Últimas Notícias > Geral > Noticias
|
23 de março de 2012
|
08:20

Seminário ‘Construindo Territórios da Paz’ trará a experiência de Bogotá

Por
Sul 21
[email protected]
Hugo Acero estará em Porto Alegre na próxima semana para participar do seminário Construindo Territórios da Paz | Foto: Reprodução

Vivian Virissimo

A capital da Colômbia, Bogotá, é uma cidade de 8 milhões de habitantes que conseguiu diminuir brutalmente seus índices de criminalidade e tem servido de inspiração para novas experiências de segurança pública em várias cidades da América Latina, inclusive para o Rio de Janeiro com suas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Para relatar a experiência bem sucedida, o ex-secretario de Segurança e Convivência de Bogotá, Hugo Acero, virá a Porto Alegre a fim de participar do seminário Construindo Territórios da Paz que acontece no próximo dia 29 de março, no Plaza San Rafael. Sociólogo, Acero atualmente é consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Por telefone, Acero falou com o Sul21 diretamente de Bogotá sobre a situação da Colômbia que, além do crime comum e organizado, possui um outro componente que agrava a situação do país: as guerrilhas armadas. Mesmo diante desse contexto ainda mais complexo, a cidade conseguiu coletar diferentes ideias e iniciativas em diversas cidades do mundo para montar um novo paradigma quando se fala em segurança pública. Todas as práticas inovadoras foram mais facilmente adotadas em função do compartilhamento das tarefas entre governo federal, estados e os municípios, previamente estabelecidos pela Constituição do país.

Nesta entrevista, o sociólogo, que é referência no debate sobre segurança urbana, detalha os programas do projeto de Convivência Cidadã que extrapolou o conceito comum de segurança ao adotar medidas inovadoras de combate a criminalidade, estimulando a mediação de conflito e inserindo jovens envolvidos com o crime em atividades que pudessem trazer alternativas para essa faixa da população.

Sul21 – Quais eram os principais problemas de Bogotá antes do projeto de Convivência Cidadã ser implantado?

Hugo Acero – Bogotá, como qualquer cidade da América Latina, tinha e tem problemas de violência e delinquência ligados ao crime comum e ao crime organizado, como o narcotráfico e o comércio de armas e pessoas. A diferença de Bogotá para outras cidades da América Latina é que nós temos o problema do conflito armado, a presença de milícias e pequeno grupos de guerrilha na cidade, basicamente ligado às Farc. Quando fui secretário de segurança da prefeitura de Bogotá, entre 1995 e 2003, logramos reduzir a violência e passamos de uma taxa de 80 homicídios a cada 100 mil habitantes para 23 a cada 100 mil. Uma redução de mais de 75% da violência homicida. Os números de mortos também caíram: de 4.352 homicídios em 1995 a 1.665 em 2005. Hoje, as taxas se mantém iguais a 2005.

"Cerca de 2.700 armas foram entregues de forma voluntária e cerca de 75 mil armas foram apreendidas no primeiro ano"| Foto: Reprodução

Sul21 – Como pode ser explicada uma redução tão efetiva do número de homicídios?

Hugo Acero – A primeira explicação é que na Colômbia, de acordo com a Constituição, os prefeitos também são responsáveis pela segurança e há uma só polícia, a Policia Nacional da Colômbia, a qual deve obediência ao presidente da República, ao Ministro da Segurança e que também recebe ordens de prefeitos. Antanas Mockus, prefeito de Bogotá, por exemplo, exerceu uma liderança muito forte para melhorar a segurança. Outro elemento importante é que todas as instituições começaram a trabalhar em equipe: prefeitura, polícia, Ministério Público, juízes, presídios, organismos de inteligência nacional e forças militares. Reunimo-nos todos os meses com essas instituições no Conselho de Segurança. A terceira medida importante se deve à definição de estratégias de ação conjunta contra os grupos que exerciam a violência e a deliquência nas ruas. Tivemos planos e ações contra o crime organizado, particularmente contra o narcotráfico e o comércio de armas e também desenvolvemos ações contra grupos de guerrilha das Farc, um trabalho coordenado com definição rigorosa de planos. Frente ao furto também foi feito um trabalho intenso nas comunidades.

