Opinião
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12 de janeiro de 2012
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12:25

Direito à Cidade: a bicicleta como instrumento de mobilidade urbana e melhor qualidade de vida

Por
Sul 21
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Por Cristiano Lange dos Santos e Marcelo Sgarbossa

O Direito à Cidade é fundado em princípios que assegurem a democracia, plasmada pelo poder local e pelo empoderamento social das decisões públicas que melhorem a qualidade de vida, respeitando a sustentabilidade ambiental na busca de benefícios à sua população.

Trata-se de uma demanda relativamente nova, mas que tem trazido enormes discussões sobre as alterações (negativas ou positivas) nos espaços urbanos, que implicam em inúmeros problemas estruturais, decorrentes da expansão e dispersão espacial das cidades.

Nessa perspectiva, uma das pautas emergentes decorrentes dessa expansão urbana desenfreada é o tempo médio gasto com os deslocamentos nos grandes centros. Para melhor entendimento, a mobilidade urbana é conceituada como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas de um ponto a outro no espaço urbano.

Procura-se aqui, mesmo que rapidamente, enfocar a mobilidade urbana como um elemento fundamental para a realização do direito à cidade: qual é o papel da bicicleta (veículo não-motorizado) na implementação de uma cidade sustentável e com melhor qualidade de vida aos seus habitantes?

O aumento da frota nacional de veículos motorizados sem o planejamento urbanístico necessário, como a ampliação da malha viária na mesma progressão ou o oferecimento de outras alternativas de mobilidade, transformaram as cidades em verdadeiros caos (congestionamentos, trânsito intenso, altos níveis de poluição do ar, poluição sonora, disputa por estacionamentos, altos índices de acidentes que repercutem em problemas de saúde pública). A cidade de Porto Alegre, por exemplo, possui 1 carro para cada 2,7 habitantes. Para se ter uma idéia, enquanto a população aumentou 3,6%, em dez anos, a frota de carros cresceu 20,38% de 2005 a 2010.

Estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) demonstrou que existem 15 carros para cada 100 habitantes no Brasil e que o uso de transporte público caiu 30% em 10 anos. Apresentou também os seguintes dados que impressionam: i) para cada criança que nasce, 5 novos carros são licenciados em todo o país; ii) o atual modelo de mobilidade do Brasil, nos últimos dez anos, para cada R$ 1,00 investido em transporte público, R$ 12 foram usados em incentivos para compras de carros e motos; iii) a frota de veículos automotores dobrou nos última década, e a tendência é que ela dobre nos próximos 5 anos.

Diante desse quadro preocupante é preciso repensar urgentemente os modelos de mobilidade urbana adotados pelas cidades, principalmente aquelas – é o caso de Porto Alegre – que têm priorizado o uso do transporte individual (veículo motorizado) sobre o individual (não-motorizado) ou mesmo sobre o coletivo (motorizado).

Com base nesse diagnóstico, percebe-se que a bicicleta tem um enorme potencial para melhorar a mobilidade urbana nos centros urbanos. Para se ter uma idéia, segundo pesquisas da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), a bicicleta é responsável por 7,4% dos deslocamentos pendulares nas áreas urbanas, o que é muito pouco, se comparado com países europeus (Holanda 27% e Dinamarca 18%).

A recentíssima Lei 12.587/2012, promulgada na semana passada, instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, orientando aos Administradores e Gestores Públicos para a adoção de inúmeros princípios na criação de políticas públicas e programas locais, dentre os quais: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável das cidades; acesso universal dos cidadãos ao transporte público coletivo; segurança nos deslocamentos das pessoas; justa distribuição dos benefícios e ônus do uso dos diferentes meios e serviços; e acesso igualitário no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.

O plano define ainda as diretrizes da política de mobilidade urbana a prioridade dos meios não-motorizados sobre os motorizados, e dos serviços de transporte coletivo sobre o transporte individual motorizado; e complementaridade entre os meios de mobilidade urbana e os serviços de transporte urbano.

