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20 de dezembro de 2011
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22:26

Prefeitura de POA restringe atividades no Largo Glênio Peres

Por
Sul 21
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Prefeitura de POA restringe atividades no Largo Glênio Peres
Prefeitura de POA restringe atividades no Largo Glênio Peres
Divulgação / PMPA
Projeto estabelece que somente Feira do Peixe pode ocorrer no local | Foto: Divulgação / PMPA

Samir Oliveira

Ainda repercute nos movimentos populares de Porto Alegre um projeto de lei da prefeitura que restringe a realização de atividades culturais, artísticas e econômicas no Largo Glênio Peres – tradicional espaço que costeia o Mercado Público e a avenida Borges de Medeiros, no centro da Capital. O texto foi aprovado pela Câmara Municipal na última quarta-feira (14) e permite que somente a Feira do Peixe aconteça no local.

O projeto original previa que seria possível realizar também a Feira Estadual de Economia Solidária, mas uma emenda de autoria do vereador Nelcir Tessaro (PSD), aprovada nesta segunda-feira (19), retirou o evento do rol de atividades permitidas no Glênio Peres. Além disso, a lei estipula que “shows artísticos, espetáculos e eventos culturais que façam uso de palco e sonorização ficarão limitados a dois eventos mensais, com duração de no máximo um dia cada um”.

A lei também determina que artistas de rua poderão utilizar o Largo Glênio Peres, “desde que devidamente autorizados pelo Executivo Municipal por intermédio de seus órgãos competentes, vedada a utilização de som amplificado”.

O texto de apresentação da proposta, assinado pelo prefeito José Fortunati (PDT), justifica que é preciso proteger o pavimento do largo e sustenta que “muitas destas feiras (realizadas no local), devido sua natureza, não atendem o pressuposto necessário à destinação de um espaço público de uso comum do povo”.

O texto original foi aprovado por 23 votos contra somente dois (de Aldacir Oliboni, do PT, e de Fernanda Melchionna, do PSOL). Outros dois parlamentares estavam ausentes da sessão e nove se abstiveram. A emenda que retira a Feira Estadual de Economia Solidária do local foi aprovada por 17 votos contra 12, com uma ausência e seis abstenções.

“É um escândalo”, diz vereadora

A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) qualifica o projeto que restringe atividades no Largo Glênio Peres como “um escândalo”. “É uma tentativa de privatização e restrição da utilização de espaços públicos”, dispara a socialista.

Prefeitura privatiza espaços públicos, critica vereadora Fernanda Melchionna | Foto: Bolívar Abascal Oberto/CMPA

Ela acredita que, além dos prejuízos econômicos que algumas categorias terão, como a dos artesãos, a lei ataca o direito a manifestações no local. “A prática da prefeitura tem sido atacar determinadas manifestações populares”, critica, lembrando o caso do grupo teatral Levanta Favela, que foi detido durante uma intervenção artística na Esquina Democrática.

Fernanda ainda acusa os vereadores da base do governo de terem feito uma manobra para votarem às pressas o projeto. A previsão era de que a proposta fosse votada no dia 15, mesmo dia em que o presidente do Sindicato dos Artesãos do Rio Grande do Sul, Sérgio de Freitas Silva, iria se manifestar na tribuna contra a matéria.

O secretário municipal de Indústria, Comércio e Produção (Smic), Valter Nagelstein (PMDB), esteve na Câmara no dia 14 para articular a votação do projeto. “Que democracia é essa que vota um projeto sem ouvir o povo? Isso é um arremedo de democracia” recrimina Fernanda.

A antecipação da votação fez o presidente do Sindicato dos Artesãos mudar seu discurso, que estava orientado na tentativa de sensibilizar os parlamentares a não aprovarem o projeto. “O prejuízo será geral, estamos fadados a não conseguir fazer mais nada”, desabafa Sérgio de Freitas Silva.

Ele ressalta que a nova lei dificulta ainda mais as possibilidades de que a Semana do Artesão, realizada em 2010 no Largo Glênio Peres e impedida este ano, vire um acontecimento instituído por lei no calendário da cidade. “Pleiteávamos a ideia de consolidar esse evento em lei municipal. Nos puxaram o tapete”, critica.

Silva denuncia ainda que a Cooperativa dos Artesãos está sendo retirada pela Smic de uma loja que ocupa no segundo piso do Mercado Público. O espaço é cedido gratuitamente pela prefeitura. “São muito poucos os artesãos que têm loja própria, pois é muito caro para manter. Perdendo esses espaços, nos resta apenas a José Bonifácio, aos sábados e domingos, para expormos nossos produtos”, lamenta o dirigente sindical.

“Estão feudalizando a cidade”, alerta integrante do Largo Vivo

Desde que o titular da Smic, Valter Nagelstein (PMDB), disse em seu perfil no twitter que a existência de um estacionamento no Largo Glênio Peres traria “um público mais qualificado” ao Mercado Público, um grupo de pessoas, em sua maioria ciclistas, vem realizando encontros semanais no local com o objetivo de ocupar o espaço por pessoas, não por automóveis – como ocorre diariamente após as 18h. O movimento, que ficou conhecido como Largo Vivo, pode vir a ter suas atividades limitadas com a aprovação da lei que restringe atos culturais e artísticas no largo.

Felipe Martini, um dos integrantes do coletivo, contesta o argumento da prefeitura, de que a limitação dos eventos no Glênio Peres tem como objetivo a preservação do pavimento no local. “A mesma prefeitura que diz isso é a prefeitura que transforma o largo em estacionamento a partir das 18h, o que causa danos ao pavimento”, argumenta.

Ele considera que, se as feiras causam algum dano, devem ser responsabilizadas, não proibidas em sua totalidade. “Seria como proibir a existência das árvores porque os galhos poderiam cair em alguém”, compara. Martini acusa a prefeitura de estar adotando uma “postura política para restringir o espaço, não preservá-lo”. “Vemos cada vez menos espaços para manifestações. Estão feudalizando a cidade”, critica.

O integrante do Largo Vivo diz que o grupo nunca precisou pedir autorização para utilizar o espaço público. “O que fazemos é simplesmente utilizar uma praça como aquilo que ela é: uma praça. Diferente do que faz a prefeitura, que a utiliza como estacionamento.”

“O pessoal não tem limite, quando se atende uma coisa, querem outra”, diz Valter Nagelstein

Secretário diz que havia "ocupação abusiva e excessiva" do largo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Articulador do projeto que estabelece regras para realização de atividades culturais, artísticas e econômicas no Largo Glênio Peres, o titular da Smic, Valter Nagelstein (PMDB), conversou por telefone com o Sul21 para responder às críticas em relação à lei.

O peemedebista esclarece que as medidas se inserem no contexto de revitalizar o centro histórico de Porto Alegre, junto com outras ações, como a revitalização da Praça Otávio Rocha. “Enfrentávamos, historicamente, um processo de depredação do largo, de ocupação abusiva e excessiva”, conta, acrescentando que estudos da prefeitura apontam que, a cada 30 dias, o local passa 15 dias ocupado por alguma atividade de caráter comercial ou religiosa. “Passam em torno de 400 mil pessoas por dia por ali, uma feira tem garantia de público e vende bem. Um pai de santo ou um pastor evangélico que se instale ali arrebanha muitos fieis”, exemplifica.

O secretário esclarece que “dos 12 meses do ano, em seis meses o largo permanecia ocupado com atividades que implicavam na montagem e desmontagem de grandes estruturas, o que contribui para o processo de degradação do piso”. Confrontado com o argumento de Felipe Martini, de que seria contraditório proibir eventos no largo para preservar o pavimento enquanto são permitidos veículos no local após às 18h, Nagelstein rebateu: “Tem algum laudo de alguém que é engenheiro nesse grupo?”, respondeu, em referência ao Largo Vivo.

O peemedebista considera que o coletivo é integrado por pessoas de extrema-esquerda. “O pessoal não tem limite, quando se atende uma coisa, querem outra. Esse movimento tem a mesma inspiração dos movimentos da extrema-esquerda. Eu respeito, eles têm legitimidade para postular suas causas. Mas também temos legitimidade para governar, existe todo um processo pelo qual passamos, por mais que anarquista não goste”, alfineta o secretário.

O peemedebista garante que não tem participação na redação da emenda do vereador Nelcir Tessaro (PSD), que proíbe a realização da Feira Estadual de Economia Solidária no Largo Glênio Peres. Mas Nagelstein confessa que o evento lhe causa “mal estar”. “Te confesso que essa feira me causava um mal estar”, admite.

Ele explica que a feira acaba retirando clientes que poderiam comprar os mesmos produtos no Mercado Público. “Essa feira foi instalada em dezembro, mês em que as pessoas mais podem vender. Ela compete com quem trabalha lá o ano inteiro”, avalia, acrescentando que muitos dos expositores vêm do interior do Estado. “É com esses (os porto-alegrenses) que a municipalidade tem obrigação. Não é um pensamento xenófobo, minha tarefa como secretário é promover a economia e o desenvolvimento de Porto Alegre. Se a feira é estadual, há o largo da Epatur, o espaço da Secretaria Municipal da Agricultura, o próprio Cais do Porto e o Centro de Exposições de Esteio”, sugere.

Sobre a manifestação do Sindicato dos Artesãos, que alega que terá prejuízos com  retirada de outros eventos do Glênio Peres e acusa a Smic de querer retirar uma sala da Cooperativa dos Artesãos no segundo andar do Mercado Público, Nagelstein alega que há o espaço do quadrante de feiras do Mercado para ser aproveitado pela categoria.

O secretário explica que a sala reivindicada pelo sindicato era utilizada pela cooperativa em parceria com o Sebrae, e o convênio já teria expirado. A intenção da Smic é utilizar o local para promover cursos de capacitação em gastronomia, numa parceria com o Senac, que investiria R$ 1,2 milhão no local. “Essa cooperativa tem 20 ou 30 pessoas. Do outro lado, tenho a possibilidade de qualificar o eixo gastronômico”, defende.

O peemedebista considera que os artesãos precisam se ajustar aos espaços disponíveis. “Mas querem tomar conta de tudo. Querem o largo, o quadrante e, se possível todas as lojas do segundo andar (do Mercado Público). Tem que ter limite, tchê! São que nem criança”, indigna-se o titular da Smic.

– Confira aqui o texto do projeto aprovado na Câmara Municipal.
– Confira aqui como os vereadores votaram o projeto, na sessão da última quarta-feira (14).
– Confira aqui como os vereadores votaram a emenda que retira do Largo Glênio Peres a Feira Estadual da Economia Solidária.


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