institutos. E isto tem forte significado. É a primeira vez que um presidente não vence o 1º turno desde a fundação da 5ª República, em 1958. A desaprovação do francês a Sarkozy levou-o, portanto, a um feito negativo único, histórico.

Os socialistas, por sua vez, não venciam um 1º turno desde que Lionel Jospin venceu Jacques Chirac, em 1997, mas acabou perdendo no 2º turno. Hollande obteve a primeira vitória dos socialistas em Paris na história e abocanhou 35 departamentos em que Sarkozy havia vencido em 2007 (ao todo são 100 departamentos). Após a confirmação dos resultados, Hollande afirmou que o resultado era um “castigo” para Sarkozy.

Nicolas Sarkozy precisaria puxar para si cerca de 80% dos votos da extrema direita para vencer segundo turno na França | Foto: World Economic Forum/Flickr

Como ficará o voto dos eleitores derrotados no 1º turno

Com a enorme desaprovação, não surpreende, portanto, que Sarkozy não esteja conseguindo capitalizar boa parte dos votos da extrema-direita. Em quatro diferentes pesquisas feitas no último domingo, Hollande oscila entre 18 e 31% dos votos dos eleitores de Marine Le Pen para o 2º turno. Sarkozy tem entre 48 e 60% dos votos da candidata da Frente Nacional e calcula-se que precisaria chegar a 80% dos eleitores dela para vencer.

Além disto, o número de pessoas que saíram de casa para votar foi considerado bastante alto, aproximadamente 80%. Assim, é difícil capitalizar em cima dos que não votaram. E uma pesquisa do instituto CSA mostra que Hollande teria 28% dos votos dos que não compareceram, brancos e nulos contra 13% de Sarkozy.

O atual presidente também deve lutar pelos votos do centrista François Bayrou, que ficou na quinta colocação, com 9,13% dos votos. Segundo quatro institutos de pesquisa, Sarkozy tem entre 25 e 38% das intenções de voto dos eleitores de Bayrou; Hollande tem entre 32 e 40%.

À esquerda, as chances de abocanhar votos para Sarkozy são quase nulas. Entre 83 e 91% dos eleitores do quarto colocado, o comunista Jean-Luc Mélenchon, que teve 11,1% dos votos, devem votar em François Hollande. Sarkozy deve ter entre 3 e 6% dos votos dos comunistas. Proporção semelhante entre os que votaram na candidata verde Eva Joly, que teve 2,31% dos votos.

Ainda no domingo eleitoral, Mélenchon e Joly conclamaram seus eleitores a derrotar Sarkozy. Mélenchon pediu que no dia 6 de maio seus eleitores votem “para vencer Sarkozy, como se estivessem votando em mim”. Joly pediu a “todos que compartilham dos meus valores republicanos a vencer Sarkozy e reunir-se em torno de Hollande”. O centrista Bayrou, por sua vez, manifestou sua preocupação com o crescimento da extrema-direita, mas disse que quer ouvir Sarkozy e Hollande sobre pontos fundamentais de seu programa para então definir-se por uma das candidaturas.

Sarkozy deve acenar ainda mais para a direita

Analistas apontam que em 2007, ano em que a votação de Jean-Marie Le Pen caíra muito em relação a 2002, Nicolas Sarkozy havia conseguido já no 1º turno abocanhar os votos da extrema-direita. Agora, ela o rejeitou na primeira votação. Mesmo correndo o risco de perder os votos do centro, Sarkozy acenou que deve correr atrás dos extremistas.

Guillaume Paumier
Tentando atrair voto da extrema direita, Sarkozy afirma que "respeito às fronteiras" e "luta contra a imigração" são temas prioritários para 2º turno na França | Foto: Guillaume Paumier

Em seu discurso após a divulgação dos resultados, ele afirmou que o “respeito às fronteiras” e a “luta contra a imigração”, além da “família e do trabalho” deveriam ser temas prioritários do debate político do 2º turno. Ele também mostrou-se compreensivo com o eleitor de extrema-direita. “Vejo esta votação (em Le Pen) como um grito de dor. Meu dever é ouvir os franceses”.

Surpreendentemente, Marine Le Pen não deve se definir por nenhum dos candidatos. Segundo um porta-voz, a Frente Nacional considera que Hollande e Sarkozy têm “programas semelhantes”. Ela deve fazer uma manifestação sobre o 2º turno no dia 1º de Maio, quando tradicionalmente a Frente Nacional faz ato em memória a Joana D’Arc, mas dificilmente irá abrir voto a alguém e, com um discurso contra a “política tradicional”, é provável que ela peça o voto em branco.

No xadrez político, diz-se que Le Pen, que se considera a única oposição possível à esquerda, torce por uma vitória socialista. Assim, ela, que tem apenas 43 anos, contaria com a derrota de Sarkozy para arrebanhar aliados em seu partido e se credenciar como grande liderança da direita no país.

