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11 de outubro de 2011
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19:25

Lei Geral da Copa atropela legislação brasileira, afirma Idec

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Sul 21
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Ricardo Texeira, Pelé, Dilma, Joseph Blatter e João Havelange | Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da Republica
Caso a Lei Geral da Copa seja aprovada, as legislações ficarão em suspenso durante a competição | Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da Republica

Igor Natusch

Sediar a Copa do Mundo, maior evento do futebol mundial, pode custar ao Brasil mais do que os investimentos em estádios e obras de infraestrutura. Segundo órgãos de defesa do consumidor, a Lei Geral da Copa, entregue ao Congresso no mês passado, é um atentado à soberania nacional, colocando o Brasil em uma posição subserviente à FIFA, em termos de legislação. A questão motivou ação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que lançou campanha intitulada “Copa sem direitos não dá jogo”, propondo mudanças no texto e pedindo que os internautas enviem carta a autoridades brasileiras para pedir que as leis brasileiras sejam respeitadas.

Leia mais:
– Copa do Mundo pode ter tribunal especial a pedido da Fifa

A Lei Geral da Copa, segundo os críticos, entra em discordância com parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do Idoso e Estatuto do Torcedor. Além disso, contradiz leis estaduais que regulam critérios para meia entrada nos estádios de futebol. Essas determinações impõem restrições de valor e exceções que se opõem ao procedimento padrão da FIFA, que é de controlar os preços de todos os produtos e atividades ligados direta ou indiretamente aos jogos da Copa.

A FIFA é contrária à meia entrada, além de solicitar áreas exclusivas nas cercanias dos estádios, onde apenas a entidade poderia controlar os produtos oferecidos e valores cobrados. Quer também que sejam revistos os critérios da lei brasileira para reembolso e anulação de compras, em especial na venda de ingressos pela internet. Caso a Lei Geral da Copa seja aprovada pelo Congresso, as legislações sobre esses tópicos ficarão em suspenso do início ao final da competição. Na prática, as leis brasileiras serão temporariamente anuladas, em nome de recomendações e exigências da FIFA.

Guilherme Varella, advogado do Idec: "A excepcionalidade de um evento não pode ser justificativa para supressão de direitos" | Foto: Divulgação/Idec

Para a Idec, FIFA quer “pairar acima da legislação”

Em resposta, o Idec encaminhou no último dia 3 uma carta à presidenta Dilma Rousseff e aos ministros Orlando Silva (Esporte) e José Eduardo Cardozo (Justiça) onde elenca uma série de críticas ao texto da proposta. “O torcedor é, antes de tudo, um consumidor”, explica Guilherme Varella, advogado do Instituto. “Ele pagará por ingressos, camisetas, viagens e outras coisas. Precisa ser protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. O que a Lei Geral da Copa propõe é que a FIFA seja um fornecedor privilegiado, pairando acima da legislação e adotando, na prática, um estado de exceção durante a Copa do Mundo”.

Segundo ele, há um potencial flagrante de inconstitucionalidade na atual redação da lei. Uma das principais questões envolveria a possibilidade de venda casada durante os jogos, o que afronta a legislação brasileira. “Partidas de menor demanda, entre seleções menos competitivas, serão vendidas mais barato. Em compensação, a lei deixa brechas para que partidas maiores, inclusive as que envolverem a seleção brasileira, tenham a compra do ingresso condicionada a outro produto, como camiseta, hospedagem ou até ingresso para outro jogo de menor interesse”.

Guilherme Varella lamenta que a Lei Geral da Copa não especifique com clareza quais são as responsabilidades da FIFA na organização e desenrolar da Copa do Mundo. “Pelo contrário, carrega nas responsabilidades de consumidores e do governo, enquanto dá à FIFA prerrogativas como definir preços, condições de reembolso e de cancelamento, mudança de datas. Tudo sem a obrigação de informar o torcedor”.

A carta do Idec enviada ao governo federal exige que não haja qualquer retrocesso na legislação em nome da organização da Copa, com a FIFA compatibilizando sua atuação aos diplomas legais existentes no país. Pede também que seja garantida a manutenção das leis estaduais de meia entrada, bem como a proibição de áreas de exploração comercial exclusivas e uma delineação mais clara de quais são as responsabilidades da FIFA. “A excepcionalidade de um evento não pode ser justificativa para supressão de direitos”, ressalta Guilherme. O Idec colocou no ar um site, onde os interessados podem reforçar o protesto do órgão enviando uma mensagem, que será encaminhada para a presidência da Fifa, Presidência da República, Ministério do Esporte e Ministério da Justiça, entre outros.

Romário: “Se não colocar a FIFA no seu lugar, daqui a pouco ela estará mandando mais que a nossa presidente” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Romário: “Brasil não é escravo da FIFA”

Em declarações concedidas no último domingo, o ex-jogador e atual deputado federal Romário (PSB-RJ) fez duras críticas à Lei Geral da Copa e em especial às exigências apresentadas pela FIFA. “Se não colocar a FIFA no seu lugar, daqui a pouco ela estará mandando mais que a nossa presidente”, disparou. Segundo ele, a previsão da FIFA de que perderia R$ 180 milhões com as restrições impostas pela lei brasileira não é justificativa para o Brasil deixar sua legislação em suspenso. Ao mesmo tempo, garantiu que irá propor emendas ao texto enviado ao Congresso, pedindo garantia de meia entrada a idosos e acesso gratuito para deficientes físicos.

No Twitter, o parlamentar foi ainda mais incisivo nas críticas à FIFA. “Vai ter lucro de bilhões e não quer pagar uma conta de R$ 180 milhões? Tem que ter meia entrada e quem tem que pagar a conta é a FIFA”, acentuou. “O Brasil tem de parar com esse negócio de ser escravo da FIFA. A soberania do país tem de ser respeitada”.

Uma reunião entre técnicos da FIFA e representantes do governo brasileiro está prevista para a próxima quinta. O objetivo do encontro é repassar a Lei Geral da Copa ponto a ponto, para garantir que as exigências da entidade foram contempladas, além de esclarecer eventuais dúvidas. Segundo o ministro do Esporte, Orlando Silva, a principal preocupação é dar “segurança jurídica” para que os preparativos do evento possam ter continuidade.

O ministro garante que as principais preocupações da FIFA não se referem às leis de defesa ao consumidor, e sim a pontos como o andamento das obras e a preparação dos estádios, além da infraestrutura envolvendo aeroportos, telecomunicações e fornecimento de energia elétrica. Mas admitiu que as leis de meia entrada para estudantes, por serem de esfera estadual ou municipal, devem ser discutidas diretamente com governos estaduais e prefeituras, sem a participação do Executivo federal.


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