Últimas Notícias>Internacional|Noticias
|
20 de dezembro de 2011
|
08:30

Retirada de tropas do Iraque é para eleitor ver, dizem especialistas

Por
Sul 21
[email protected]
soldados
Exército norte-americano deixa o Iraque, mas ficam civis e mercenários | Foto: Sgt. Lynette Hoke/US Army

Felipe Prestes

Os Estados Unidos anunciaram na última quinta-feira (15) a saída de suas últimas tropas de solo iraquiano. A medida, de acordo com especialistas, é principalmente um ato político, visando cumprir a promessa que o presidente Barack Obama fez antes de ser eleito. A influência do país sobre o Iraque continuará sendo enorme. A redução de gastos pelo governo estadunidense é também um motivo aparente, mas a retirada das tropas do front também dá maior margem para acreditar que está sendo preparada a invasão do Irã.

“A saída do Iraque é uma das promessas de campanha de Obama, cumprida antes que chegue o ano eleitoral. É uma saída midiática, para mostrar que cumpriu com a promessa”, afirma Lucas Kerr de Oliveira, especialista em conflitos em regiões petrolíferas e diretor do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape). Ele ressalta, inclusive, que muitos civis norte-americanos continuam lá, incluindo policiais, funcionários públicos e políticos, que interferem nas decisões locais. Além disso, há a presença de empresas militares privadas – ou de mercenários, sendo mais claro – estadunidenses e britânicas, que fazem a segurança de empreendimentos, como obras de infraestrutura, entre outras.

Outra possível motivação que Kerr aponta para a saída das tropas é reequilibrar as contas do governo dos EUA. “É difícil precisar quanto foi gasto exatamente com a guerra, mas as estimativas são de que o governo norte-americano gastou entre US$ 3 e 4 trilhões só com questões militares, sem contar a reconstrução do país”, diz.

Consultor em política internacional pelo Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), Marcelo Suano elenca os mesmos motivos que Lucas Kerr. “É um comportamento político, o cumprimento de uma promessa de campanha. O Iraque está se reorganizando, mas isto não muda a necessidade de tropas ali, para a segurança da região e para a defesa dos interesses norte-americanos”, diz.

Suano ressalta que China e Irã já sinalizam uma aproximação com o Iraque, o que certamente os EUA tentarão impedir. “Eles investiram mais de US$ 1 trilhão no Iraque, vão deixar a China e o Irã se aproximar? Não tem sentido para os EUA essa saída das tropas. Sempre haverá bases no Iraque e esta retirada poderá ser revista em breve, se julgarem necessário”, diz.

Retirada pode apontar nova guerra

Como Kerr, Marcelo Suano também ressalta as questões econômicas que motivam a retirada das tropas. “Não só os EUA, mas também os países europeus retiraram soldados. O custo de manter tropas em solo estrangeiro é altíssimo. E estes países todos estão quebrados”, diz. Entretanto, a retirada norte-americana também pode ser um indício de que gastos ainda maiores com guerra estão por vir. “A redução vai permitir equilibrar as contas, mas há pressões por novas guerras. Caso os EUA estejam planejando uma guerra para o ano que vem faz sentido retirar-se do Iraque, onde pode ser facilmente alvejado pelos iranianos”, alerta Lucas Kerr.

Kerr ressalta que, se Obama foi eleito em boa parte por um eleitorado pacifista, há também uma fatia expressiva dos Democratas que defende Israel até debaixo d’água. O diretor do Isape qualifica um grupo forte no partido como “belicista”, incluindo-se aí a secretária de Estado, Hillary Clinton. “É difícil avaliar se as forças que defendem a guerra com o Irã estão vencendo”, ressalta.

Suano também enxerga na retirada do Iraque um possível sinal de guerra à vista. “Se os EUA pensam em uma guerra faz sentido retirar tropas cansadas da região e depois levar soldados descansados, com o comando de veteranos pelo conhecimento que têm do local”.

Com concessões a estrangeiros, petróleo é o setor que mais se recupera

Lucas Kerr avalia que a situação econômica do Iraque hoje é “muito ruim”, uma situação que vinha se agravando desde 1991, com as sanções econômicas ao país e acentuada na guerra. Ele exemplifica mostrando que até as relíquias que o Iraque trazia das inúmeras civilizações que passaram por lá desde a Antiguidade foram destruídas ou tiradas do país. “Os museus do Iraque foram todos destruídos. As relíquias que não foram destruídas foram roubadas e estão no mercado negro”, diz.

O especialista em conflitos em regiões petrolíferas afirma que boa parte do que foi aplicado pelos Estados Unidos “foi pelo ralo” e que a reconstrução do país é tímida, exceção feita à estrutura petrolífera, que foi plenamente reconstituída. Em detrimento do modelo estatal de petróleo que o Iraque possuía, o regime agora é de concessões, com o qual as empresas norte-americanas têm vencido a maioria das concorrências, mas também as petrolíferas europeias têm se beneficiado. “Os EUA tentam exportar o modelo de concessão para todos os produtores de petróleo”, diz.

Marcelo Suano vê a expansão da exportação de petróleo no Iraque como um sinal de recuperação da economia do país. Ele destaca que sem o regime de Saddam Hussein o país passou a negociar sem as restrições internacionais que lhe eram impostas e que hoje o país tem subido no ranking de exportadores de petróleo. “Agora, o mundo inteiro está comprando o petróleo iraquiano”.

O consultor em política internacional afirma que o capital está sendo reinvestido em parte no país. “Pelo que está sendo disseminado na mídia, parte do dinheiro está sendo revertido para o Iraque, até porque era uma das coisas que mais se jogava na cara, que não se podia fazer a guerra e depois não investir no país. Mas o dinheiro também vai para outros lugares. Hoje, o capital não tem pátria”, diz.

Iraque vive processo de fragmentação política

Para Lucas Kerr uma das principais consequências políticas do fim do regime de Saddam Hussein foi a fragmentação política. Com Hussein no poder, a divisão religiosa e étnica era reprimida. “Saddam pensava um estado laico, em que se era iraquiano antes de ser outra coisa, ele reprimia as outras manifestações. Chegou a ser forte o nacionalismo no Iraque, agora perdeu espaço. Hoje, as principais lideranças do Iraque são ou étnicas ou religiosas”, diz.

Neste sentido, Kerr aponta que o país do Oriente Médio é quase uma federação atualmente, em que o poder é dividido em três, por curdos, árabes sunitas e árabes xiitas. A pior consequência disto, segundo Kerr, é que as lideranças destes segmentos que ganharam força são extremistas, sectárias. “O Iraque está próximo de ser fragmentado. O governo central é fraco, a governança se dá mais no âmbito local”, explica.

Kerr ressalta, contudo, que os índices de violência têm se reduzido, apesar de a imagem dos norte-americanos ainda ser muito ruim entre a população iraquiana. Recentemente, o governo iraquiano foi um dos muitos países árabes, aliás, que sofreu fortes protestos – mas foi um dos que as agências de notícias ocidentais menos trataram. “A saída dos norte-americanos tende a melhorar a imagem do governo”, estima Kerr.

Marcelo Suano concorda com Kerr de que há uma fragmentação e vê isto como a consequência da queda de Saddam. “Sempre que cai um regime autoritário você tem a fragmentação como consequência, porque as minorias começam a poder se expressar”, diz. Suano ressalta, porém, que o Iraque ainda não conseguiu consolidar uma democracia, mesmo que não aos moldes ocidentais, por falta de instituições que deem mais poder à sociedade, diminuindo o poder do Estado ou da ação individual de lideranças religiosas e políticas. “A saída dos EUA pode estimular o fortalecimento da democracia no Iraque, desde que a sociedade organize estas instituições”, afirma.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora