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15 de março de 2012
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23:54

Capitão da BM expõe em rede social adolescente apreendido com drogas

Por
Sul 21
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O Sul21 borrou as informações sobre o adolescente | Foto: Reprodução/Instagr.am

Felipe Prestes

Após uma apreensão de drogas na periferia de Porto Alegre nesta quarta-feira (14), o capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOE) Fernando Maciel postou em seu Twitter uma foto que mostrava as substâncias apreendidas e, ao lado, a identidade do adolescente que teria sido flagrado com as drogas. Alguns reflexos de luz tapavam informações do documento de identidade, mas a fotografia mostrava claramente o sobrenome completo do menino e tapava apenas duas letras do nome, tornando muito fácil de adivinhá-lo por inteiro. Era possível também ver o nome inteiro da mãe e o RG completo do menino.

A data de nascimento evidenciava que o adolescente tem dezesseis anos, e o próprio Maciel escreveu no Twitter que o rapaz era menor de idade. “E o Tráfico não para!! Apreendido menor com 106 pedras de crack; 17 buchas de cocaína; 1 pedra de 100g de cr (sic)”, escreveu o capitão na rede social.

Foto: Reprodução/Twitter

Ao ser procurado pelo Sul21, Maciel afirmou que fez a foto de seu iPhone com o objetivo de divulgar o trabalho do Batalhão e que não era possível enxergar os dados do adolescente apreendido. A foto foi postada no Twitter por meio da rede social Instagram, que faz compartilhamento de imagens em iPhone. Maciel acredita que ao usar a ferramenta de “filtro” do Instagram, as informações contidas no documento ficaram mais nítidas. Poucos minutos depois de conversar com a reportagem, ele retirou a foto do Twitter.

“Na original, não tem condições de ler, mas eu botei o filtro e clareou”, diz, admitindo o erro. O capitão assegura que não teve a intenção de expor o menor, ressaltando que teve o cuidado de virar para baixo o lado com foto do documento de identidade. “Jamais, pelo contrário: a intenção é estar divulgando o que a gente faz de bom. O pessoal faz uma incursão dentro da vila, arriscando encontrar gente armada”, afirmou.

Comandante afirma que vai abrir processo administrativo

O comandante da BM, coronel Sérgio Abreu, afirmou que vai abrir processo administrativo para apurar o caso. Segundo ele, há uma norma estatutária da corporação vedando a exposição de presos. “Vai ter um procedimento administrativo para apurar isto. É vedada qualquer forma de transmissão que exponha a identidade, especialmente quando envolve menores. A Brigada tem todo o cuidado de não expor o menor”, disse.

O coronel ressaltou que as redes sociais ainda são recentes, mas que a BM tem orientações junto aos comandos quanto à divulgação de informações e que estão em estudo normas sobre o tema. Ele também afirmou que iniciativas individuais de divulgação não são permitidas. “Hoje tem a questão das redes sociais, que ainda é uma inovação nas relações, mas é vedada qualquer iniciativa particular, principalmente na atuação operacional de divulgação das informações”, disse.

Tudo indica, porém, que os comandos não estão devidamente orientados, ou não respeitam as orientações, e que a iniciativa do capitão do BOE não era exatamente individual, embora ele não seja oficialmente encarregado pela divulgação dos trabalhos do Batalhão. O próprio Maciel revelou que se tornou conhecido no Twitter, especialmente entre torcedores da dupla Grenal, por divulgar informações sobre a segurança nas partidas de futebol, feita pela BOE. Nesta semana, por exemplo, houve queixas de torcedores do Internacional quanto ao trabalho do Batalhão, na partida contra o The Strongest, válida pela Copa Libertadores, e observa-se Maciel atuante na rede social, pedindo que os torcedores registrem suas queixas.

