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25 de abril de 2012
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09:30

CPI do ECAD conclui por mais fiscalização ao órgão, mudanças na gestão e indiciamentos

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Sul 21
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Lindbergh e Randolfe divulgam relatório da CPI do ECAD | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Felipe Prestes

O relator da CPI do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), apresentou nesta terça (24) o texto final da Comissão. O petista propõe investigação de diversas suspeitas de delitos cometidos por gestores do ECAD e sugere mudanças na Legislação, além da criação de novos órgãos pelo Governo Federal para fiscalizar a atuação da instituição que centraliza a arrecadação de direitos autorais referentes à música no Brasil. “As conclusões do senador Lindbergh são a inauguração de uma fase nova na história do direito autoral no país. Vamos mudar radicalmente o direito autoral no Brasil”, afirma o presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Instaurada em junho do ano passado, a CPI realizou 19 reuniões, incluindo audiências públicas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, e ouviu mais de 60 pessoas. Entre as conclusões, a CPI pede que o Governo Federal recrie o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), extinto em 1990, e crie uma Secretaria Nacional do Direito Autoral (SNDA), ambos ligados ao Ministério da Justiça, retirando do Ministério da Cultura a prerrogativa de tratar do Direito Autoral. “O relatório do senador Lindbergh sintetiza muito do que nós fizemos. Faz conclusões para o MP, para a Presidência da República e para o Congresso. O que eu acho mais importante é a aprovação de dois projetos de lei. Um de iniciativa da Presidência de criar a SNDA e o CNDA; e o outro, do Congresso, modificando a Lei 9.610 e instituindo sistema de fiscalização e regulação do ECAD”, afirma Randolfe.

O projeto de iniciativa do Congresso a que se refere o senador do PSOL já tem um anteprojeto, constante no relatório, e a Comissão sugere que seja votado em regime de urgência. De acordo com a proposta, que altera artigos da Lei do Direito Autoral, as nove associações que hoje compõem o ECAD, e outras que por ventura sejam criadas, precisarão ser habilitadas pelo Ministério da Justiça para poderem atuar na arrecadação de direitos. Haverá uma divisão em segmentos e apenas uma associação por segmento poderá ser habilitada, gerando concorrência pela habilitação.

Caso o projeto seja aprovado, caberá também ao Ministério da Justiça homologar os preços cobrados pelas associações que poderão ser variáveis, mas devem ser justificados. O Ministério também poderá arbitrar de forma administrativa litígios. Além disto, as associações terão obrigação de prestar contas aos associados.

Leoni: "Fico bastante otimista com o relatório" | Foto: Arquivo Pessoal

Artistas se mobilizam pela aprovação do relatório

O relatório será votado pela Comissão na quinta-feira (26) e artistas farão um ato público em favor da aprovação do texto. O compositor Leoni, que está na linha de frente por mudanças do ECAD, se diz bastante satisfeito com os resultados apresentados pela CPI. “Fico bastante otimista. Há um ano atrás eu não imaginava tantas coisas acontecendo. Tentavam passar uma imagem de que quem queria mudanças no ECAD era contra o Direito Autoral e contra o ganho dos artistas. Não é bem assim. Agora se vê que os artistas podem sair ganhando com mudanças”, afirma.

Leoni considera muito importantes os encaminhamentos ao MP-RJ, MPF e MP-DF, pedindo indiciamentos e abertura de inquéritos. A CPI não se ateve tanto a crimes, mas se debruçou sobre algumas denúncias notórias para apontar onde estão as falhas na transparência do órgão e buscar correções. Entre os principais encaminhamentos neste sentido, estão a recomendação de indiciamento de oito gestores de associações e do ECAD por crime contra a ordem econômica; recomendação para indiciamento de cinco gestores por apropriação indébita ao utilizarem crédito retido — que deveria ser pago a autores ainda não corretamente identificados — para cobrir um déficit do ECAD e pedido de investigação para possível enriquecimento ilícito de gestores do escritório por receberem dinheiro do Plano de Premiação por Resultados (PPR) do órgão mesmo em exercícios em que houvera déficit. Além disto, há suspeitas de crime de falsidade ideológica, duplicidade de registros de um mesmo autor, cobrança de juros sobre juros em empréstimos feitos pela SOCINPRO (uma das associações que compõem o ECAD) a seus associados, entre outras suspeitas.

O relatório aponta que o ECAD é uma instituição incompatível com o direito à livre associação, porque os compositores são obrigados a fazerem parte de uma das nove associações que o compõem para arrecadar seus direitos. Aponta também que o sistema de arrecadação é ineficiente, prejudicando os artistas menos conhecidos. O texto também chama atenção para o fato de que até 1990 havia destinação prevista em lei para as multas aplicadas pelo ECAD. Desde então, não há mais destino para o dinheiro, mas as multas continuam sendo aplicadas, “uma excrescência legal”, de acordo com o texto de Lindbergh Farias. O relatório aponta ainda o grande poder das gravadoras multinacionais e das editoras, que estão à frente das duas associações que recebem cerca de 80% de tudo o que é arrecadado, a ABRAMUS e a União Brasileira de Compositores (UBC). Embora o ECAD divulgue uma lista periodicamente com os compositores que mais arrecadaram, a maior parte dos valores vai para quatro grandes gravadores, além das editoras.

À frente destas associações estão José Antonio Perdomo Corrêa (UBC) e Roberto Correa Mello (ABRAMUS). Recentemente, aponta a CPI, Perdomo perdeu o cargo de presidente para o famoso letrista e parceiro de Milton Nascimento, Fernando Brant. Porém, antes de deixar o cargo, Perdomo alterou o estatuto da UBC, transferindo as principais atribuições ao cargo de superintendente, que assumiria em seguida. Perdomo e Correa Mello estão relacionados na maioria dos pedidos de indiciamento feitos pela CPI. Inclusive na denúncia de que em 2009 o ECAD havia contratado uma auditoria externa, mas como o trabalho da empresa não agradava aos gestores, foi trocada a empresa.

“As recomendações ao MP são muito importantes para a gente ter noção mais clara do que se passa lá dentro. Acho, inclusive, que se o MP optar pelas investigações, os dirigentes deveriam ficar afastados enquanto é feito este trabalho”, opina Leoni. O compositor afirma que não é possível que se continue convivendo com a dúvida sobre a idoneidade de gestores do ECAD e de suas associações. “É importante a gente tirar esta dúvida. Quando iam ser investigados, trocaram de auditoria. O MP deveria acolher os pedidos de investigação. Mesmo que se prove que não há irregularidades, é preciso haver mais transparência e democracia no ECAD”, afirma.

Leoni diz que muito mais pessoas poderiam teriam depoimentos a acrescentar à CPI e que há outras denúncias a serem apuradas, mas considera que, pelas limitações de tempo, a Comissão fez um bom trabalho. “Nas atas do ECAD há muito mais coisas que merecem investigação. Houve muitas CPIs (três assembleias legislativas já realizaram investigações sobre o órgão arrecadador), mas o ECAD nunca havia sido tão avaliado. Espero que seja o primeiro passo para a democratização”, afirma.

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Relatório do senador Lindbergh Farias diz que ECAD se degenorou e está voltado para o próprio umbigo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Leoni aponta que os compositores não conseguem acessar cargos de mando nas associações, porque elas dão maior poder de voto a quem mais arrecada, as editoras e as gravadoras, além dos sócios fundadores. Na Abramus, segundo o relatório, Roberto Correa Mello é presidente há 29 anos, desde que a entidade foi criada. Pela falta de acesso dos compositores, o relatório aponta que o ECAD “se degenerou”, “virou um fim em si, voltado para o próprio umbigo”. “Tudo é resolvido pelos estatutos, não há legislação. E os fundadores e as editoras têm mais votos nas sociedades”, lamenta Leoni.

Ele comemora que a CPI dê bastantes sugestões sobre controle externo. O autor do sucesso “Garotos” considera importante a volta do Conselho Nacional do Direito Autoral. “É importante um órgão tripartite, com participação do Governo, dos compositores e da sociedade. Porque a sociedade muitas vezes é achacada pelo ECAD e não tem a quem recorrer”, diz.

Além da SNDA e do CNDA, o relatório propõe que o Ministério da Justiça faça um Portal da Transparência com as receitas e despesas de Direitos Autorais e uma ouvidoria para denúncias de compositores e da sociedade. Outro apontamento importante é que o ECAD não deve mais fazer arrecadações por amostragem. Atualmente, ele afere as músicas mais tocadas em estabelecimentos comerciais, em rádios e televisão, e os artistas ganham proporcionalmente à amostra.

Após a apreciação do relatório nesta quinta-feira, Randolfe e Lindbergh devem protocolá-lo pessoalmente na Procuradoria-Geral da República e entregar o documento em mãos do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Depois de pressionar pela aprovação do relatório, os artistas também prometem pressão para que Executivo, Legislativo e MP deem os encaminhamentos necessários.

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José Antonio Perdomo, superintendente da UBC, está envolvido na maior parte das denúncias que a CPI cobra apuração | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Resultados positivos do ECAD despertaram interesses, diz escritório

O ECAD elaborou extensa resposta por escrito ao relatório da CPI. A instituição destaca o crescimento na arrecadação, afirmando que em 2011 distribuiu R$ 411,8 milhões a 92.650 compositores, intérpretes, músicos, editores musicais e produtores fonográficos, 18% a mais que em 2010. Nos últimos cinco anos, a distribuição de direitos autorais teria crescido 64,38%, mais que o dobro da inflação do período (30,15% pelo IPCA).

“Os significativos resultados referentes à distribuição só existem devido às estratégias bem-sucedidas de arrecadação. Foi exatamente esse resultado que despertou muitos interesses e por isso virou foco de atenção. O que difere o Ecad de qualquer outra organização, no entanto, é a exploração política que se faz. É preciso atentar que o que está em jogo neste cenário é a luta pelo direito de receber o que os criadores entendem ser justo pelo uso de suas músicas. O pano de fundo dessa questão não é moral. É meramente econômico”, afirma o órgão.

O ECAD diz também que “não necessita da tutela do Estado”, mas garante não temer a fiscalização externa “desde que seja técnica, sem viés politico, dentro dos limites constitucionais, e que preserve o direito do autor de fixar o preço pela utilização de sua obra”. A instituição diz ainda que a fiscalização poderá “atestar o profissionalismo e a transparência com que vem sendo conduzida a gestão dos direitos autorais no Brasil”.

O ECAD também responde pontualmente algumas das denúncias levantadas contra o órgão e seus gestores. Quanto à acusação de cartel e de crime contra a ordem econômica, a instituição afirma que o MPF já se manifestou pelo arquivamento destas acusações em processo que tramita junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O órgão também afirma que não há apropriação indébita em utilizar-se de créditos retidos para cobrir seu déficit até que a identificação dos autores seja realizada, o que foi feito apenas em 2004, por decisão da Assembleia Geral.

Quanto ao PPR pago aos funcionários do órgão, ele afirma que não há qualquer irregularidade nesta prática. “O ECAD possui um Plano de Premiação por Resultados, prática absolutamente legal e comum no Brasil e no mundo. O plano estimula o aumento de valores a serem distribuídos entre os compositores e artistas e, prova disso, é a alta de 68% da distribuição nos últimos cinco anos, O pagamento dos PPRs é limitado, com regras transparentes e, em nenhuma hipótese, gera qualquer ônus para os artistas, já que o PPR é pago com recursos ordinários do Ecad, dentro dos critérios e metas de arrecadação, distribuição e resultado operacional estipuladas”, diz.

Sobre a mudança da empresa que realizava auditoria externa, o ECAD admite que isto, de fato, ocorreu. Em 2009, fora contratada a BDO Trevisan, mas ela pediu uma relação de documentos a cada gerente executivo do Ecad e “alguns documentos pareceram desnecessários para efetivação do serviço contratado”. Assim, o ECAD decidiu submeter o pedido de documentos à Assembleia Geral, que optou por romper a auditoria com a BDO Trevisan e contratar a Martinelli Auditores.


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