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9 de outubro de 2011
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10:27

Patrimônio: quatro mil pessoas já participaram do Caminhos da Matriz

Por
Sul 21
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Memorial do Ministério Público foi tombado pelo IPHAE e pelo IPHAN l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira (texto) e Flavia Boni Licht (consultoria)

Apenas um dos três prédios construídos ao redor da Praça da Matriz, entre 1818 e 1857, mantém a sua função original: o Theatro São Pedro, que teve suas obras iniciadas em 1833. Os outros dois também se transformaram em áreas dedicadas à cultura. Iniciado em 1857, para ser sede da Assembleia Legislativa provincial, o prédio localizado na esquina da Rua Jerônimo Coelho, popularmente conhecido como Forte Apache, abriga, hoje, o Memorial do Ministério Público, cujas fotos foram identificadas, na semana passada, pela leitora que identifica apenas como Fátima. O mais antigo dos três, cuja construção iniciou em 1818, destinava-se a ser moradia do presidente da Província do Rio Grande do Sul, José Feliciano Fernandes Pinheiro. Desde 1993, o Solar dos Câmara, construção residencial mais antiga de Porto Alegre, abriga o Departamento de Relações Pública e Atividades Culturais (DRPAC) da Assembleia Legislativa. Todos passaram por um longo período de restauro e estão abertos ao público.

Forte Apache, atual Memorial do MP, em 1890 l Foto: fotoaantigas. prati.com.br

Acompanhe a série patrimônio histórico:

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Patrimônio: Governo abrirá licitação para restauro do Piratini

Tanto o Memorial do Ministério Público quanto o Solar dos Câmara integram o Projeto Caminhos da Matriz, iniciado há quatro anos, pelos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Duas vezes ao mês, sempre aos sábados à tarde, os interessados podem conhecer a história dos prédios públicos, que se encontram no entorno da Praça da Matriz, nascida junto com a cidade de Porto Alegre. São dois os roteiros, oferecidos de forma alternada. Do roteiro 1 constam o Memorial do MP, também chamado de Palácio do MP, o Palácio do Tribunal de Justiça e o Museu Júlio de Castilhos. Do roteiro 2, Palácio Piratini, Solar dos Câmara e Arquivo Público. O historiador Álvaro Bischoff, coordenador substituto do Memorial do MP, afirma que, mensalmente, em média, participam dos Caminhos, 80 pessoas. Até agora, ele calcula que, em média, já tenham participado 4 mil pessoas.

Construído para ser sede da Assembleia, o Forte Apache foi Palácio Provisório por 21 anos l Foto: fotosantigas.prati.com.br

Deputados não gostaram

Na época, os deputados provinciais não aceitaram o prédio como sede da Assembleia Provincial. Decidiram reformar o que ocupavam na Rua Duque de Caxias, hoje Memorial da Assembleia Legislativa. Mandado construir pelo vice-presidente da Província, comendador Patrício Corrêa da Câmara, quando no exercício da presidência, o edifício mudou, então, seu uso, sendo ocupado pela Diretoria Geral de Negócios da Fazenda, após a sua conclusão em 1871. A arquiteta Ediolanda Liedke, autora do projeto de restauro do prédio, diz que o seu valor, além de arquitetônico, é histórico, pois ali esteve instalado o Governo do Estado por 21 anos, enquanto era construído o Palácio Piratini. Três governantes despacharam no então Palácio Provisório: Júlio de Castilhos, Carlos Barbosa Gonçalves e Antônio Augusto Borges de Medeiros.

Prédio do Memorial do MP foi concluído em 1871 l Foto: Memorial do Ministério Público

Ao longo dos anos, a construção passou por reformas e foi sede de vários órgãos públicos. Ali funcionaram os Telégrafos, a Diretoria de Obras Públicas, a Secretaria de Obras, a Diretoria de Higiene e Saúde e órgãos da Secretaria do Interior e Justiça. Mais tarde, já nos anos 1960, o edifício passou para a alçada do Tribunal de Justiça, funcionando ali as Varas de Família, a Escola Superior da Magistratura e o Centro de Funcionários dos Tribunais de Justiça e de Alçada. Em 1998, o Forte Apache volta para o Executivo, que o transfere para o Ministério Público, responsável pelo restauro iniciado em 2000 e finalizado em 2002.

Ediolanda lembra que no torreão mantido na restauração funcionou o primeiro Observatório Meteorológico do Estado, instalado em 1892, pelo então diretor das Obras Públicas, Terras e Colonização, Affonso Hebert. Em 1894 é construída a ala sul e, em 1899, o prédio ganha um novo torreão e um terceiro pavimento entre os torreões. Em 1906, surgem as cochoeiras e um local para a guarda presidencial. Segundo a arquiteta, para o projeto de restauro foi pesquisada a organização espacial do edifício, sendo identificadas suas paredes originais. “O que não era original foi removido. Ficaram os espaços existentes na obra iniciada em 1857”. Mas, não houve retorno à forma original de dois andares e dois torreões. Ediolanda lembra que quando foram iniciadas as obras de restauro o prédio estava em estado de “ruína avançada”.

Torreão abrigou o primeiro o primeiro Observatório Meteorológico do Estado, instalado em 1892 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O arquiteto Paulo Cesa afirma que “o restaurador é um segundo arquiteto”, devendo definir, junto com os técnicos dos órgãos do patrimônio, o que será mantido do original e o que será reciclado para a adaptação do prédio ao uso atual, sendo fundamental identificar as intervenções feitas. Ediolanda Liedke diz que no restauro feito no Palácio Provisório é possível ver o que é original e o que foi introduzido de novo, como o elevador e a escada, que facilitam a circulação entre os andares.

Ediolanda afirma que a arquitetura do Memorial do MP utiliza elementos clássicos, como frontões e colunatas, e do neoclássico. “Mas ele não é neoclássico. É mais eclético”, diz.

O interior do prédio voltou a ter a forma original l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sala dedicada às mulheres

Tombado pelo IPHAE em 1982 e pelo IPHAN, em 2003, o Memorial do Ministério Público conta com um acervo de 5.853 documentos, entre fotografias, notícias de jornais e de revistas, com informações sobre o Ministério Público e a Constituinte de 1988. Álvaro Bischoff ressalta a existência da Sala Sophia Galanternick Sturm, dedicada às mulheres que tiveram algum protagonismo no setor. Sophia foi a primeira mulher a ingressar no Ministério Público, em 1938, como promotora de Justiça. Três anos depois, foi convidada a se retirar. O Ministério não admitia ter em seus quadros uma mulher casada. Passaram-se 35 anos até que um grupo de mulheres ingressasse no MP, em 1976, aprovadas em concurso público. Na sala podem ser conhecidas todas as pioneiras do MP.

Acervo do Memorial conta com 5.853 documentos l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Bischoff diz que o Memorial trabalha com base em três linhas: história oral, pesquisas de caráter histórico e exposição e eventos. São mantidas entrevistas feitas com promotores e procuradores aposentados, servidores do MP, juízes, políticos e deputados constituintes. As entrevistas vão sendo organizadas em forma de livro. Sobre a Constituinte já há duas obras.

As pesquisas de caráter histórico são feitas no Arquivo do MP e em outras fontes como o Memorial do RS. Nesta linha, também, há livros publicados. Um deles é sobre a atuação do ex-presidente Getúlio Vargas como promotor público, nos anos de 1908 e 1909. As exposições e eventos têm como base as pesquisas realizadas. A última foi sobre o Movimento da Legalidade. Bischoff adianta que no próximo dia 24 haverá uma exposição com obras dos artistas que participam do movimento cultural pela preservação do Centro de Porto Alegre.

Theatro São Pedro: restauro levou 10 anos l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Obras e restauro lentos

O Theatro São Pedro, tombado pelo IPHAE em 1984 e pelo IPHAN, em 2003, levou anos para ser construído, principalmente devido à Revolução Farroupilha. As obras iniciadas em 1833 foram interrompidas em 1835, quando começou a Guerra dos Farrapos. O reinício ocorreu em 1850. O projeto do arquiteto alemão radicado no Brasil Phillip Von Normann, em estilo neoclássico, foi concluído oito anos depois. Em 27 de junho de 1858, o São Pedro foi inaugurado.

Theatro São Pedro em 1865 l Foto: reprodução

Mas, a tão esperada casa de espetáculos, frequentada por grandes nomes das artes e da política, como Villa-Lobos, Olavo Bilac, Getúlio Vargas e Borges de Medeiros, logo foi declarada em estado de abandono. Em 1884, enfrentou um incêndio, que lhe causou grandes danos.

