Samir Oliveira
Há 13 anos em tramitação no Congresso Nacional, o PL 1876/1999, que institui um novo Código Florestal no Brasil, deve ser votado em etapa final ao longo desta semana pela Câmara dos Deputados. Depois da aprovação, o texto irá para a sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff (PT).
A expectativa de parlamentares que apoiam a medida é de que ela seja apreciada ainda nesta terça-feira (6), enquanto opositores tentam pressionar para que o debate continue. O Palácio do Planalto também deseja que a aprovação ocorra o quanto antes e considera que o texto que chega aos deputados, na forma de um substitutivo com as alterações feitas no Senado, representa um “tênue equilíbrio” entre as demandas dos ruralistas e dos ambientalistas.
A proposta é alvo de duras críticas por parte de entidades ligadas ao meio ambiente e à pesquisa, que alegam que o novo Código Florestal anistia desmatadores, reduz as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e flexibiliza a proteção a alguns biomas, como os manguezais.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou um manifesto aos parlamentares apontando normas que terão efeitos negativos no meio ambiente caso o projeto seja aprovado. O texto assinala que “a reforma do Código Florestal Brasileiro, tal como vem sendo processada no Congresso, sob a influência de grupos de pressão setoriais, representa a desregulação do setor do agronegócio com sérios riscos para o meio ambiente e para a própria produção agrícola”.
A entidade elaborou uma tabela onde explica as consequências das principais mudanças em relação à lei original, em vigor desde 1965. A SBPC critica a retirada de poder do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que perde o poder de regular as áreas desmatadas – atividade que passará para o controle dos estados -, e denuncia que a figura da Reserva Legal (RL) será “praticamente extinta“.
Isso porque a proposta desobriga as propriedades rurais com até 440 hectares de restaurarem suas reservas legais caso elas tenham sido desmatadas até 22 de julho de 2008. A mesma data vale para isentar de punição qualquer propriedade que tenha utilizado ilegalmente uma APP. “Os proprietários não serão obrigados a restaurá-las e as áreas poderão ser utilizadas para os mais diversos propósitos ao invés da conservação”, lamenta a SBPC.
Além disso, o novo Código Florestal reduz de 30 metros para 15 metros o espaço de preservação em torno de rios com até 10 metros de largura. O projeto também altera os critérios para utilização rural de morros. O texto libera a plantação nos morros de até 50 metros, o que é proibido pela lei atual, e estabelece como limite mínimo a altura de 100 metros, além de liberar a produção em encostas que tenham entre 25 e 45 graus de inclinação. Quanto aos manguezais, a medida estabelece que será permitia a remoção de sua vegetação caso a “função ecológica” do bioma esteja “comprometida”.
Apesar de as negociações indicarem que será apreciado ainda nesta semana, o novo Código Florestal brasileiro tem até o dia 11 de abril para ser votado, quando se esgota o prazo dado por um decreto presidencial que suspende a aplicação de multas aos produtores rurais que descumpriram as regras ambientais e de regularização fundiária estabelecidas em 2008. Dilma, que já modificou o prazo do decreto duas vezes, não cogita estendê-lo ainda mais. O Palácio do Planalto também tem a preocupação de chegar à conferência ambiental das Nações Unidas Rio +20, que ocorrerá no final de julho, no Rio de Janeiro, com o texto já aprovado.
“Esperamos que Dilma vete os pontos mais preocupantes”, reivindica ambientalista
As entidades ambientais ainda tentam fazer pressão junto ao Congresso Nacional para que os parlamentares não votem nesta semana a redação final do novo Código Florestal brasileiro. Mas, percebendo que será difícil retardar as discussões, ambientalistas miram no Palácio do Planalto e pretendem intensificar os movimentos para que a presidente Dilma Rousseff vete algumas medidas do projeto, como a que anistia desmatadores.
No dia 26 de janeiro deste ano a presidente se reuniu com lideranças do Fórum Social Mundial em Porto Alegre e foi questionada pelo líder do MST, João Pedro Stédile, sobre o Código Florestal. Na ocasião, Dilma disse que não irá agradar a todos. “Não será, adianto pra vocês aqui, o sonhos dos ruralistas. Não será também um código ambiental perfeito”, admitiu a petista.
O professor do Departamento de Botânica da UFRGS, Paulo Brack, que integra o Comitê Gaúcho em Defesa das Florestas, espera que a presidente vete alguns artigos da nova lei. “Sabemos que a bancada ruralista exige coisas do governo. Na Câmara, tentam abrir brechas no conteúdo final, até a mudança em algumas vírgulas pode ser perigosa. Os movimentos de ambientalistas esperam que Dilma vete os pontos mais preocupantes”, comenta.
Brack avalia que a anistia aos produtores que desmataram Áreas de Proteção Permanente até 2008 é “um desastre” e desrespeita aqueles que cumpriram a lei. “Pedagogicamente, a anistia é um desastre. Cria um precedente muito perigoso no Brasil”, critica.
O sindicalista Décio Monteiro, que também integra o Comitê Gaúcho em Defesa das Florestas, está em Brasília junto com outras entidades de ambientalistas do país para pressionar os deputados federais a não votarem o projeto esta semana. “Faremos um corpo a corpo para tentar postergar a discussão. Trabalhamos em duas frentes, tentando conscientizar os deputados e a presidente Dilma em alguns pontos cruciais da proposta”, explica.
Deputado diz que críticas dos ambientalistas são “conversa mole para boi dormir”
O deputado federal Moreira Mendes (PSD-RO), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, assegura que o novo Código Florestal será votado ainda nesta terça-feira (6). Ele explica que conversou com o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), que teria lhe garantido o compromisso de colocar o projeto na pauta. “Estive pessoalmente com o Marco Maia e ele me confirmou que a proposta está na pauta de terça. O líder do governo (Cândido Vacarezza, do PT de São Paulo) também disse que esse assunto deve ser liquidado na terça”, comenta Mendes.
O parlamentar lembra que o projeto não poderá sofrer nova redação no plenário da Câmara. Pelo regimento, o substitutivo do Senado poderá apenas perder artigos que já possui. “Não haverá embate. As discussões já estão encerradas, não há como colocar nada de novo”, observa.
Moreira Mendes acredita que o texto “não é o melhor dos mundos para os produtores” e que o meio ambiente não será desfavorecido. Ele desmente a crítica feita por ambientalistas de que o projeto flexibiliza a legislação e anistia desmatadores. “Isso é colóquio flácido para acalentar bovino. Ou seja, é conversa mole para boi dormir. Como eles não têm argumentos, ficam explorando mentiras e farsas”, rebate.
O deputado entende que não há anistia, já que os produtores terão que prestar serviços ambientais em proporção ao território utilizado. “Apenas prevemos o que já existe na legislação, que é a multa em serviços ambientais”, resume.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária informa que os ruralistas desejam retirar do substitutivo do Senado os oito princípios que constam no início da norma e orientam a aplicação da lei. O primeiro deles estabelece que é preciso “reconhecer as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do país”. Para o deputado, esses enunciados podem ser interpretados de forma subjetiva e genérica por juízes e promotores.
Moreira Mendes diz que respeita a prerrogativa constitucional da presidente Dilma Rousseff para vetar o que ela considerar equivocado, mas alerta que, nesse caso, o custo político recairá sobre o governo federal. “Tem determinados pontos que são intocáveis. Se ela resolver criar algum embaraço aos produtores, o ônus será dela, não nosso”, avisa.
– Confira aqui a lei atual do Código Florestal.
– Confira aqui o substitutivo do Senado que será votado na Câmara.