Colunas
|
26 de novembro de 2011
|
17:34

Arte, mercado e invenção

Por
Sul 21
[email protected]
Arte, mercado e invenção
Arte, mercado e invenção

Esta coluna tem apresentado algumas abordagens da cena das artes visuais no Estado, acompanhando o calendário de eventos e desenvolvendo também algumas reflexões mais conceituais. Nesta semana, propõe-se abordar o circuito  artístico por um ângulo que ainda não havia sido focado – o mercado de arte – a partir da atuação da galeria Bolsa de Arte de Porto Alegre.

galeria
Bolsa de Arte de Porto Alegre | Foto: Leopoldo Plentz/Divulgação

Compreendido como a comercialização de obras de artistas vivos, em busca de reconhecimento social e valorização econômica para seus trabalhos, o mercado moderno tem papel decisivo na consolidação de suas carreiras. No Rio Grande do Sul, ele teve origem recente, inaugurando-se com a criação, em Porto Alegre, ao longo da década de 60, das primeiras galerias dedicadas, basicamente, à venda de obras de arte, como a Galeria do Instituto dos Arquitetos (1961); a Galeria Espaço (1964); a Portinari (1964), a Domus (1963), a Carraro (1967), a Mondrian Atelier de Arte (1965); a Leopoldina (1965), a Lak´Art (1965); a Sete Povos (1965) e a Didática (1967). Entretanto, nesse momento, o mercado de arte não se consolidou plenamente e as galerias dificilmente ultrapassaram uma década de atuação. Além disso, o modelo de funcionamento delas era, basicamente, a intermediação de vendas, sem programas específicos de atuação, sem planos de marketing e sem estímulos ao colecionismo. Tampouco foram estabelecidos propostas mais ousadas de parceria com empresas para a organização de eventos ou o incremento dos acervos públicos. Esse tipo de atuação se manteve, com poucas exceções, expandindo-se até os anos 80, quando mostrou seus limites, exigindo a incorporação de dinâmicas comerciais mais adequadas à economia contemporânea. A renovação na década de 80 também se evidenciou com as novas tendências na produção artística. A emergência da chamada Geração 80, desdobramento das correntes neo expressionista alemã e italiana, trouxe à cena um grande número de novos artistas. A maioria deles estava ligada à pintura, elemento que trouxe um novo fôlego no desenvolvimento e consolidação do mercado de arte.

Foi no bojo destas novas condições que  a Bolsa de Arte de Porto Alegre iniciou suas atividades, mais especificamente no ano de 1980. Desde então, a Galeria realizou mais de 250 exposições focada em artistas locais já consagrados e na consolidação de artistas emergentes. Ela tem participado ativamente no fortalecimento da carreira de diversos expoentes locais, além de trazer para o mercado do RS muitos nomes nacionais. Com seu foco, atualmente, na arte contemporânea, a galeria representa alguns importantes artistas do cenário nacional de artes visuais.

No entanto, o mercado de arte no Rio Grande do Sul é bastante restrito, com a atuação de poucas galerias trabalhando, preponderantemente, com artistas e consumidores locais. Não há grandes impulsos em direção a novos espaços que possibilitem a ampliação da clientela e a difusão da produção fora de suas fronteiras regionais. Em uma época em que os mercados se globalizam, esse tipo de dinâmica mostra limites. A Bolsa de Arte, reagindo a essa tendência, tem participado de feiras de arte, tanto no Brasil quanto no exterior; uma prática importante para expandir sua atuação e divulgar a arte produzida no Estado.

O mercado local é, além disso, muito conservador. A maioria das galerias trabalha com as categorias artísticas mais tradicionais, com destaque da pintura e da escultura, em suas temáticas figurativas, com poucas opções comerciais para as atuações de vanguarda. Essa característica dificulta a ampliação do leque de consumidores, não incluindo um público mais jovem e internacionalizado em seus padrões de consumo. Inovadora em termos empresariais, a Bolsa de Arte, no início de 2011, deixou a Rua Quintino Bocaiúva, onde atuou durante 30 anos, abrindo seu novo endereço na Rua Visconde do Rio Branco 365.

O projeto arquitetônico desse espaço mantém duas características fundamentais da casa antiga: o grande plano em vermelho na fachada, em que se pode ler o nome da galeria, e o jardim interno dedicado à escultura. Esses dois elementos oferecem aos freqüentadores habituais uma sensação de continuidade com o momento anterior. A mudança para um local maior, e mais adequado aos trabalhos contemporâneos de grande porte, evidencia a confiança da Galeria no desenvolvimento deste tipo de mercado, voltando-se para novos públicos, assim como para novos colecionadores.

Como parte de sua ativa programação, neste momento encontra-se na galeria a mostra individual Última cena do artista Eduardo Haesbaert. Com curadoria de Adolfo Montejo Navas, e com a participação de uma dezena de colaboradores no quadro de sua produção, são apresentados os recentes trabalhos do artista. Inaugurada no dia 22 de novembro, segue em exibição até o dia 23 de dezembro, aberta para visitação de segunda a sexta, das 10h30 às 19h e sábado, das 10h às 13h30. Eduardo Heasbaert, que desde 1994 é responsável pelo atelier de gravura e pela manutenção do acervo da Fundação Iberê Camargo, realizou várias exposições individuais na Bolsa de Arte nos últimos anos. O artista participou de inúmeras mostras coletivas e recebeu diversos prêmios ao longo de sua carreira.

O trabalho de Heasbaert apresenta espaços arquitetônicos conhecidos pelo público, mas que são por ele alterados de maneira a produzir um inquietante estranhamento. O uso preponderante do preto sobre o branco como cores únicas, também corrobora este aspecto desestabilizador. O curador em seu texto comenta: “um roteiro de obras que descortinam diversas situações enigmáticas. Miragens que negam nosso maior princípio de realidade, o chão, o firme onde está inscrito o senso de gravidade, onde assentamos nosso próprio peso das coisas”. Realmente, os ambientes que o artista constrói questionam as certezas e as racionalidades, abrindo–se para o vir a ser da imagem. A mostra é composta por alguns poucos quadros e um magnífico caderno de artista cujas folhas foram convertidas em um vídeo que, apresentado em um ambiente escuro, se desdobra na parede e sobre os pés do visitante. Nesse ambiente construído, mais uma vez a geometria espacial que o artista domina com maestria vai sendo subvertida e com ela algumas certezas vão sendo destruídas. Caminha-se por um universo de fantasia que desafia a imaginação.

exposição
Foto: Egon Groeff

Essa exposição que se encontra na Bolsa de Arte diz bem de seu projeto empresarial, é uma proposta contemporânea, desafiadora em termos visuais, que atrai o espectador e o conquista sensorialmente. Obras que podem ser comercializadas, mas que exigem um cliente pouco convencional, que a galeria tem contribuído para formar.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora