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1 de março de 2012
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09:15

Caxias vence primeiro turno e prova que o Gauchão segue vivo

Por
Sul 21
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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch

Não foram poucas as vezes em que o Gauchão viu-se jurado de morte. Após longas décadas nas quais carregou consigo a alma e a beleza do futebol do Rio Grande do Sul, o Campeonato Gaúcho viu-se relegado à margem, tratado como um incômodo para os dois grandes clubes da capital, que de qualquer modo sempre acabavam levando a taça para casa. Perdeu seu espaço nobre no calendário, forçado a esgueirar-se nos intervalos das competições nacionais e a sujeitar-se às conveniências da dupla Gre-Nal. De orgulho do nosso futebol, o Gauchão virou um incômodo, praticamente um moribundo, digno da complacência que destinamos aos que estão prestes a partir desta para melhor. Não faltaram – e não faltam – pessoas que apontassem para o buraco aberto na terra e dissessem ao Gauchão que não dava mais, que tinha chegado a hora de aceitar a própria morte e deitar na cova de uma vez por todas.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Pois trazemos notícias interessantes da partida desta quarta-feira (29) na Estádio do Vale em Novo Hamburgo, onde o Caxias sagrou-se campeão da Taça Piratini nos pênaltis após empate em 1 a 1 com o dono da casa no tempo normal. Na verdade, qualquer um que lá tenha estado poderá testemunhar a nosso favor quando dizemos que o Gauchão, a despeito dos prognósticos sombrios, segue vivo, e bem vivo. Uma vida que vai além do belo confronto entre as duas melhores campanhas da primeira fase e que transcende a decisão bissexta entre clubes do interior, que nunca tinha ocorrido desde a adoção da atual fórmula e da qual Grêmio e Internacional não sentiram nem mesmo o cheiro desta vez. Ousamos dizer que o Gauchão vive não apenas como certame, mas também – e especialmente – como refúgio e santuário de coisas quase esquecidas e que são, no fim das contas, o sentido e a poesia do futebol.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Há, por exemplo, uma qualidade toda especial nas torcidas desacostumadas a ganhar títulos. Esqueçam o jejum dos grandes clubes, os dez ou onze anos sem uma taça nacional: aqui, falamos de clubes que contam em uma mão as taças de uma vida inteira. Sorriem diferente, os torcedores nessa situação – não apenas pela perspectiva de uma conquista rara e por isso importantíssima, mas também pela sabedoria difusa dos que sabem que o futebol não precisa mais do que de si mesmo para justificar-se. Sorriam todos, na espera pela partida que poderia ser o título do primeiro turno – e sorriam lado a lado, já que a rivalidade passa longe de explosões declaradas de hostilidade. Menos numerosos, os torcedores de Caxias e Novo Hamburgo conseguem ser também mais próximos de seus clubes – o que permite que vivam as emoções da partida e do campeonato, mais do que como espectadores, como participantes diretos de toda uma trajetória.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Da partida em si, podemos dizer que tivemos dois tempos bastante distintos. Na primeira etapa, a partida foi grená. Insinuante na frente e muito bem postado atrás, o Caxias foi senhor das ações, encaixotando o Nóia e pressionando de forma comedida, mas incansável. O dono da casa tentava rebelar-se, criava algumas situações, mas a lógica da partida estava do outro lado e foi natural que Vanderlei abrisse o placar aos 25min, colocando os caxienses na frente. Após o gol sofrido, o Novo Hamburgo jogou-se ao ataque, mas era uma reação de muito entusiasmo e pouca efetividade, resultando em chutes desviados e distantes do gol de Paulo Sérgio.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Após um longo intervalo – causado pela necessidade de aguardar o retorno da única ambulância disponível, que precisou transportar um caxiense até o hospital – o jogo voltou dos vestiários com um novo tom. Movido pelas ótimas atuações de Márcio Hahn e Claiton, o Novo Hamburgo acelerou o jogo, adiantando a marcação e impondo ao Caxias uma pressão próxima do insuportável. O empate era uma consequência natural, e veio aos 14mins. Indiferente ao fato de estar com a cabeça coberta de bandagens devido a uma lesão, Mendes cabeceou para as redes, espalhado um alegre frenesi pelas arquibancadas cobertas do Estádio do Vale. Do outro lado, sujeitos à chuva intermitente, os torcedores do Caxias respiravam fundo e roíam as unhas na medida em que o Nóia pressionava em busca do gol do título. Para os que só enxergam poesia em dribles chamativos e malabarismos com a bola, talvez não tenha sido uma partida bonita – mas a carga de emoção era tamanha que qualquer um dos presentes levará tempo para esquecer. E não é de emoção que nos fala, no fim das contas, o futebol?

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os pênaltis foram ao mesmo tempo uma coroação e um castigo. Nervosos e extenuados, os jogadores do Novo Hamburgo acabaram fraquejando na hora decisiva, cobrando fraco ou sem direção. O Caxias, por seu turno, manteve os nervos no lugar – reflexo, certamente, da maior vivência em decisões de um clube que já foi campeão gaúcho uma década atrás. Não foi loteria; antes disso, tratou-se de uma disputa de nervos. Justo, portanto, que o time visitante fizesse a festa e levasse consigo a taça – ainda que ousemos dizer que a dor anilada foi intensa e comovente, de modo que a derrota parece ter sido um castigo demasiado a quem, no tempo normal, foi além dos próprios limites em nome da vitória.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Deus Clichê, sempre afeito a encerrar textos com frases de efeito, talvez enchesse o peito para dizer que a decisão da Taça Piratini foi uma vitória do futebol. Estaria correto na intenção, mas talvez equivocado na prática. Mais do que o esporte, quem venceu – e esta sim foi uma vitória das mais chamativas – foi o Gauchão. Um triunfo das forças que mantém a vida nos clubes do interior, que motivam o futebol nas pequenas comunidades, que dão sentido ao choro de quem perde e ao grito de é campeão. No Gauchão, o futebol encontra uma faceta talvez menos espetacular, de estádios menos lotados e salários bem mais humildes – mas também um espaço onde o jogador ouve o xingamento da arquibancada, onde o ex-jogador toma cerveja junto com a torcida, onde o torcedor se vê em todos os lados e se reconhece como parte do clube. No Gauchão, os cifrões estão mais distantes, mas o futebol se aproxima. Como sabemos, o futebol é uma alegoria da vida, e onde a vida é forte a morte tarda a chegar. Detratores, não foi desta vez: o Gauchão está vivo e tão cedo não vai para a cova.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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