Recentemente, Maciel postou uma foto de homem preso. A identificação era difícil pois o homem estava com a cabeça para cima. O Sul21 alterou o rosto dele na foto para evitar o reconhecimento | Foto: Reprodução/Twitter

O relacionamento faz com que ele tenha 1,8 mil seguidores no Twitter, sendo seguido por torcedores e jornalistas. Ele conta que, recentemente, pediu que as pessoas não divulgassem blitze na internet, dada a importância delas para interceptar carros roubados e que seu gesto teve repercussão na imprensa. Maciel também já divulgou mais vezes fotos relacionadas a suspeitos. Recentemente, postou no Twitter foto de um homem que havia brigado com a esposa, ameaçou explodir a casa com gás e desmaiou, sendo preso pela Brigada Militar.

O prestígio na rede social faz com que muitas vezes os próprios superiores determinem que Maciel divulgue em sua conta pessoal as ações do BOE. “É meu Twitter pessoal, mas tenho muitos seguidores de futebol, torcida organizada. Tenho quase dois mil seguidores, por esta interação. Não sou o responsável do Batalhão para fazer a divulgação, mas o Batalhão tem conhecimento. Às vezes dá briga de torcida com muita repercussão, o major ou coronel dizem: ‘coloca aí que a BM fez isso’”.

Rolim: Exposição de suspeitos é cultura policial

O especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública Marcos Rolim considera um “absurdo” a exposição de qualquer suspeito em uma rede social. “Quando a polícia prende alguém esta pessoa se torna um suspeito. Ao expô-la está se produzindo um dano irreparável, pois ela pode ser julgada e absolvida”.

Rolim: Exposição é um problema cultural das polícias brasileiras | Ramiro Furquim/Sul21

A situação se agrava ainda mais pelo fato de se tratar de um adolescente. “Viola explicitamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe a divulgação do nome de adolescentes envolvidos em atos infracionais. Não se coloca o nome dos pais também, porque assim pode se identificar o adolescente. Isto é uma regra básica. É inadmissível”, afirma.

Marcos Rolim pontua, contudo, que o caso não é isolado. Expor suspeitos é uma cultura das polícias no Brasil. “Há uma série de outras situações. Por exemplo, policiais permitem que veículos da imprensa marrom entrem em delegacias para filmar suspeitos que são presos. Tem programas de televisão que fazem muito isto. É um problema de ordem cultural das polícias brasileiras”, afirma.

Um caso emblemático, lembra Rolim, ocorreu no ano passado, quando a Polícia Civil gaúcha divulgou o nome do principal suspeito de um estupro, prontamente amplificado pela imprensa. Dias depois se verificou que o jovem acusado, de 19 anos, era protegido pelo Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte e estava inclusive em outro estado quando ocorreu o crime.

Rolim também ressalta que outro ponto negativo da relação atual entre imprensa e polícia no país é quando os investigadores explicam como chegaram até os criminosos. “Quando a polícia informa elementos da investigação, está ensinando infratores a não praticarem os mesmos erros. A divulgação do nome de suspeitos só deveria ser feita quando isto auxiliar na investigação. A Secretaria de Segurança deveria ter uma diretriz e fazer com que os policiais cumprissem à risca. A imprensa está no seu papel de perguntar”.

O comandante da Brigada Militar, coronel Sérgio Abreu, acredita que o surgimento de vários programas de televisão que orbitam em torno da atuação policial tem um ponto positivo, de dar transparência às ações, mas também pode causar a exposição de cidadãos. Ele explica que a orientação é que o policial não auxilie as emissoras a colher suas imagens. “Temos orientado que não seja feita a exposição, como o policial fazer cenas, mostrar as pessoas. A captação de imagens deve ficar por conta das emissoras. O policial não deve tomar nenhum procedimento para ajudar e expor, em qualquer situação. Hoje se proliferaram programas que acompanham a realidade policial. Por um lado, isto dá transparência na atuação da polícia, mas não pode haver exposição indevida, situação vexatória”.


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