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23 de março de 2012
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18:27

Movimentos sociais assinam carta em defesa do Estado laico

Por
Sul 21
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Movimentos sociais se reuniram para articular ações em defesa do Estado laico | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Mais de 30 movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada do Rio Grande do Sul e de outros estados do país assinaram uma Carta em defesa dos direitos laicos. O ato ocorreu durante uma reunião destas organizações nesta quinta-feira (22), na Assembleia Legislativa.

O evento foi organizado pelas entidades que ingressaram com o pedido – acatado pelo Tribunal de Justiça (TJ-RS) – de retirada dos crucifixos católicos das dependências do Judiciário gaúcho. A ação foi movida pela Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Marcha Mundial das Mulheres, a Rede Feminista de Saúde e as ONGs Themis, Somos e Nuances.

Leia mais:
– TJ-RS determina retirada de símbolos religiosos dos prédios da Justiça gaúcha.

A intenção do manifesto é demonstrar que a luta por um Estado laico não está restrita a organizações feministas ou que defendam os direitos dos homossexuais. “Essa discussão não é apenas de alguns grupos, como estão querendo fazer crer. Algumas pessoas pensam que se trata de um grupo minoritário de mulheres sem representação na sociedade que está afrontando os símbolos religiosos”, lamentou Ana Naiara Malavolta, integrante da Liga Brasileira de Lésbicas no Rio Grande do Sul.

Ela considera que tais argumentos são uma tentativa de desqualificar o debate e incentivar o preconceito. “Há um discurso lesbofóbico e homofóbrico por trás disso. Queremos apenas preservar a laicidade do Estado para que cada cidadão possa manifestar seu direito de ter fé ou não”, resumiu.

No site da LBL é possível ler o texto do manifesto e a lista das entidades que já o assinaram. Além das instituições feministas e de defesa dos homossexuais, a carta recebeu apoio de organizações de quilombolas e de religiões de matriz africana, da Secretaria de Mulheres do PT gaúcho, da CUT nacional e da Federação de Trabalhadores das Instituições Financeiras.

A LBL pretende anexar o documento aos pedidos de retirada de símbolos religiosos feitos no ano passado à Assembleia Legislativa, ao governo do Estado e à Câmara Municipal de Porto Alegre. Além disso, as entidades autoras da ação no TJ-RS tentam agendar uma reunião com o governador Tarso Genro (PT).

A decisão do TJ-RS ocorreu no dia 6 e foi tomada pelo Conselho da Magistratura — órgão que reúne a cúpula administrativa do Judiciário gaúcho. A medida ainda não transitou em julgado porque várias entidades e pessoas entraram com recursos, entre elas a Associação dos Juristas Católicos do Rio Grande do Sul. O desembargador Cláudio Baldino Maciel analisa os recursos. E o desembargador da 4ª Câmara Cível, Alexandre Mussoi, mandou recolocar o crucifixo na sala do seu colegiado e diz que só irá cumprir a decisão após o processo transitar em julgado.

“Precisamos levar essa luta para dentro dos partidos”, defende Raul Pont

Raul Pont criticou atuação de igrejas em partidos políticos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O presidente do PT gaúcho e deputado estadual Raul Pont foi o único parlamentar presente na assembleia dos movimentos sociais em defesa do Estado laico realizada nesta quinta-feira (22). O petista disse que trata-se de “uma luta extremamente necessária e republicana” e defendeu que o debate seja levado para dentro dos partidos políticos. “Precisamos levar isso para dentro dos partidos. Me coloco à disposição para ampliar esse movimento”, declarou.

O petista lamentou que a realidade constitucional – que separa Estado e religião – não encontre amparo no dia-a-dia das instituições públicas. “Deixamos o Estado confessional no fim do Império, mas nossas constituições republicanas continuaram pagando o tributo do conservadorismo, da inércia e do fato consumado. Muitas vezes conquistamos a formalidade da lei, mas as coisas acabam não se realizando”, observou.

