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20 de março de 2012
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15:00

Militares a favor da Comissão da Verdade respondem a clubes militares

Por
Sul 21
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Home page do Clube Militar hoje: um dos próximos eventos visa explicar a verdade sobre 1964 (http://clubemilitar.com.br/)

Felipe Prestes

“De forma nenhuma acredito que a posição dos clubes seja uma unanimidade entre os militares. Os dedos das mãos são dedos, mas não são iguais. O homem tem um defeito muito importante: ele pensa. Ninguém pensa igual”. A sentença é de Fernando de Santa Rosa, 78 anos, capitão de Mar e Guerra, preso no dia 6 de abril de 1964, apenas alguns dias após o golpe militar. Fernando, juntamente com outro capitão de Mar e Guerra cassado, Luiz Carlos de Souza Moreira, redigiu um manifesto contra outro texto, o dos clubes militares, que deu o que falar nas últimas semanas.

O texto assinado pelos presidentes dos clubes Naval, de Aeronáutica e Militar, com data de 16 de fevereiro, criticava duas ministras de Estado (Maria do Rosário e Eleonora Menicucci) por supostamente questionarem a Lei da Anistia. A sugestão do Governo de que poderia haver punição aos oficiais da reserva motivou um segundo manifesto, este mais agressivo, intitulado “ELES QUE VENHAM. POR AQUI NÃO PASSARÃO!” (assim mesmo, com maiúsculas), que reafirmava o texto anterior e em determinado momento classificava a Comissão da Verdade como “revanchismo”. O texto virou um abaixo-assinado que ganhou mais de mil assinaturas de militares da reserva e de civis.

A resposta de Fernando de Santa Rosa e Luiz Carlos de Souza Moreira foi escrita em nome da Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM), que, inicialmente, chamava-se Associação dos Militares Cassados (AMIC) e depois se abriu para todos os militares que compartilhassem dos seus ideais. A associação contou com gente como o coronel e historiador Nelson Werneck Sodré e atualmente é presidida pelo Brigadeiro Rui Moreira Lima, herói da II Guerra Mundial, que participou de 94 combates aéreos na Europa. Lima, 93 anos, também foi cassado em 1964, apesar do currículo.

O manifesto da ADNAM foi publicado no dia 29 de fevereiro, mas ganhou forte visibilidade na imprensa apenas nesta segunda-feira (19). “Nossa motivação foi dar uma resposta imediata ao manifesto dos militares do Clube Militar, do qual também fazemos parte, somos sócios, mas não concordamos com aquela posição. Não concordamos com as posições deles desde 1964”, afirmou Fernando de Santa Rosa, em conversa com o Sul21.

General Luiz Eduardo Rocha Paiva: dúvidas sobre se Dilma foi torturada

“General Paiva é um idiota”, diz Santa Rosa

Rosa reforçou a ideia de que não há unanimidade contra a Comissão da Verdade, ou contra a punição a quem cometeu crimes de lesa-humanidade. “Não acredito que o pessoal da ativa esteja completamente de acordo com este pessoal. Se você analisar o manifesto, eles inverteram a pirâmide: a maioria dos que assinaram é formada por generais e coroneis. Então, é tudo gente daquela época, que foi formada dentro da ideologia em que nasceu o golpe, difundida pela Escola Superior de Guerra”, disse.

Mas ressaltou que ainda há “gente fascista” na ativa. “Recentemente, com a presença do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, teve uma formatura da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) de uma turma ‘Garrastazu Médici’. Este foi o presidente mais sanguinário que tivemos”, declarou.

Também não poupou críticas ao general da reserva Luiz Eduardo da Rocha Paiva, que, recentemente, em um programa da Globo News, colocou em dúvida os atos de tortura sofridos pela presidenta Dilma Rousseff e também a responsabilidade da repressão na morte do jornalista Vladimir Herzog. “Este General Paiva é um idiota. Acabou a entrevista dizendo que a tortura que a presidenta sofreu, quando combatia a ditadura, foi ‘ela que disse’, colocando em dúvida. A massa cinzenta dele é feita de barro”, disparou.

Fernando de Santa Rosa também defendeu não só a Comissão da Verdade, como a punição a torturadores. “Têm que ser julgados. Criminosos, monstros, genocidas, não mostram a cara. O pessoal que foi perseguido pela ditadura foi julgado e condenado”, disse, lembrando a história do Frei Tito que, torturado com choque elétrico no Brasil, veio depois a se suicidar na França.

Rosa afirmou que a ADNAM não pretende buscar assinaturas de outros militares ou civis para amplificar seu manifesto. “Houve um manifesto dos juízes, um dos cineastas. Há consequências em cascata”, explicou.

Texto lembra que houve crimes cometidos depois de 1979

O texto redigido por Fernando de Santa Rosa e Luiz Carlos de Souza Moreira foi intitulado “Militares em defesa da democracia” e expõe, logo na primeira linha, a discordância com o manifesto dos presidentes dos clubes militares e com o abaixo-assinado de apoio a ele. “Na condição de Oficiais Reformados, sócios dos Clubes Militares, somos forçados a discordar do abaixo assinado subscrito por vários Oficiais da Reserva, em apoio ao recente Manifesto dos Presidentes dos Clubes, que foi retirado do site do Clube Militar, após terem recebido ordens dos Comandantes das Forças, que, numa atitude exemplar e equilibrada, recomendaram que o fizessem”.

Ustra em seminário do Clube Militar: entre 1970 e 1974, comandou o DOI-Codi de São Paulo

Os capitães de Mar e Guerra ressaltam que, entre os signatários do abaixo-assinado, está o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “ex-chefe do DOI-CODI em São Paulo, que está sendo acusado na Justiça de torturar presos políticos”. Também afirmam que o atual regime é democrático, diferentemente dos governos militares, e defendem o direito das ministras de criticarem estes governos. “Quanto às críticas exacerbadas aos governos militares, pelo que fizeram durante o regime de exceção, elas continuarão sendo feitas, sim, pois estamos vivendo em pleno regime democrático, onde todos os segmentos organizados da sociedade mostram-se ansiosos por descerrar esse véu que encobre a verdadeira história da repressão”.

O texto da ADNAM também ressalta que a Lei de Anistia abrange crimes praticados até 15 de agosto de 1979 e que teriam haveria ao menos dois crimes cometidos por militares após esta data: três atentados a bomba em agosto de 1980, no Rio de Janeiro, e o atentado do Riocentro, em 1981. E cobra a revelação sobre o paradeiro de desaparecidos.

Além disto, o manifesto ressalta que os torturadores seguiram sua carreira normalmente, ao passo em que os militares cassados até hoje buscam sua anistia pelas Forças Armadas. Com a anistia, os militares cassados retomaram a mesma patente que ocupavam antes de serem cassados. Ou seja: estacionaram, ao passo em que os demais, independentemente do que tenham cometido, ascenderam na carreira. “Também queremos a mesma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, assegurada a esses insanos agentes da ditadura”, cobra o texto.

Preso dias após o golpe

Em março de 1964, João Goulart nomeou o Almirante Oswaldo Nilton Pacheco superintendente da Companhia Nacional de Navegação Costeira. Oswaldo fora comandante de Fernando de Santa Rosa e o chamou para ser seu assessor. Dias depois, em 6 de abril, estava preso. Ele afirmou que a prisão não foi apenas por ocupar um cargo de confiança no Governo de Jango. “Fomos contra o golpe. Quem trabalhava comigo e era a favor não foi preso”.

Fernando ficou 58 dias preso e, em 1965, foi condenado por um tribunal militar a seis meses de prisão por “falta de exação ao cumprimento do poder”. “É um nome bonito”, ironizou. Estudou Direito e nunca mais voltou à ativa nas Forças Armadas. “Ninguém que foi cassado voltou à ativa. Quem não saiu foram os torturadores. Fizeram belíssimas carreiras. Ganharam condecorações. Invadiram estatais, autarquias. Conseguiram cargos na Petrobras, na Vale do Rio Doce. Hoje, vivem com duas excelentes aposentadorias”, relatou.


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