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6 de outubro de 2011
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14:40

Neoliberalismo abriu caminho para o narcotráfico no México

Por
Sul 21
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Gabriel Mendoza Pichardo, professor da UNAM: "O aumento do crime organizado está ligado diretamente a um modelo econômico que não está funcionando, que está falhando na geração de empregos e que está destruindo todos os sistemas de seguridade social" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch

Navegar pelas águas do neoliberalismo levou o México a uma crise social e institucional, precarizando a vida da população e abrindo espaço para o crime organizado. O diagnóstico é de Gabriel Mendoza Pichardo, professor da Universidad Nacional Autónoma do México (UNAM). Em palestra na Federação de Economia e Estatística do RS (FEE) nesta quarta-feira (5), o professor discutiu as consequências de quase 30 anos de neoliberalismo no país, além de analisar as perspectivas de uma eventual manutenção do modelo.

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“A política econômica mexicana foi exitosa no sentido de aumentar o comércio exterior, mas resultou pouco benéfica do ponto de vista social”, diz o professor mexicano, em entrevista ao Sul21. “Nós ultimos 30 anos, o México se globalizou muito. As relações exteriores são parte muito importante da economia do país. E cerca de 80% das exportações do México vão para os Estados Unidos. Com uma economia tão dependente do exterior, em especial dos EUA, a crise econômica norte-americana acaba repercutindo diretamente”, explica.

A adoção de um modelo marcantemente neoliberal acabou refletindo-se em um crescimento econômico lento, ao contrário de outros países da América Latina, que crescem com mais rapidez. Gabriel Mendoza Pichardo critica esse modelo, em especial por oferecer poucos empregos e alternativas de renda à sua população. O processo de imigração clandestina para os EUA era uma “válvula de escape”, diz ele, mas a recessão do país vizinho, somada ao aumento das restrições de fronteira, transformaram essa alternativa em algo inviável. “Está mais difícil ingressar, e quem entra não consegue mais sair (dos EUA). Antes, era um tipo de trânsito, estar nos Estados Unidos era algo temporário, então era algo que atraía muitas pessoas”, explica o professor. As políticas regionais também estão abandonadas no país. “Estamos tendendo a ter dois Méxicos distintos: o do norte, mais próximo dos EUA, e o do sul, que está se empobrecendo muito”.

A política neoliberal é hegemônica no México desde 1982, com a posse de Agustín de Iturbide, e se intensificou a partir de 1994, com o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). “Desde a adoção do atual modelo econômico, o México abandonou as relações com o restante da América Latina para dedicar-se à parceria com os EUA. E basicamente só com os EUA, nem mesmo com o Canadá, que também participa do tratado”, explica Pichardo. “É uma política que vem sendo seguida desde os anos 80, e não vejo possibilidade de mudança, pelo menos não com o atual governo. Teria que haver uma grande mudança do partido governante para que isso aconteça”.

"Com uma economia tão dependente dos EUA, a crise econômica norte-americana acaba repercutindo diretamente no México" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Eleição presidencial ocorre em 2012

Pichardo explica que a atual legenda do presidente Felipe Calderón, o Partido da Ação Nacional, é de direita – e seu principal adversário nas eleições de 2012, o Partido Revolucionário Institucional, também adotou políticas neoliberais quando foi governo no país. A tendência, indica o professor, é de que o Partido Revolucionário Institucional saia vencedor das eleições de julho do ano que vem, retornando ao poder, mas sem promover mudanças drásticas na política econômica. “É uma política insustentável, e não se vê no México, ao menos no momento, uma mobilização popular capaz de desafiar esse modelo. A tendência é de agravamento”, lamenta.

O que, de acordo com o economista, vai além da queda do poder de compra e de ofertas de emprego, refletindo também na crise institucional que toma conta do país. Consumido pelo crime organizado e por grupos que brigam pelo controle do narcotráfico e do contrabando, o México não deve encontrar estabilidade tão cedo. “Penso que o aumento do crime organizado está ligado diretamente a um modelo econômico que não está funcionando, que está falhando na geração de empregos e que está destruindo todos os sistemas de seguridade social. Há um desmantelamento dos serviços de saúde, de educação e moradia. Tudo isso cria impactos sociais e abre espaço para atividades à margem da lei. Não vejo como se possa pretender dizer que são coisas separadas”, acentua.

Atualmente, o México é considerado o país mais perigoso das Américas para jornalistas e o segundo do mundo, atrás apenas do Paquistão. A violenta guerra entre narcotraficantes provocou mais de 28 mil mortes no país nos últimos três anos. Para jornalistas, a estatística é igualmente sombria, com 80 mortos ou desaparecidos na última década. Dada a ameaça permanente aos jornalistas locais, muitos veículos de imprensa simplesmente abandonaram a cobertura relacionada ao narcotráfico. Segundo a ONU, a alta criminalidade é causada pela “impunidade geral” que impera no país, com boa parte dos crimes não recebendo investigação adequada e uma grande ocorrência de atos de corrupção em órgãos governamentais.

Mudar a política econômica no México, país historicamente na rota do tráfico internacional de drogas, seria necessário para diminuir o poder do crime organizado, acredita Pichardo. Ele acentua que o governo deveria ser mais ativo em todos os sentidos, mas dá especial destaque à economia. “Uma das ideias centrais do neoliberalismo é diminuir o tamanho do Estado, e é justamente isso que tem ocorrido no México, levando a um desastre social. Mudar o caminho seguido pelo México requer mudar completamente a política econômica do país, adotando um modelo mais desenvolvimentista”, defende o professor.


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