Se não bastasse, a legislação já mencionada ainda tramita na Câmara dos Deputados — o projeto de Lei 6474/09 que institui o Programa Bicicleta Brasil (PBB) nos municípios com mais de 20 mil habitantes. Entre os objetivos da proposta está i) apoiar Estados e Municípios na instalação de bicicletários públicos e construção de ciclovias e ciclofaixas; ii) promover a integração das bicicletas ao sistema de transporte público coletivo; iii) promover campanhas de divulgação dos benefícios do uso da bicicleta como meio de transporte econômico, saudável e ambientalmente adequado. A proposta – semelhante ao Plano Cicloviário de Porto Alegre – também destina 15% do valor arrecadado com multas de trânsito para financiar o programa, até como uma forma de desestimular a utilização de veículos automotores.

Esse projeto de lei tende a impulsionar o uso da bicicleta como modal no sistema de deslocamentos urbanos. No entanto, apesar haver legislação regulamentadora, poucos são os programas e políticas públicas com esse fim. Aliás, vale lembrar que Carlos Drummond de Andrade, já poetizou que “as leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.” (Nosso Tempo).

De fato, leis desacompanhadas de programas normativos são insuficientes para transformar um determinado histórico construído por décadas.

Para mudar o paradigma de mobilidade urbana é preciso assumir essa agenda como prioritária para o desenvolvimento local, demonstrando vontade política para fazer o debate público com a sociedade sobre que cidade se quer, adotando, inclusive, se for estritamente necessário, medidas e ações antipáticas à alguns setores. Tal objetivo deve estar acompanhada de planejamento urbano integrado, a médio e longo prazo, além de políticas públicas permanentes de incentivo para a utilização da bicicleta nas cidades.

Nesse sentido é indispensável que as Administrações Públicas (Municipal, Estadual e Federal) trabalhem, em conjunto e coordenadamente, com os conceitos de transversalidade, sustentabilidade e controle social na implementação de políticas públicas de mobilidade urbana.

Transversalidade significa que o programa deve estar correlacionado com o maior número de estruturas possíveis, ou seja, articulando as diversas políticas públicas existentes sobre a temática. No caso dos Municípios, representaria, por exemplo, que a Secretaria de Educação desenvolvesse o programa nas salas de aulas como os alunos e pais incentivando a utilização da bicicleta nos deslocamentos (casa-escola e escola-casa); que a Secretaria de Obras desenvolvesse ações com o objetivo de construir ciclovias, ciclofaixas e malha viária que permitissem a circulação de bicicletas nas vias públicas; que a Secretaria de Trânsito fiscalizassem as leis de trânsito buscando preservar os ciclistas e motoristas nas vias urbanas; que a Secretaria de Fazenda sobretaxasse os estacionamentos nas zonas centrais, fazendo com que desestimulasse a circulação e o estacionamento de veículos motorizados nessas áreas.

Já a sustentabilidade é justificada porque a emissão de Dióxido de Carbono resultante da queima de combustíveis fósseis emitido pelos veículos motorizados contribui para o aquecimento global. A bicicleta é um veículo não-motorizado com impacto ambiental zero e baixa emissão de ruídos sonoros.

Por sua vez, o Controle Social é o empoderamento popular como legítimo e exclusivo beneficiário das ações públicas estatais. A formulação de políticas públicas, sem a processo participativos-populares tendem a perder força no momento da execução e na avaliação posterior, pelo fato de excluir os interesses coletivos, representados pela insatisfação da comunidade que utiliza as prestações ou serviços.

Percebe-se, dessa forma, que formular políticas públicas participativas que valorizem a bicicleta como veículo não-motorizado é proporcionar a eficiência dos deslocamentos urbanos, assegurando uma cidade sustentável e com melhor qualidade de vida e bem estar à população.

Criar políticas públicas com a participação social que invistam no uso de bicicletas é garantir uma cidade para o futuro.

Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim (Itália) e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e Diretor-Geral do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.


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