Sul21 – Para atacar em tantas frentes, foram necessários muitos e variados programas. Quais foram as primeiras ações colocadas em prática?

Hugo Acero – Começamos com uma campanha de desarme dos cidadãos. A primeira ação foi de entrega voluntária de armas. O cidadão recebia entre US$50 e US$100 por cada arma. A segunda consistiu na intervenção da polícia em alguns bairros com o recolhimento de armas ilegais, o que ocorreu fortemente em 1996. Cerca de duzentos ou trezentos policiais entravam nos bairros para recolher as armas. Em Bogotá existem 2.600 bairros. Em cada mês de intervenção eram feitas 20, 25 ações diferentes. Cerca de 2.700 armas foram entregues de forma voluntária e cerca de 75 mil armas foram apreendidas no primeiro ano. A entrega voluntária foi baseada na experiência de Boston, nos Estados Unidos.

Sul21 – Como foi a inserção da prefeitura nas comunidades?

Hugo Acero – A prefeitura foi aos bairros com a polícia para nos reunirmos com os cidadãos e organizarmos uma Frente de Segurança. A situação era a seguinte: os moradores não se conheciam entre eles e não conheciam as autoridades de polícia que trabalhavam no bairro. A partir daí, foi estabelecida uma forma de comunicação entre cidadãos e a polícia.

"Capacitamos a polícia para resolver de maneira pacífica as situações de conflito" | Legenda: Reprodução

Sul21 – Como era feito o trabalho com os jovens envolvidos com a criminalidade que moravam nesses bairros?

Hugo Acero – Sempre nos preocupamos em não focar apenas no aspecto policial da segurança, mas também trabalhar do ponto de vista da convivência e da prevenção. Por isso criamos um programa de atenção aos jovens de grupos criminosos, previsto para atender 12.000 jovens. O programa Jovens Convivem com Bogotá, por exemplo, atendia entre 1.000 e 1.500 jovens em atividades de cultura, recreação e esporte. Nesse programa os próprios jovens organizavam as atividades, cabendo à prefeitura apenas financiar estes programas e pagar uma espécie de bolsa aos jovens que orientam as atividades. Também temos o programa Escola Aberta para jovens que não estão estudando e outro que buscava emprego para jovens livres que já se envolveram em conflitos.

Sul21 – Que influência tiveram esses programas no combate a criminalidade?

Hugo Acero – O resultado começou a refletir na diminuição de violência nesses bairros. Claro que também havia maior presença da polícia, do Ministério Público, mas os programas estimularam muito na diminuição do crime.

Sul21 – Além dos jovens, como o programa atendia outras faixas da população?

Hugo Acero – Também tivemos programas orientados a capacitar líderes comunitários, lideres religiosos de igrejas distintas e professores em resolução de conflitos e violência de gêneros. Capacitamos também a polícia para resolver de maneira pacífica as situações de conflito. Nesse processo, capacitamos 8 mil pessoas em nível comunitário. Além disso, criamos e fortalecemos a unidade Comissão da Família que é uma instituição pública onde as mulheres e filhos denunciam maus tratos. Essas unidades oferecem atendimentos de advogados, psicólogos, sociólogos e auxiliares. Eles trabalham dia e noite, porque a violência não tem horário. Quando começamos, 13 mil casos de violência intrafamiliar eram atendidos por ano, agora são 130 mil casos anualmente. Em consequência das guerrilhas, também temos um programa de atenção a cidadãos camponeses que fogem das áreas de conflito armado. Por ano atendemos entre 3.000 e 3.500 pessoas que chegam, fugidos da violência, expulsos da região sul, onde está concentrada a guerra.

"Estamos trocando experiências, repassando e recebendo ensinamentos" | Foto: Reprodução

Sul21 – Medidas na área de saúde e educação também foram implantadas?

Hugo Acero – Na área da educação, Bogotá busca uma cobertura de 100% da educação, em todos os níveis desde a pré-escola. Para isto, foram construídos 170 megacolégios em setores populares da cidade. Na área da saúde também apresentamos melhorias com o sistema de ambulâncias. O serviço costumava demorar quinze até vinte minutos para chegar ao local para atender uma vítima. Mas organizamos o sistema e conseguimos reduzir em cinco minutos, apenas com uma distribuição mais adequada na cidade das 240 unidades, para que tivessem mais eficiência. Isso reduziu o número de mortos, de pessoas que antes morriam esperando uma ambulância.

Sul21 – Que experiências mundiais inspiraram Bogotá para criar o Projeto de Convivência Cidadã? E quais cidades estão adotando o modelo da Colômbia?

Hugo Acero – Aprendemos no Brasil, com a Viva Rio, a resolver conflitos de maneira pacífica, atender a violência intrafamiliar em Quito no Equador, aprendemos a organizar o sistema de ambulâncias com o Chile, construímos novos presídios com assessoria dos Estados Unidos, de Boston veio a experiência de entrega voluntária de armas, a polícia comunitária veio de Barcelona e de Madri. Neste processo, outras cidades colombianas aprenderam com Bogotá. É o caso de Medellín, Calle, Barranquilla, Cartagena, que estão fazendo os mesmos passos. Também trabalhamos em Quito e Guayaquil no Equador; com o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora); temos alguma influência no Peru, no México e na América Central.

"Será uma boa oportunidade para debater a legalização das drogas como uma ação conjunta" | Foto: Reprodução

Sul21 – Na maioria dos países, a responsabilidade sobre a segurança pública fica centralizada nas mãos do poder executivo federal. Por que é importante compartilhar essa responsabilidade com os governos municipais e estaduais e com a sociedade civil?

Hugo Acero – Brasil e México estão dando passos importantes nesse sentido. O estado de São Paulo, no Brasil, por exemplo, tem centenas de municípios. Quando o governador vai a esses municípios para atender o tema da segurança, os prefeitos são os que mais sabem dos problemas que afetam a cidade. Portanto, segurança pública não é só responsabilidade da equipe do governo estadual, mas também do município. Nós, em Bogotá, durante nove anos, ou seja, durante três governos, trabalhamos com três presidentes diferentes que nem sempre eram do mesmo partido, mas trabalhávamos em equipe.

No Brasil, a aliança que teve o governo de Lula com o Estado do Rio ou com o governo de Pernambuco é um exemplo disto que estou falando. É muito importante que os prefeitos tenham responsabilidades em matéria de segurança e que estas sejam compartilhadas.

Sul21 – O senhor critica que no âmbito da América Latina a maioria dos países não desenvolvia uma segurança pública que garanta qualidade de vida para as pessoas, somente uma segurança nacional focada na identificação de inimigos internos e externos. Qual o impacto disso para a sociedade?

Hugo Acero – A maior preocupação que têm os cidadãos na América Latina é a segurança; as pessoas estão muito preocupadas com a violência, que os matem, que os furtem. Somente agora os estados começaram a mudar a segurança dos estados. Por exemplo, em abril estarão todos os presidentes da América Latina em Cartagena discutindo dois temas: pobreza e segurança. Essa será uma boa oportunidade para debater a legalização das drogas com uma ação conjunta, por exemplo. Eu creio que se avançou numa possível negociação nesse sentido, porque a luta contra as drogas não tem sido efetiva e isso tem gerado mais violência. A legalização tem se mostrado uma alternativa a esse fenômeno. Esta é uma boa oportunidade para discutir isso e todos os países se colocarem em acordo nas Nações Unidas. A questão é que nenhum país pode legalizar sozinho, essa terá de ser uma decisão conjunta, de todos ou da maioria dos países ligados às Nações Unidas.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora