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21 de março de 2012
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23:40

Ganha força proposta que tira do Executivo definição de áreas indígenas, quilombolas e ambientais

Por
Sul 21
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Índios protestaram na Câmara após aprovação de relatório favorável à PEC 215/2000 | Foto: Saulo Cruz/Ag. Câmara

Felipe Prestes

Durou cerca de quatro horas uma tumultuada reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (21). Indígenas presentes à sessão protestaram fortemente contra uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000) que dá ao Congresso a atribuição de demarcação de novas terras indígenas e pode até ameaçar as terras já demarcadas, além de terras quilombolas e unidades de conservação. O texto foi aprovado por 38 votos a dois, depois que deputados de partidos como PT, PDT, PSB e PV não conseguiram mais resistir. Eles já haviam conseguido obstruir a votação da matéria nesta terça (20), mas não foram capazes de repetir a dose no dia seguinte. Em evidente minoria, grande parte deles nem votou, por isto o escore esmagador.

A proposta foi protocolada em 2000 pelo deputado Almir Sá, do PPB (atual PP) de Roraima. O texto de Sá previa que a demarcação de terras indígenas seria atribuição exclusiva do Congresso e, ainda, que os parlamentares poderiam ratificar ou não toda terra demarcada anteriormente. Ou seja: possibilitaria que os congressistas simplesmente acabassem com as terras indígenas do país.

O atual relatório aprovado pela CCJ, do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), retira a parte das ratificações de demarcações já homologadas. Mas o peemedebista deu parecer favorável a várias outras propostas que estavam apensadas à PEC 215/2000. Uma destas propostas, a PEC 161/2007, do deputado Celso Maldaner (PMDB-SC), diz que terras indígenas e quilombolas devem ser criadas por lei, bem como qualquer espaço territorial que se deseje proteger. Assim, a criação de unidades de conservação e de terras indígenas e quilombolas teria que passar sempre pelo Congresso. Há ainda outras propostas, como a PEC 257/2004, do deputado Carlos Souza (PSD-AM), que estabelece que as Assembleias Legislativas devem ser consultadas sobre demarcações de terras indígenas “a fim de se evitarem os significativos prejuízos que a demarcação de terras indígenas impõe atualmente às unidades federadas”.

Com a aprovação do relatório de Omar Serraglio, estas propostas serão debatidas em uma comissão especial criada para exclusivamente isto. A comissão deverá promover o debate com a realização, por exemplo, de audiências públicas.

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Molon (terceiro da direita para a esquerda) protestou junto com parlamentares de PT e PSB | Foto: Saulo Cruz/Ag. Câmara

PEC é um “gravíssimo retrocesso”, afirma petista

Para o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), a PEC é um “gravíssimo retrocesso” para os direitos dos indígenas, quilombolas e para a proteção do meio-ambiente. “Se aprovada vai acabar com a demarcação de terras indígenas e quilombolas e criação de novas unidades de conservação”, prevê. E o petista acredita que é justamente este o objetivo da bancada ruralista. “A sanha por novas terras é o que move a aprovação desta PEC”, dispara.

Molon aponta que a proposta é “gritantemente inconstitucional”, porque afrontaria a cláusula pétrea da separação dos poderes. “É a usurpação das atribuições do Executivo”, defende, afirmando que as demarcações são atos administrativos e que não podem depender de leis. “O Congresso vai criar um órgão indigenista? Vai fazer concurso para contratar dezenas de antropólogos? Isso não é atribuição do Congresso, foge totalmente de suas funções”. Além disto, o deputado afirma que o Congresso estaria suprimindo direitos individuais dos indígenas e quilombolas, uma vez que mesmo que eles provem ter direito sobre as terras precisarão se submeter à vontade dos parlamentares.

O parlamentar afirma que vai haver mobilização para que a comissão especial tenha maioria de opositores da PEC, mas não duvida que os ruralistas possam aprová-la até mesmo depois, no plenário, onde uma alteração na Constituição precisa de três quintos dos votos para ser aprovada. “Os ruralistas estão extremamente confiantes com as vitórias obtidas no Código Florestal e estão tentando avançar em outros projetos”, diz Molon.

Para ser aprovada nas duas casas, entretanto, a PEC ainda levaria muito tempo. Ainda assim, Molon já adverte. “Iremos até o STF se preciso, porque esta PEC é inconstitucional”.

Moreira: "Laudo antropológico não pode sobrepor escritura lavrada em cartório" (Foto: Brizza Cavalcante/Ag. Câmara)

“Demarcação não pode ficar ao sabor ideológico dos governos”, defende peemedebista

O deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), um dos mais empenhados na aprovação da proposta, aponta falhas e ideologia nas demarcações feitas pelo Executivo. “Lutei muito para que esta PEC fosse aprovada. A demarcação de terras não pode ficar ao sabor ideológico dos governos”, afirma.

Ele considera um critério falho que laudos antropológicos balizem a demarcação de terras quilombolas. “Laudo antropológico não pode sobrepor escritura lavrada em cartório. Nós temos vários destes laudos, muitos deles são viciados. Num dos que tive acesso, o antropólogo que assinava o laudo fazia parte da associação que pediu a titulação da terra”, aponta.

Para o deputado Alessandro Molon, irregularidades ou injustiças nas demarcações de terra não justificam retirar do Executivo esta prerrogativa, porque já é possível recorrer a outro poder. “Qualquer entendimento de que uma demarcação é contra a lei, pode ser questionado no Judiciário”, defende.

O deputado Alceu Moreira nega que a aprovação da PEC iria acarretar em diminuição do número de demarcações. “Não diminui, nem aumenta”, diz. Ele também defende que a discussão que o Congresso está fazendo sobre o tema pode definir um “novo contrato social”, para que os produtores rurais percam menos posses do que vêm perdendo. “O Congresso pode elaborar outro contrato social que faça justiça aos indígenas e quilombolas, mas não prejudique os produtores rurais”, diz.

Moreira afirma que é possível conciliar os interesses dos indígenas com os dos produtores. Ele relata que na terra indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima, que era ocupada anteriormente por produtores de arroz e foi alvo de controvérsia até ser homologada em 2005, os indígenas estão hoje sofrendo de beribéri, doença causada pela falta de vitaminas. “Os índios que receberam mais de 1,7 milhão de hectares estão morrendo de beribéri, passando fome. Eles não querem voltar ao primitivismo, querem alimentos, acesso a educação, saúde, infraestrutura. Tirar todos os produtores rurais de Roraima não é melhor solução”, afirma.


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