Noticias|Últimas Notícias>Política
|
14 de novembro de 2011
|
21:53

Quilombolas cobram do governo Dilma a titulação de suas terras

Por
Sul 21
[email protected]
Representantes dos 85 municípios gaúchos com quilombos estiveram presentes na Assembleia Legislativa do RS, onde ocorreu a audiência pública | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

“Eu não quero brigar com ninguém, eu só quero aquilo que era do meu avô”. A frase de Manoel Conceição, herdeiro do quilombo Morro Alto, no litoral norte do Rio Grande do Sul, resume o sentimento das centenas de famílias quilombolas gaúchas que compareceram a uma audiência pública na Assembleia Legislativa gaúcha nesta segunda-feira (14).  A sessão durou cinco horas, demonstrando que a demanda pela demarcação de terras é reprimida e algo urgente.

Leia mais:
– Impasse sobre quilombo no litoral norte gaúcho está em Brasília
– Ações no STF e no Congresso ameaçam titulação de quilombos
– TV Sul21: Paulo Paim discute titulação de territórios quilombolas

Representantes dos 85 municípios gaúchos com quilombos estiveram presentes. Do governo federal, porém, a presença foi discreta: cinco ministros foram convidados, mas apenas assessores foram enviados ao evento. Discursos escritos a punho foram previamente preparados pelos líderes quilombolas, para que nenhum detalhe do sofrimento das famílias fosse esquecido diante da mesa de autoridades. Evidências de que a luta dos quilombolas é historicamente desprezada apareciam não apenas na quantidade de famílias presentes à reunião, mas também nas faces marcadas pelo tempo e nas inúmeras inscrições para usar o microfone.

“O quilombola não quer morrer, o sem terra não quer matar”

“Estamos lutando há anos e nada sai do papel. Nós queríamos que vocês desta mesa, dessem uma força. Estamos sendo excluídos e não queremos ir para outro lugar. Estamos lá há 60 anos. O quilombola não quer morrer, o sem terra não quer matar, só queremos o que é nosso. Precisamos de ajuda”, cobrou a representante do Quilombo Mormaça, Laídes de Oliveira.

Segundo os críticos, a portaria assinada por Dilma Rousseff no fim de outubro teria efeito de suspensão das ações do Incra na demarcação de terras quilombolas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os quilombolas e representantes de sindicatos e entidades apoiadoras apontaram fatores que influenciam negativamente para a regularização dos quilombos. Entre eles, a baixa capacidade orçamentária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); a ameaça ao decreto 4487 /2003, que garantiu a regulamentação para identificação, reconhecimento e titulação das terras ocupadas por quilombolas; e a Ação de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada pelo DEM que questiona o artigo 68 da Constituição Federal que garante o direito da titulação de terras aos quilombolas.

O advogado da Frente Nacional dos Quilombolas, Onir Araújo, pede uma” posição categórica” do governo diante do projeto de lei do deputado Valdir Collato (PMDB-SC), que tenta sustar o decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, que titula as terras quilombolas. Pede respostas também sobre a ADIN impetrada pelo DEM. “Queremos saber o porquê o governo federal fez uma normativa (na última segunda-feira) suspendendo a demarcação de alguns quilombos brasileiros”, questionou.

Tática do setor ruralista é colocar minorias em conflito

O governo de Dilma Rousseff assinou, no dia 28 de outubro, a Portaria 419/2011, que regulamenta a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde na elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental de competência federal. Segundo os críticos, a portaria teria efeito de suspensão das ações do Incra na demarcação de terras quilombolas e teria sido emitido por influência dos conflitos instaurados no país entre fazendeiros, pequenos agricultores e quilombolas.

Raul Carrion: "Não é uma luta de raça. É um direito constitucional destes povos. Estão distorcendo a questão e colocando as minorias em conflito" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para alguns representantes dos quilombolas, a medida teria sido feita para atender a pressão do setor do agronegócio, que se organizou no dia 21 de outubro em uma audiência solicitada pela senadora Ana Amélia Lemos (PP). “Ela chamou uma audiência sem a presença dos quilombolas para dizer que a titulação de terras ia trazer conflitos enormes para quem produz. Como se negros não produzissem neste país há 500 anos”, alegou a representante da Comissão de Direitos Humanos da AL-RS, Reginete Bispo.

“O governo não pode se dobrar ao movimento que está sendo feito. Não é uma luta de raça. É um direito constitucional destes povos. Estão distorcendo a questão e colocando as minorias em conflito. A solução é a reforma agrária”, defendeu o deputado estadual Raul Carrion (PCdoB).

O governo não está se negando a reconhecer o direito dos quilombolas, garante Nilton Tubino | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Segundo Nilton Tubino, que representou o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho na audiência, o governo não está se negando a reconhecer os direitos dos quilombolas. “Tivemos uma reunião com o ministro e os quilombolas depois da marcha em Brasília na última semana e vamos ter uma audiência com a presidenta (Dilma)”, assegurou. Ele garante que a única medida de suspensão foi relacionada aos indígenas, sobre a demarcação das terras estarem invadindo áreas de preservação ambiental. “Foi emitida pela Funai. É a única que tenho conhecimento”, falou.

De acordo com Tubino, “as terras já demarcadas e tituladas precisam ser revistas do ponto de vista de reforçar as comunidades. Por isso, o  governo está fazendo diagnósticos e levantamentos”.

Quilombola do Morro Alto sofre atentado

O preço pela falta de vontade política dos governos em enfrentar o problema dos conflitos de terra são as mortes que ocorrem em diversas regiões do país. “Não tem um bilhete sobre os corpos dizendo que a morte é por conflito de terra, mas sabemos que é isto que está acontecendo”, disse o advogado da Frente Nacional Quilombola, Onir Araújo. O advogado denunciou que no último sábado (12), um líder da comunidade Quilombola, Vilson Marques da Rosa, foi baleado por traficantes “encomendados” que invadiram sua chácara, no quilombo Morro Alto. “Ele já está com processo de reintegração de posse da sua terra e já vinha sofrendo ameaças. Inclusive, em 27 de setembro já tínhamos alertado o Incra sobre isso”, explicou.

A falta de agilidade e empenho do Incra no tratamento das questões dos quilombolas é outro problema apontado pelos ativistas da defesa das famílias. “Apesar do relatório feito pelo Incra, o acompanhamento na questão precisa avançar. A responsabilidade é do Incra para regularização das terras. Só temos três comunidades tituladas como quilombolas”, falou o Procurador Geral do RS, Carlos Kaipper. Ele também salientou que o empenho do legislativo deve ser para fazer leis que “facilitem a vida dos quilombolas” e não o contrário. “O judiciário também tem que atuar de forma associada à realidade e à necessidade do povo, porque às vezes ele barra decisões que têm boa vontade política”, argumentou.

“Muitos aqui nem me conhecem, porque não dou conta de atender a todos", diz a única defensora pública que trabalha pelos quilombolas no RS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A defensora pública da União, Fernanda Hahn, única que trabalha pelos quilombolas no Rio Grande do Sul, alega que a falta de infraestrutura dos órgãos públicos é outro entrave. “Muitos aqui nem me conhecem, porque não dou conta de atender a todos. É o mesmo que acontece com o Incra, não tem pessoal pra atuar. Só tem cinco pessoas trabalhando para titular quilombos”, apontou.

Órgão responsável pela regularização das terras de quilombolas, o Incra concluiu relatório apontando que existem 10,2 mil hectares de territórios quilombolas no RS. Em alguns territórios, porém, há pequenos agricultores ocupando as áreas, o que torna a situação mais complexa. “Em Restinga Seca e Morro Alto precisamos reassentar quem não é quilombola. Só não fazemos mais porque não temos estrutura para isso”, falou o superintendente do Incra Júlio Cesar Finger. Segundo ele, os antropólogos aprovados no último concurso público não podem ser chamados por uma decisão judicial que travou a contratação.

Autor do pedido da audiência pública, o senador Paulo Paim tentou reunir todas as reivindicações em um documento que será encaminhado à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Os representantes dos ministérios também levaram o documento para o conhecimento do governo federal. Todos as autoridades, da esfera federal e estadual presentes na audiência desta segunda, seguirão debatendo sobre a titulação das terras quilombolas. Nesta quarta-feira (16), a comitiva irá até o quilombo Morro Alto para uma audiência mais detalhada com a comunidade.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora