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13 de janeiro de 2012
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15:16

Moda é Arte?

Por
Sul 21
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Quantas vezes já se ouviu esta pergunta, e quão poucas respostas objetivas. Em linhas gerais pode-se afirmar que Moda e Arte são dois campos da cultura que se consolidaram a partir da modernidade, cada um com suas especificidades, suas diferenças, seus antagonismos e com algumas convergências. Como ponto comum, ambos os campos atuam na construção da distinção social como muito bem analisou Pierre Bourdieu. Eles estabelecem seus funcionamentos em um sistema complexo de legitimação de determinadas posições sociais, e, ambos, envolvem aspectos ligados ao desenvolvimento de conceitos de beleza e valores estéticos. A Moda atua de forma mais afirmativa, reforçando os valores estabelecidos pela sociedade de consumo, e a Arte age de forma mais crítica, questionando e desafiando esses valores.

Funcionando em suas instâncias específicas, por um lado a passarela e as revistas de moda; por outro, os museus e as galerias de arte, e com seus próprios especialistas: artistas, estilistas, críticos; em alguns momentos, as produções destes dois diferentes campos se cruzam e, em alguns casos, os limites são tênues.

A fascinação dos grandes nomes da Moda pela Arte é uma constante, muitos deles são colecionadores, e encontram na arte fonte de inspiração, que fazem questão de divulgar. Muitos estilistas usaram e seguem usando a Arte como tema, como pode ser visto detalhadamente no blog Freak Show Business. Em todos estes casos, os estilistas não estão se propondo como criadores de obras de arte, mas utilizando a produção artística já consolidada como recurso formal em suas criações de moda.

Os artistas, algumas vezes, se aproximam do mundo da moda e do vestuário, abordando suas conotações simbólicas e explorando suas diferentes possibilidades. Gustav Klimt pretendia uma conexão entre as artes visuais, as artes decorativas e o design, que deveriam ser acessíveis a todos. Assim, propôs a criação de roupas de formas muito simples, com enfoque estético tanto na escolha das estampas, quanto na sua estrutura. Giacomo Balla desejava que o movimento futurista atingisse o campo da Moda, lançando a ideia de uma roupa dinâmica, com cores, formas, padrões e tecidos totalmente criados por ele. Propôs roupas assimétricas, simples e confortáveis que garantissem a mobilidade do corpo. Nos primeiros tempos da modernidade, estes artistas buscavam cruzar as fronteiras dos dois campos, ampliando seus limites de atuação, em um projeto de integração das artes.

Trajes criados por Gustav Klimt, fonte -- STERN 2004 pag 25

Nos anos 80, Iberê Camargo expôs no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, MARGS, saias pintadas por ele. No caso desse artista, as peças do vestuário eram simplesmente um suporte original para seu trabalho de pintura.  Já Maribel Domenech, em todos seus trabalhos utiliza o procedimento de tecer como um meio expressivo, nas mostras “La piel de los hijos de Gea” e “Vestir-se de palavras” apresentou vestidos e calcinhas tecidos com fios de eletricidade e com luzes. A artista utiliza as roupas como dispositivos para questionar os signos da feminilidade e da sexualidade, reforçando-os com a tecelagem, tradicionalmente associada ao universo feminino.

Foto: Maribel Domenech

Uma terceira vertente nessa relação se encontra no próprio campo da Moda, quando estilistas atuam como artistas, criando propostas que vão além do seu sentido de vestuário, que friccionam e questionam a superficialidade que muitas vezes se estabelece nesse meio. “A costura do Invisível” de Jum Nakao é um brilhante exemplo desse tipo de abordagem, criando magníficos trajes em papel, que foram usados por modelos que desfilaram em passarela e ao final destruíram as roupas que usavam. Sua proposta se aproxima da performance, enquanto categoria artística que, atuando no próprio espaço da Moda, questiona seus valores e estabelece uma ruptura impactante, como pode ser visto no vídeo.

O museu é a mais importante instância de legitimação artística, constitui o lugar oficial da Arte. Tudo que é produzido como arte, difundido como arte, comentado como arte  e vendido como arte, em algum momento, passa por um museu. Além de legitimar valores artísticos, essas instituições participam, também, na constituição dos valores de mercado das obras, atuando, portanto, nas instância cultural e econômica.

Considerando que a instância fundamental do circuito da Moda é a passarela, e o da Arte é o museu, pode-se pensar que uma aproximação se faz também com a criação dos  museus da Moda. Entretanto, o museu da Moda não funciona da mesma forma, ele é mais um local de documentação histórica, uma espécie de memorial do que se fez dentro desse vasto e diversificado campo cultural. Ele é um local de preservação de um patrimônio bastante perecível e descartável, embora muito valioso em alguns casos. Existem vários museus de moda no mundo, no Brasil, um blog propõe esse levantamento, que pode ser conferido.

Além dos museus que guardam acervos documentais da Moda, peças autênticas e originais de época, outra proposta foi desenvolvida no recentemente inaugurado Museu da Moda, em Canela. A pesquisa subsidiou o trabalho de elaboração das réplicas de trajes de várias épocas, que são apresentados com informações técnicas. Assim, pode-se percorrer uma  imaginária linha de tempo do vestuário, com ênfase na moda que se estabelece a partir da modernidade européia, com modelos mais sofisticados e complexos. Uma parte da mostra é dedicada a réplicas dos vestidos da princesa Diana, vendidos em leilão. Além desse acervo preparado especialmente para o museu, na sala de exposições temporárias é possível ver obras originais da estilista Milka, idealizadora do Museu.

Museu da Moda (Canela)

Outra proposta museológica foi desenvolvida na exposição “Papiers à la Mode” apresentada no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo, em 2008. O trabalho foi uma iniciativa da artista Isabelle de Borchgrave, que trabalha basicamente com papéis. Contando com o apoio da figurinista Rita Brown, elaboraram uma retrospectiva de trajes ao longo da história, que através de uma pesquisa na área tornou possível a reprodução dessas obras. Os trajes foram feitos em papel, em escala natural, meticulosamente pintados. As criações contaram com apenas dois tipos de papel, os quais foram tratados, pintados, dobrados e recortados, juntamente com as técnicas em modelagem de Rita Brown na montagem das roupas.

Papiers à la Mode
Vestido de Maria Antonieta Fonte - BORCHGRAVE et al 2008, pag 40

Estabelecer contatos entre a Moda e a Arte tem sido um caminho percorrido por muitos debates, mas o que realmente existe são algumas confluências e dispersões. Depois da abordagem da  arte das mulheres, na última coluna do ano, e, em tempos de férias, este tema pode ser pertinente para algumas reflexões.


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