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7 de outubro de 2011
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09:58

Economistas debatem integração latina no pós-neoliberalismo

Por
Sul 21
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Debate reuniu seis economistas de diferentes países no auditório da FEE, em Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

A década de 1990 foi talvez o período em que os países latino-americanos estiveram mais integrados economicamente. As políticas macroeconômicas eram convergentes e o predomínio, das ideias neoliberais. Foi quando ocorreu, de fato, uma abertura dos mercados com o surgimento de blocos como o Mercosul. A derrocada deste modelo deu lugar à visão desenvolvimentista e a uma integração que ainda está sendo interpretada. “O avanço da integração hoje é dado pelo crescimento econômico dos países sul-americanos. Há também um avanço dos investimentos, como os que o Brasil tem feito nos países vizinhos”, explicou o assessor técnico da presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), André Calixtre, na tarde desta quinta-feira (6), em mesa-redonda que fez parte da série de debates “Perspectivas da América Latina frente ao Pós-Neoliberalismo”, organizada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) do Rio Grande do Sul.

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Calixtre acrescentou que o viés da integração não é mais livrecambista, como era o paradigma dos anos 1990, mas sim de união aduaneira, de instrumentos comuns de defesa comercial frente a outros blocos ou países. “Este tipo de integração deve se acentuar com a crise”, afirmou.

O economista ressaltou os desafios que a integração econômica traz. Um dos principais é a geração de desigualdades. “Toda a integração econômica gera desigualdades. O problema é como criar uma estrutura que reverta isto. Se não reverter, um dos problemas pode ser, por exemplo, a expansão do capital brasileiro que já tem gerado tensões”, afirmou Calixtre.

Consolidar a União de Nações Sul-Americanas (UNASUR) deve ser outro desafio, bem como o Banco do Sul. A União foi ratificada há poucos meses pelo Congresso brasileiro, mas há resistências no país quanto à adesão ao banco. “Uma parte do Estado brasileiro é contra”, disse o assessor técnico da presidência do IPEA.

Calixtre: “Vários diplomatas brasileiros que se tornaram contra a ALCA eram favoráveis. Era um paradigma” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Histórico da (não) integração

André Calixtre mostrou em seu painel um panorama histórico da integração econômica na América Latina. Após a independência das ex-colônias viveu-se um largo período em que a integração era impossibilitada pela visão agroexportadora. A economia dos países latinoamericanos era voltada para fora, para os países desenvolvidos. “O modelo não era próprio à integração”, resumiu o economista.

A ruptura se deu com a ascensão de governos com viés desenvolvimentista no continente, em meados do século XX. “A integração passou a ser vista como um modo de superar o subdesenvolvimento”, relatou Calixtre. Entretanto, os governos buscavam, antes de tudo, fortalecer suas indústrias nacionais, o que fez que a integração não se concretizasse na prática. Assim naufragou, por exemplo, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), criada em 1960, em Montevidéu. “Havia um bloqueio material à integração”.

A década de 1980 foi a que os países latinoamericanos sofreram com a dívida pública e iniciaram a transição para a financeirização de sua economia. Nos anos 1990, houve o paradigma comum de globalização e neoliberalismo. E um sentimento de que a criação de blocos de livre comércio era inevitável. “Vários diplomatas brasileiros que se tornaram contra a ALCA eram favoráveis. Era um paradigma”, afirmou Calixtre. Neste contexto, o Mercosul seria para o Brasil uma preparação para uma abertura maior.

Entretanto, a crise econômica que submeteu vários países do América Latina levou à derrocada do modelo neoliberal e abortou a ALCA. Porém, o pós-neoliberalismo, ressaltou Calixtre, é uma superação do neoliberalismo que ainda dialoga com ele, ou seja, mantém algumas de suas características. A mais sensível delas é a preponderância do capital financeiro, que persiste no continente.

“Precisamos de modelos industriais complementares”

Após a explanação de André Calixtre, quatro economistas que vieram do exterior para participar dos eventos da FEE debateram a crise econômica e a integração regional, em mesa presidida pelo presidente da entidade, Adalmir Marchetti. Veja o que eles disseram:

Musacchio: "Nossas matrizes tributárias permanecem taxando o consumo, não o lucro" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Andrés Musacchio – Universidad de Buenos Aires (UBA)

“Só pode haver integração se houver modelos industriais complementares. Não se faz integração por solidariedade, mas por interesses que se complementam. As relações Brasil-Argentina têm sido tensas por restrições comerciais, por não terem modelos complementares.”

“Há dois tipos de neoliberalismo. Aquele de livre mercado, mas também o que faz a destruição do mercado interno para exportar, que reduz os custos salariais. Acho que não há um avanço decidido no processo de distribuição de renda na América Latina. O Brasil fez um pouco mais que a Argentina, mas sobre uma necessidade maior. Sintomático desta falta de distribuição é que as matrizes tributárias permanecem taxando o consumo, e não os lucros. Devemos fazer a integração pela redução das desigualdades dentro de cada país e entre os países”

Duménil: "Grécia não pode e não deve pagar a dívida" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Gerard Duménil – Paris X

“A Grécia não pode e não deve pagar a dívida. Sair da Zona do Euro não resolveria em nada o problema, porque o país teria uma moeda fraca e a dívida se tornaria muito mais difícil de ser paga. Então, o problema é como partilhar o bolo. A Grécia talvez possa pagar um pouco da dívida no futuro. Os governos das potências europeias devem colocar dinheiro no Fundo de Estabilização que criaram. O Banco Central Europeu vai comprar títulos da dívida grega, mas os bancos também devem perder”

“O protecionismo vai aumentar com a crise, mas protecionismo não é crime. Ele não pode é se tornar um princípio, como foi o livre mercado para os neoliberais. Era quase uma religião”

Cortés: "Crise coloca em xeque a OMC" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Claudio Eduardo Lara Cortés – Universidad de Arte y Ciencias Sociales (ARCIS), do Chile

“Em um período de crise a integração pode ser forçada pela realidade, para que os países se defendam de terceiros. A atual crise tem colocado em xeque instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). O protecionismo não é uma tendência com a crise, ele já está em marcha. E o maior dos protecionismos são os subsídios da Europa e dos Estados Unidos a sua atividade econômica”

“Capitais de países desenvolvidos buscam outros lugares. A pergunta é se estamos frente a capitais que vão desenvolver setores da economia de nossos países ou se são meramente especulativos? O Chile teve U$ 15 bilhões de investimentos no ano passado, 80% disto eram reinvestimentos a partir dos lucros das mineradoras. Países da América Latina estão deixando de comerciar com os Estados Unidos e Europa para comerciar com a China, e a América Latina está voltada novamente para o setor primário”

"Temos que discutir se nossos países vivem desindustrialização relativa, absoluta, ou se isto atinge apenas alguns ramos de nossa indústria" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Gabriel Mendonza Pichardo – Universidad Nacional Autónoma do México (UNAM)

“Minha visão é pessimista de que possa haver mudanças no processo neoliberal do México. Algumas coisas que passam no Brasil mostram que é possível”

“Temos que discutir se nossos países vivem desindustrialização relativa, absoluta, ou se isto atinge apenas alguns ramos de nossa indústria. E também se não estamos passando direto para o setor terciário, sem ter completado a industrialização”

“Mexicanos precisam de visto para entrar nos Estados Unidos e no Canadá. A integração do NAFTA é reduzida”


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