Buscando votos à extrema-direita, Sarkozy pode não conquistar o apoio do centro. Com François Bayrou, a estratégia do atual presidente é diferente, buscando apoio político, mas não necessariamente ideológico. Nos bastidores, diz-se que o candidato à reeleição irá prometer a indicação de Bayrou para primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, Sarkozy também tenta um discurso quase esquizofrênico, buscando acenar timidamente para a esquerda. Após o pleito deste domingo, ele afirmou que foi alvo de mentiras, criticou a cobertura da imprensa, e acusou os socialistas de não irem onde estão os trabalhadores, mas em “jantares caros”. Sarkozy também disse que sua campanha é voltada aos aposentados e aos trabalhadores rurais “que não querem morrer”.

Crise empurra a Europa para os extremos

A ascensão da extrema-direita na França preocupa a União Europeia e até governos de direita em países vizinhos. Segundo reportagem do El Pais, um porta-voz da UE disse que estes ideais se chocam com os ideais promovidos pelas instituições europeias. O ministro das Relações Exteriores da Espanha, que é governada pela direita, também mostrou preocupação, ressaltando que as duas grandes guerras foram precedidas por “este tipo de ideologias, o que se acentua com as crises econômicas”.

Rémy Noyon
Marine Le Pen não deve recomendar voto nem a Sarkozy, nem a Hollande; segundo Frente Nacional, ambos têm "discursos semelhantes" | Foto: Rémy Noyon

O jornal espanhol aponta que há crescimento da extrema-direita não só na França, mas na Holanda, Áustria, Suécia, Dinamarca, Hungria, Itália e no próprio Parlamento europeu. No país onde a crise financeira é mais latente, a Grécia, houve crescimento dos dois extremos, esquerda e direita. Fenômeno semelhante ocorre na França. É impossível ignorar o enorme crescimento dos comunistas. Em 2007, eles haviam tido 2% dos votos para presidente contra 11% no pleito atual, resultado mais de cinco vezes superior.

O discurso da Frente de Esquerda capitaneada por Mélenchon era também flagrantemente contra o status quo – o que não deixa de ser verdade, mas 180 graus oposto, para o discurso de Le Pen. Até ao pedir voto para Hollande, o comunista foi claro: era para votar contra uma Europa sequestrada pelo sistema financeiro, ou, nas palavras do candidato derrotado, “acabar com o diktat de Merkel e Sarkozy”.

Outro fator que mostra o crescimento dos extremos foi a queda brusca do candidato de centro, François Bayrou. Em 2007, ele teve quase 20% dos votos e foi considerado uma “revelação” da política francesa. Em 2012, sua votação caiu pela metade.

Socialistas prometem não fazer concessões à extrema-direita

Para os socialistas, em uma análise que é corroborada por analistas, Sarkozy é culpado pelo crescimento da ultra-direita. Ao fazer um governo dúbio, que ora joga para a extrema-direita, ora joga contra ela, ele acabou alimentando o monstro, por assim dizer. Já que o presidente alimenta a extrema-direita, mas não chega a se assumir como tal, a própria Frente Nacional foi quem mais ganhou com isto.

“Estou ciente de que há uma parte de nossos cidadãos que têm sido tentados a ir para a extrema-direita, porque não sabem como traduzir as suas decepções e desilusões. O chefe da ascensão da extrema direita é aquele que, por vezes, usou as palavras da extrema-direita para tentar impedir o seu progresso”, disse Hollande, no domingo à noite, apontando o dedo para o adversário.

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"O chefe da ascensão da extrema direita é aquele que, por vezes, usou as palavras da extrema-direita para tentar impedir o seu progresso”, diz Hollande, em recado direto a Sarkozy | Foto: Divulgação

A estratégia de campanha do socialista não será a de alimentar a extrema-direita. Ao contrário, será a de mostrar ao eleitor descontente com o status quo, com o desemprego e a crise econômica, o voto na esquerda pode ser a melhor opção. “Temos que provar que nós somos uma resposta a esta raiva, não Sarkozy”, disse o dirigente socialista Stephane Le Foll.

O dirigente afirmou ainda que Hollande não irá retroceder em nenhum dos 60 compromissos de seu programa de governo. Não é um programa de mudanças radicais, mas difere muito da agenda de Sarkozy e nem de longe tangencia as ideias da extrema-direita.

No campo econômico, Hollande se propõe a ter um Estado muito maior do que pregam Merkel, Sarkozy e o sistema financeiro. Um dos pontos centrais é o aumento da carga tributária, com a recuperação de 29 bilhões de euros, eliminando “brechas fiscais”. Há também um aumento de 15% na taxação do lucro de bancos. Com os recursos, o socialista promete a criação de um banco público de investimento para pequenas e micro empresas, aumento dos subsídios à educação e à habitação. Outra medida do programa de governo de Hollande vai totalmente na contramão das reformas trabalhistas que estão sendo feitas em países europeus: o socialista promete dificultar as demissões.

Quanto a questões ligadas à moral e os bons costumes, Hollande promete opor-se totalmente à extrema-direita. Seu programa de governo inclui o direito de casamento e adoção por casais homossexuais e a permissão da eutanásia em alguns casos. No que diz respeito à imigração, o socialista propõe aumentar os direitos dos estrangeiros, permitindo que aqueles que vivem legalmente há cinco anos possam votar.

Com informações de Le Monde, Le Fígaro, RFI, El Pais, BBC, Carta Maior e PolicyMic


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