No século XX, o Theatro foi se deteriorando até fechar suas portas. Em 1975, dona Eva Sopher foi convidada pelo governador Synval Guazzelli a assumir a direção do São Pedro. Ela foi encarregada de providenciar no restauro dos 1.880 metros quadrados da casa, missão na qual se jogou de corpo e alma. Nove anos depois, em 27 de junho de 1984, o Theatro voltou a abrir suas portas, exibindo as pinturas do forro com motivos da flora e da fauna gaúchas, feitas pelos artistas plásticos Léo Dexheimer, Plínio Bernhardt, Danúbio Gonçalves e Carlos Mancuso.

São Pedro começou a ser construído em 1833 l Foto: Acervo do Theatro São Pedro

O projeto de restauração, que, segundo dona Eva, foi uma reconstrução – só ficaram em pé as paredes externas – é assinado pelo arquiteto Carlos Mancuso. O arquiteto Paulo Cesa reconhece o trabalho de Mancuso, mas afirma que a restauração comandada pelo colega foi polêmica. “Os teatros eram mais austeros. Com o restauro, o São Pedro adquiriu um glamour, um fausto, que não tinha”, diz Cesa. Ele também lamenta a destruição, nos anos 1950, por um incêndio, do prédio gêmeo do São Pedro. Em seu lugar foi construído o Palácio da Justiça. Cesa lembra que os dois prédios formavam um portal com a Praça da Matriz.

Congresso Espírita realizado no Theatro São Pedro em 1951 l Foto: fotosantigas.prati.com.br

No restauro, as paredes externas do São Pedro foram as únicas mantidas em pé l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Junto com o Multipalco, o São Pedro compõe o maior centro cultural da América Latina l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Uma obra silenciosa

Dona Eva, que lutara pela restauração do São Pedro, passou a se dedicar a um novo projeto: a construção do Multipalco, projetado pelos arquitetos Dalton Bernardes e Júlio Collares, que venceram um concurso nacional de projetos. Júlio qualifica a arquitetura proposta para o maior complexo cultural da América Latina de “obra silenciosa”. Ele explica: “Este é o tipo de arquitetura que não busca protagonizar. É uma arquitetura mais serena, silenciosa, com alta qualidade, sem vocação para proeminências no contexto em que se encontra. É uma arquitetura que respeita o contexto”. Júlio diz que ao pensar uma obra é preciso ter “noção de perenidade”. E brinca: “Ela é feita para gerar belas ruínas”.

Multipalco: obras em 2005 l Foto: Acervo do Multipalco

Qual o estilo do Multipalco, agregado ao centenário Theatro São Pedro? O arquiteto responde: “Nossa arquitetura é contemporânea. É um edifício de hoje. Não passa ideia nem do Theatro São Pedro nem do Tribunal de Justiça”. Ele lembra que o projeto original sofreu algumas mudanças, como a capacidade da sala principal de concertos, que passou de 420 lugares para 650.

O principal conceito do projeto foi o de criar uma praça que revelasse o lado do Theatro São Pedro oposto ao da Rua General Câmara. “Eles são iguais e o lado Oeste estava escondido”, lembra Júlio. A praça é o ponto de ligação entre a Praça da Matriz e a Rua Riachuelo. E é abaixo dela que está o Teatro do Multipalco. “É um conceito meio de caverna, de coisa escavada”, afirma o arquiteto.

Multipalco revela a face Oeste do Theatro São Pedro l Foto: Acervo Multipalco

Uma das peculiaridades da obra do Multipalco apontadas por Júlio Collares é que ela cresceu de cima para baixo. “Foi uma estratégia de obra interessante”, acredita. Ele também acredita que o Multipalco pode ser logo inaugurado, pois falta apenas a finalização. Em entrevista ao Sul21, no início de agosto passado, a presidente do Fundação Theatro São Pedro, Eva Sopher, disse que o Multipalco poderá estar concluído dentro de dois anos, se obtiver os R$ 18 milhões necessários para as obras finais. Em 2012, devem ser abertas ao público quatro salas múltiplas e a da Orquestra de Câmara.

Solar dos Câmara começou a ser construído em 1818 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Moradia de políticos

A arquitetura do Solar dos Câmara, tombado pelo IPHAN em 1963, era a colonial luso-brasileira, do início do século XIX. Aos poucos, com as reformas pelas quais passou, perdeu as características iniciais. Paulo Cesa diz que o prédio, atualmente, tem uma linguagem eclética. Isto se deve às reformas modernizantes feitas por quem usou o local. “As mudanças de estilo acontecem, também, devido aos Códigos de Postura que passam a exigir modificações nos prédios”, afirma o arquiteto.

Construído para ser residência, no início do século XIX, o Solar contava com um terraço do qual se tinha uma bela vista para o Guaíba e uma senzala no porão. No restauro, feito pelo arquiteto Edgar Bittencourt da Luz, “o melhor restaurador”, de acordo com Cesa, a senzala passou a integrar a casa.

Solar dos Câmara no século XIX l Foto: Assembleia Legislativa

O Solar teve apenas três moradores. O primeiro – José Feliciano Fernandes Pinheiro — passou a ocupá-lo em 1824, quando terminaram as obras. Chefe da Alfândega do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, ele foi nomeado o primeiro presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. E por ter trazido os primeiros imigrantes alemães para o Estado recebeu o título de Visconde de São Leopoldo. José Feliciano viveu no Solar até a sua morte, em 1847.

José Antônio Corrêa da Câmara, segundo visconde de Pelotas e primeiro governador do Estado do Rio Grande do Sul, nomeado após a proclamação da República, casou-se com Maria Rita Pinheiro Corrêa da Câmara, uma das filhas do visconde de São Leopoldo, e tornou-se o segundo morador do Solar. Em 1874, o casal fez a primeira reforma, ampliando a área construída e adornando a casa com lustres, tapetes, cristais e rendas. O terceiro e último morador foi Armando Pereira da Câmara, descendente dos viscondes de São Leopoldo e de Pelotas. Armando foi político, tendo sido eleito senador pela Frente Democrática em 1954. Foi também professor nas faculdades de Direito e Filosofia e reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Ele viveu no Solar até 1975.

Antiga sala de jantar do Solar, que teve apenas três moradores l Foto: Assembleia Legislativa

A Assembleia Legislativa adquiriu o Solar, local de grandes reuniões políticas, em 1981, instalando ali o antigo Departamento de Atividades Culturais (DAC). As obras de restauração tiveram início em 1988, sendo concluídas em 1993. Hoje, funciona no Solar o Departamento de Relações Públicas e Atividades Culturais (DRPAC). Nele está a Biblioteca Borges de Medeiros e a sala de exposições fotográficas J.B. Scalco. O espaço é aberto para espetáculos gratuitos de música, que fazem parte do projeto Sarau no Solar.

Primeira reforma do Solar ocorreu em 1874 l Ramiro Furquim/Sul21

Com o passar dos anos, a residência ganhou adornos valiosos l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Hoje, o Solar está aberto ao público l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O estilo arquitetônico da residência mudou com as reformas e as exigências dos Códigos de Postura l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O Solar abriga uma biblioteca, um sala de exposições e local para apresentações musicais l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Endereços:

— Memorial do Ministério Público — Praça Marechal Deodoro, 110, Centro Histórico – Porto Alegre
Fone: 51. 3295-8650 — FAX: 51. 3295-8650 Ramal: 8663
Pesquisas devem ser previamente agendadas

— Theatro São Pedro – Praça Marechal Deodoro – Centro – Porto Alegre
Fone: 51. 3227-5100 / 3227-5300
Horário da bilheteria: Dias úteis – das 13h às 18h30min, quando não há espetáculos noturnos, e das 13h às 21h, com espetáculos à noite.  Sábados: das 15h às 21h.  Domingos: das 15h às 18h

— Solar dos Câmara – Rua Duque de Caxias, 968 – Centro Histórico – Porto Alegre
Fones: 51.3210-2003 e 3210-2924
Horário de atendimento: de segunda a sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 18h30.

De onde são?

Observe bem as fotos abaixo de Ramiro Furquim e veja se você descobre a que prédio histórico pertencem esses detalhes. Mande uma mensagem para o Sul21 dizendo o que você acha.

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Ramiro Furquim/Sul21

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