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23 de dezembro de 2011
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18:22

Protestos no Chile incentivam estudantes na América Latina

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Sul 21
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Só em Santiago, as mobilizações reuniam entre 150 a 200 mil manifestantes | Foto: Fech/Divulgação

André Carvalho

O ano de 2011 foi marcado por uma onda de mobilizações sociais em todo o mundo. Na América Latina, as ações que ganharam destaque ocorreram no Chile, onde, desde o final do mês de maio, estudantes universitários e secundaristas se organizaram para reivindicar um ensino gratuito e de qualidade no país, protagonizando inúmeras manifestações, contando com centenas de milhares de manifestantes.

Apontado há muito tempo como modelo supostamente bem sucedido do neoliberalismo, o Chile sofreu um brutal processo de privatizações nos últimos anos. A educação também aderiu a projetos de privatização, e é contra isso que os estudantes e professores chilenos se rebelam. Tais manifestações geraram paralisações das aulas e adesão de professores e funcionários de escolas e universidades.

Apesar de ter como foco a questão do ensino, estes protestos acabaram atingindo (in)diretamente o presidente chileno, Sebastian Piñera. Apesar de ter sido eleito de forma direta e democrática, o índice de aprovação do seu governo chegou a 22% em setembro, o menor nível desde 1990, quando a ditadura de Augusto Pinochet chegou ao fim. No mês seguinte, um plebiscito realizado pelo Conselho Social da Educação do Chile apontou que 87% da população espera que o governo realize reformas na educação.

Para o cientista político, jornalista e professor de comunicação na Unisinos Bruno Lima Rocha, o que o movimento estudantil chileno tem feito pela educação no país é algo extremamente respeitável, tanto do ponto de vista educacional, quanto do ponto de vista político. “É incrível ver que uma mobilização reivindicando direitos que deveriam ser obrigatórios, consegue unir a sociedade e colocar em cheque um presidente eleito democraticamente. Isso é muito interessante”, destacou.

Para Bruno Lima Rocha, o governo de Piñera, com suas políticas neoliberais, acaba liberando as massas da esquerda a irem às ruas | Foto: Eduardo Santillán/Presidencia Ecuador

Bruno aponta que o governo de Piñera, com suas políticas neoliberais, acaba liberando as massas da esquerda a irem às ruas. “O povo está nas ruas, não apenas para denunciar os problemas no ensino, eles querem dar uma resposta a Piñera, um empresário que segue a linha de Pinochet, e isso ele não nega, mas oculta, e que tem uma política neoliberal, onde aplica uma série de privatizações”, explica.

Já o economista e integrante do Conselho Empresarial da América Latina e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Roberto Teixeira da Costa aponta que os protestos no Chile são consequência do fato de o país ser visto como um modelo na América Latina. “A mobilização e debates são a expressão de uma crise de expansão da sociedade chilena”, diz.

Teixeira justifica as mobilizações como uma necessidade da sociedade por uma resposta sobre falhas que não deveriam existir, devido a estas constantes expansões. Segundo ele, o Chile teve uma redução de 35 % para 15% o nível de pobreza, porém, não se diminuiu as diferenças entre os ricos e pobres. “É a partir destas incoerências que surgem tais questionamentos, visto que as universidades cobram altos valores pela educação que por sua vez, é de baixa qualidade”.

E garantiu: “se as principais propostas dos estudantes, em sua maioria apoiadas pela oposição e algumas aceitas pelo governo, forem levadas a cabo, isto poderá abrir uma nova fase de progresso com maior participação e igualdade e mais educação”.

Repressão policial

Polícia reprime protesto de estudantes no Chile | Foto: Action Datsun/Flickr

Além do problema educacional, as manifestações deram luz a uma segunda questão oriunda do governo Pinochet, ainda muito vivo no Chile: A onda de repressões por parte dos carabineros, a polícia militar chilena, uma das mais violentas do continente. No mês de agosto, Piñera aplicou decreto editado pelo ditador Augusto Pinochet em 1983, proibindo as marchas de estudantes, sendo consideradas “fora da lei” pelo ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter.

Tal decreto reconhece que as pessoas têm direito de manifestação, mas devem pedir permissão às autoridades. O governo de Piñera justificou a medida assinalando que os estudantes “não são donos do país”, alertando aos pais que seus filhos poderiam sair “lesionados” se participassem das marchas. A decisão de criminalizar as marchas foi justificada pelo governo com base na necessidade de “manter a ordem”.

A época, o ministro afirmou que “as marchas se encontram fora da margem da lei, porque não são autorizadas. Parece-me inconveniente que os movimentos estudantis e o Colégio de Professores se sintam no direito de realizar mobilizações. No Chile, ninguém está acima da lei”, disse.

Os carabineros, a polícia militar chilena, uma das mais violentas do continente. | Foto: Tomás Jorquera Sepúlveda /Flickr

No primeiro mês após a aplicação de tal decreto, em agosto, os policiais prenderam milhares de manifestantes em várias cidades do Chile. Além disso, num claro e forte ato de repressão, os policiais se utilizaram de gás lacrimogêneo e jatos de água para dispersar os manifestantes de qualquer protesto. Ainda no mesmo mês, um jovem morreu com um tiro disparado pelos carabineros, causando ainda mais indignação por parte dos estudantes, devido a repressão sofrida pela polícia.

“É visível a intenção do governo de criminalizar as mobilizações sociais, com o objetivo de frear a luta popular. No Brasil, em qualquer cidade, se fecharmos uma rua poderemos sofrer repressão pelas autoridades, mas não estamos fazendo nenhuma ação ilegal. No Chile, fechar a rua é proibido e isso já bastaria para que os carabineros se utilizem de força para dispersar qualquer ação”, explica Bruno Lima Rocha, sobre a cultura de repressão no país.

Segundo ele, “no Chile perdura da ditadura a cultura de criminalizar todos os movimentos, especialmente os estudantis, que tradicionalmente são os mais contestadores. Um exemplo disso se vê em Santiago, uma cidade fortemente armada e tradicionalmente opressora. Porém, a violência político-social vem sendo apoiada pela população, em confronto aos carabineros”.

Camila Vallejo: um ícone do movimento estudantil chileno

Camila Vallejo é a principal liderança das mobilizações estudantis chilena | Foto: Flickr

Apesar de os protestos contarem com a constante participação de milhares de estudantes, os feitos do grupo estudantil ganharam maior visibilidade através da liderança de Camila Vallejo. A estudante de geografia e militante comunista conseguiu aglutinar massas de ativistas e incentivou a juventude chilena a sair às ruas e expressar o descontentamento social.

Vallejo destacou-se, em meados deste ano, quando apareceu em alguns programas de televisão com sua visão política sobre a situação da educação. Destacou-se também em suas participações no Congresso Nacional no momento em que defendeu a qualidade e a gratuidade da educação e ao enfrentar públicos de até 500 mil pessoas em algumas das marchas realizadas este ano.

Recentemente, a líder estudantil foi apontada por jornais chilenos como a personalidade do ano no país, sendo lembrada por 35,3% dos participantes. Atrás dela, apareciam o presidente de direita Sebastián Piñera, (20,4%); o poeta Nicanor Parra, o último ganhador do prêmio Cervantes (14,8%); e Alexis Sánchez, o jogador chileno de futebol (14,7%).

Já o impresso britânico The Guardian, elegeu Vallejo como a personalidade do ano no mundo. Ela recebeu 78% dos votos da enquete promovida pelo periódico, superando personalidades como o tunisiano Mohamed Bouazizi (14,9%), que ateou fogo ao próprio corpo, e Wangari Maathai (4,3%), queniana laureada com o Nobel da Paz que morreu este ano. Além destes, também havia sido sugerido o nome de Tariq Jahan (2,8%), pai de uma das vítimas dos distúrbios no Reino Unido, que veio a público pedir que os confrontos cessassem.

Camila Vallejo foi considerada a maior personalidade chilena e mundial em 2011, pela imprensa | Foto: EnterArte

Entretanto, do ponto de vista político, Bruno Lima Rocha aponta que essa “personalização” do movimento estudantil na figura de Camila Vallejo pode ser um problema. “Normalmente, quando se personaliza uma pessoa na luta de massas, o movimento se enfraquece, pois, na maioria das vezes, um ícone acaba se descolando dos milhões”, criticou. E concluiu: “Esse é o maior problema da centralização. Os interlocutores midiáticos muitas vezes não representam a voz do povo e esse pode ser o caso de Camila, afinal, ela representa mais de 200 mil vozes estudantis”.

Especialistas fazem análises para 2012

Estudantes da USP se juntam ao protesto latino por mudanças na educação | Foto: Brasildefato1/Flickr

Para o cientista político Bruno Lima Rocha, há uma grande probabilidade das mobilizações no Chile repercutirem nos demais países da América Latina, fato que já foi sinalizado em novembro, quando organizações e movimentos estudantis do Chile, Colômbia, Peru, Argentina, Brasil, México, Equador, Venezuela, Costa Rica, Paraguai, El Salvador, Bolívia e Uruguai se mobilizaram por melhorias na educação.

“Onde tiver pauta em comum — no caso, os problemas estudantis — as mobilizações poderão se expandir”, explica o professor da Unisinos. “O caso chileno serve de inspiração a outros países para que se possa se reproduzir em outros lugares, entretanto, cada lugar obedecerá as suas causas pontuais, como aconteceu no Brasil, onde as mobilizações de São Paulo foram contra a presença da polícia militar na USP”, exemplifica.

Já o economista Roberto Teixeira da Costa acredita que os resultados no Chile não virão de pronto. Além disso, Roberto diz que o atual problema não é, necessariamente, uma responsabilidade do governo atual. “A privatização do ensino chileno é um tema que vem desde muito antes e que foi sustentado negativamente por Piñera. O que o movimento estudantil tem feito é fundamental para buscar mudanças, mas é claro, os problemas são geracionais e os resultados não vêm imediatamente”.

Por fim, o economista afirma: “Não sou futurólogo, não posso afirmar se o movimento estudantil chileno seguirá tão forte em 2012, como esteve este ano, porém, acredito que teremos concretude positiva das ações reivindicadas, ou ao menos, sinalizações de mudanças”.


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