Se o torcedor pertence ao time, por que não os jogadores? Muito raramente o torcedor aceita o novo destino de um jogador idolatrado. Mudar de time não é a mesma coisa que mudar de lugar de trabalho, embora o jogador seja, como é, um profissional que ganha a vida com suas pernas. A paixão pela camisa não tem muito a ver com o futebol moderno, mas o torcedor castiga o delito da deserção. Em 1989, quando o jogador brasileiro Bebeto trocou o Flamengo pelo Vasco da Gama, houve torcedores do Flamengo que iam às partidas do Vasco da Gama apenas para vaiar o traidor. Choveram ameaças contra ele, e o feiticeiro mais temível do Rio de Janeiro lançou sua maldição. Bebeto sofreu um rosário de lesões, não podia jogar sem se machucar e sem que a culpa lhe pesasse nas pernas, e foi de mal a pior, até que decidiu ir para a Espanha. Algum tempo antes, na Argentina, Roberto Perfumo, durante anos a grande estrela do Racing, se transferiu para o River Plate. Seus torcedores de sempre lhe dedicaram uma das mais longas e estrondosas vaias da história:
– Percebi então que eles tinham gostado muito de mim – disse Perfumo.
(Eduardo Galeano. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 125-126.)
O trecho acima da crônica “Fervor da camisa” ajuda a explicar a relação de amor e ódio da torcida gremista para com Ronaldinho. Principalmente, as palavras de Perfumo sobre a sonora vaia que levou dos torcedores que antes o idolatravam.
Nossa mágoa contra Ronaldinho se deve principalmente ao fato de que nós gostávamos muito dele (fosse um perna-de-pau qualquer, já teria sido esquecido). Depois daquela decisão do Gauchão de 1999, quando ele fez o gol do título e ainda entortou Dunga, fez a torcida delirar ao dizer que jogaria até de graça pelo Grêmio e que o importante não era dinheiro, mas sim, “jogar por amor a camisa”.