Opinião
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24 de fevereiro de 2012
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11:45

Democracia Representativa versus Democracia Participativa

Por
Sul 21
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Por Luigi Bobbio

* Palestra proferida pelo Professor Italiano na Câmara Municipal de Porto Alegre, em 08 de junho de 2006, quando da sua única vinda ao Brasil para participar de debates envolvendo democracia, políticas publicas e participação popular.

Por muitos anos acompanhei, mesmo que distante, a experiência do Orçamento Participativo (OP) que, particularmente, considero uma das experiências mais importantes de participação no mundo. É muito importante estar aqui em Porto Alegre. Assim pretendo falar muito brevemente porque preferiria muito mais escutá-los, até porque essa experiência é muito mais atrativa.

O tema a que me foi proposto foi o de discutir a relação entre a democracia representativa e participativa. Esta relação é sempre muito difícil, pois sempre há em minha opinião, tensões entre o princípio representativo e o princípio participativo. Naturalmente é possível resolvê-las e encontrar pontos de equilíbrio, mas nunca se resolverão todas as questões de uma vez por todas.

Queria repassar muito rapidamente cinco pontos fortes e cinco pontos fracos da democracia representativa. Mas antes disso, pretendo apresentar uma distinção que penso ser muito importante, ou seja, a distinção entre a política e as políticas públicas.

Nós usamos sempre a mesma palavra “política”, para dizer “política” e “políticas públicas”, mas são duas coisas diferentes. A política é representada pela luta ou pela competição para a gestão do poder (do Município, do Estado, da Federação). As políticas, por outro lado, são as decisões que são tomadas para enfrentar problemas públicos. A política, no singular, é uma arena onde se confrontam os partidos.

As políticas públicas são muitas, porque são tantos quantos são os problemas que afetam a coletividade: saúde, habitação, educação, segurança, entre outras.

Então, se a política é uma e os problemas são muitos, como colocar juntas as duas coisas? A partir desta distinção, emergem cinco pontos fortes e cinco pontos de fracos da democracia representativa.

Pontos Fortes:

1º – A democracia representativa têm uma legitimidade muito forte, porque se baseia sobre o número de votos que recebem os representantes. Os votos são contados e estão materializados, são dados objetivos.

2º – Na democracia representativa as decisões são tomadas por poucas pessoas: Vereadores, Deputados, Senadores, por isso há uma redução da complexidade da sociedade.

3º – A profissionalização: os representantes são especialistas da política. Trabalham quase em tempo integral na política.

4º – Os representantes podem ter uma visão do conjunto completa, e por isso podem superar os pontos de vistas particulares e específicos de cada comunidade.

5º – Os representantes têm certa liberdade de decisão, graças ao princípio da proibição do mandato imperativo.

Pontos Fracos:

A cada ponto forte, corresponde um defeito ou um ponto fraco.

1º – O mandato que os representantes recebem com o voto geralmente são pouco claros e incompletos. Os programas eleitorais geralmente não são completos e quase sempre os eleitores não os conhecem. Nos últimos anos, acredito um pouco em todos os lugares e também no Brasil, está existindo uma crescente personalização da política e por isso, os eleitores votam mais nas pessoas que nos programas.

2º – Como existem muitos problemas e muitas políticas públicas, dentro de uma assembléia representativa como o parlamento é impossível que seja representado todos os pontos de vista e todos os interesses relativos a todas as políticas, ou seja, muitos pontos de vista, muitos interesses, muitas comunidades, não entram na Câmara de Vereadores, nem entram na Assembléia Legislativa.

3º – Sobre a profissionalização. É verdade que os representantes são muito profissionais, mas a profissionalização tem mais haver com a política do que com as políticas, ou seja, os representantes tendem a se especializar e manter relações com outros Partidos, de aliança ou de confronto e geralmente o jogo da política se torna mais importante do que a capacidade de fazer políticas públicas, ou seja, de tomar decisões que dizem respeito à toda coletividade.

4º – Nas Assembléias Legislativas ou representativas existem agrupamentos de Partidos pré-constituídos; há uma maioria, há uma oposição. O que acontece é que quando se discute a escolha de uma determinada política pública, por exemplo, da saúde, escolas, das estradas, etc. Os Parlamentares que pertencem a base do governo tendem a votar à favor da proposta, ainda que não sejam totalmente de acordo e os Parlamentares da oposição votarão contra ainda que sejam bastante favoráveis. Em outras palavras, o fato de existir agrupamentos pré-constituídos torna difícil uma discussão mais aprofundada.

5º – A liberdade que têm os representantes seguidamente tendem a se direcionar para objetivos pessoais, de carreira política, do que escolhas que interessa a coletividade como um todo.

Tenho a impressão de que esses pontos de fraqueza ou de crise da representação estão crescendo nos últimos anos, ou seja, a crise de representação está aumentando. Não saberia lhes informar se esse fenômeno também acontece no Brasil, mas na Itália tem aumentado notavelmente.

Existem várias razões, mas acredito que o motivo principal, é que há 20 ou 30 anos atrás os Partidos Políticos eram capazes de estabelecer fortes ligações entre a sociedade civil e as instituições, enquanto que hoje, ao menos na Itália, não saberia informar se no Brasil, os Partidos estão muito mais fracos e a política muito mais personalizada, ou seja, conta mais as pessoas do que os Partidos Políticos.

Para solucionar esses defeitos, em todos os países do mundo nos perguntamos sobre novas formas de participação. Eu não tenho nada a dizer para vocês porque a experiência de Porto Alegre é seguramente uma das mais importantes, porém há muitas experiências similares ainda que menos fortes e menos estruturadas, nas quais é confiado diretamente aos cidadãos de maneira organizada a possibilidade de tomar decisões importantes para a sua coletividade.

Naturalmente isso cria uma tensão com os representantes, ou seja, entre a democracia representativa. Mas na democracia participativa também existem muitos problemas e dificuldades a serem solucionadas.

De fato, a democracia participativa não procura substituir a democracia representativa, ambas podem conviver juntas, mas é uma convivência difícil.

Poderia existir uma solução radical, ou seja, que os representantes oficiais, aqueles eleitos pelo povo, não tomassem mais eles as decisões, mas seriam aqueles que organizariam um procedimento formal para fazer com que as decisões sejam tomadas pelos cidadãos. Assim, haveria uma alteração no papel desempenhado pelos políticos, que não seriam mais aqueles que decidem pelos outros, mas aqueles que propõem métodos do trabalho, nos quais os cidadãos possam participar e tomar as decisões que lhes dizem respeito.

Essas funções dos políticos seriam importantíssimas e penso que Porto Alegre é um exemplo extraordinário, porque acredito que com a experiência do Orçamento Participativo, houve de certa forma essa delegação popular. Construíram um método, que depois foi mudando com o tempo para confiar informalmente as decisões sobre o orçamento à cidadania, e isso me parece muito importante para a democracia.

Tradução: Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos. Com a colaboração de Darowich Mohamed Makki.


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