Raul Pont lembrou que, quando atuava na Constituinte gaúcha, tentou inserir o tema no texto da Carta Magna, mas encontrou forte reação ao debate. “Foi um escarcéu. Rapidamente isso desanda para xingamentos e acusações preconceituosas. Diziam que éramos um bando de comunistas ateus”, recorda.

O deputado também lembra que, na própria Assembleia Legislativa, além de ter um crucifixo católico no plenário, o presidente costuma iniciar as sessões com a seguinte frase: “Invocando a proteção de Deus, declaro aberta a presente sessão”.

“Já vivi esse constrangimento quando me tocou, em determinada ocasião, presidir a Assembleia. Simplesmente não li aquele preâmbulo porque não há nenhuma razão para repetir essa formalidade. Mas as coisas estão consolidadas e são vistas como naturais, precisamos quebrar isso”, defendeu.

O parlamentar ainda apontou outra ameaça ao Estado laico: a mistura entre religião e partidos políticos. “Vivemos um problema tão ou mais grave que os símbolos religiosos, que é o vínculo direto de partidos políticos com igrejas e a utilização do culto para a orientação política das pessoas. Isso pode ser o preâmbulo de um fundamentalismo que já vimos onde acaba em situações como Israel e Oriente Médio”, alertou.

“As crianças têm vergonha de dizer na escola que são batuqueiras”, lamenta Sandrali de Oxum

Sandrali denuncia preconceito com crianças de religiões de matriz africana em escolas públicas | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

A yalorixá Sandrali de Oxum, militante do movimento negro e coordenadora do núcleo de Pelotas da Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras (Renafro), disse que as crianças de sua religião são discriminadas nas escolas públicas – cuja grande maioria ostenta crucifixos em suas paredes. “As crianças que têm na sua formação a religiosidade afrobrasileira têm vergonha de dizer na escola que são batuqueiras”, comentou.

Psicóloga especialista em Criminologia, Sandrali lamenta que as instituições públicas brasileiras contem com o símbolo de apenas uma religião. “Se existe um símbolo da Igreja Católica nos espaços públicos, também queremos os nossos símbolos como, por exemplo, o Axé de Xangô, que representa a Justiça”, explicou, em referência ao machado utilizado pelo orixá Xangô, com uma lâmina que corta para as duas direções.

O presidente da Associação dos Artistas Visuais do Rio Grande do Sul, Leonardo de Albuquerque, disse que a presença de um símbolo religioso num tribunal representa a “imposição de uma religião para controlar um espaço que é público” e explicou que a cruz alude à hegemonia da Igreja sobre o Estado. “A cruz surgiu imposta pelo imperador Constantino, que transformou a Igreja numa religião estatal. O cristianismo só passou a utilizar o crucifixo quando se tornou uma religião de Estado”, lembrou.

A presença das cruzes católicas nas escolas públicas também foi criticada por outros integrantes da reunião dos movimentos sociais. A professora de História da rede municipal de Canoas, Camila Merg, disse que está procurando a prefeitura para pedir a retirada dos símbolos. “É preocupante o peso da religião nos ambientes educacionais”, apontou.

Para ela, a influência religiosa impede que alguns temas sejam tratados nas escolas. “Existe uma grande diferença de manifestações sexuais entre os alunos e isso é horrivelmente encarado pelos professores. Não há espaço para que o diálogo seja feito, quando proponho esse debate sou vista como um ser estranho”, contou.

A diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal no Rio Grande do Sul, Mara Weber, lamenta que quase não há escolas laicas para colocar seus filhos. “As escolas públicas ainda não se desvencilharam do pensamento religioso e católico. E no ensino particular praticamente não existem escolas laicas. Não temos opções para colocar os filhos numa escola onde possam expressar sua liberdade de crença. As crianças acabam ficando com vergonha e com medo de dizerem que não acreditam em Deus”, comentou.


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