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6 de setembro de 2011
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17:54

Sem proposta do governo, regulação da mídia ainda é tabu

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Sul 21
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Marco regulatório da comunicação foi defendido na Confecom, em 2009 | Foto: Rogério Tomaz Jr./Divulgação

Rachel Duarte e Daniel Cassol

A moção aprovada pelo 4º Congresso do PT no último domingo (4) trouxe novamente à tona o debate sobre o marco regulatório das comunicações. Com ele, as reações contrárias da oposição e das grandes empresas de comunicação, que vêem na proposta uma tentativa de “censura” à imprensa brasileira. Assunto tabu no Brasil, a regulação do mercado de mídia enfrenta oposição, também, pela ausência de uma proposta concreta do governo federal.

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O que deveria ser uma proposta da resolução política do congresso petista acabou virando uma moção de apoio ao tema. No entanto, o discurso da executiva, incluído no documento, reforçou os ideais petistas sobre a democratização da mídia.

“A inexistência de uma Lei de Imprensa, a não regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da propriedade cruzada de meios, o desrespeito aos direitos humanos presente na mídia, o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos tolhem a democracia, silenciam vozes, marginalizam multidões, enfim criam um clima de imposição de uma única versão para o Brasil”, diz o documento. O partido defende a restrição a oligopólios e à propriedade cruzada dos meios de comunicação, além de investimentos nas empresas públicas como a Empresa Brasil e Comunicação (EBC) e a Telebrás.

A imprensa viu um recuo nas posições do PT. “O que recuou foi o noticiário da mídia. O PT tirou uma posição colocando uma agenda política a discussão da regulação da mídia”, afirma o sociólogo e jornalista Venício Artur de Lima. “Um partido político reafirmou posições que estão implícitas na Constituição e ainda provoca reações desse tipo. Há um nó nessa área que não consegue ser desatado”, critica.

Celso Schröder, presidente da Fenaj: "o sistema de comunicação se tornou tão intocável e encoberto devido às interpretações sobre censura e política que associam ao tema" | Foto: Agência Brasil

Regular a comunicação é tabu no Brasil

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, diz que, na prática, a defesa do PT não é diferente do que a sociedade civil aprovou em 2009, na 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “Naquela ocasião estavam presentes todos os envolvidos no processo de comunicação no país, até as empresas de telecomunicações. E uma das decisões unânimes foi a criação de um Conselho Nacional de Comunicação. Nós não temos hoje um órgão fiscalizador ou controlador de regras e leis para a comunicação”, aponta.

“O problema é que este assunto é tabu no Brasil. O sistema de comunicação se tornou tão intocável e encoberto devido às interpretações sobre censura e política que associam ao tema. Diferente dos Estados Unidos, aqui sempre imperam os interesses patrimoniais e comerciais”, afirma o presidente da Fenaj.

“É uma regulação do mercado”, resume Venício Lima. “No Brasil, o mercado é oligopolizado ou monopolizado em algumas regiões. Mesmo as regras que já existem, como a concentração da propriedade, não são obedecidas”, explica.

A proposta de um novo regulatório para o setor de radiodifusão é discutida desde o início do governo Lula. Em janeiro deste ano, o Ministério das Comunicações recebeu proposta de novo marco regulatório elaborada – mas não fechada – no ano anterior pelo ex-ministro Franklin Martins. O texto atualizava o Código Brasileiro de Telecomunicações, que é de 1962.

Para enfrentar os interesses dos grandes empresários das telecomunicações que poderão fazer lobby nos deputados contra a aprovação de um marco, o governo Dilma preferiu contemplá-los e incluir, no mesmo projeto, uma proposta de atualização da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que é de 1997.  Juntar o debate de um novo marco regulatório da radiodifusão com a revisão da LGT seria uma forma de o governo contar com um aliado de peso (as teles) para tentar fazer o projeto avançar no Congresso.

João Brant | Foto: Fli Multimídia/Divulgação
“Não sabemos o que virá do governo, mas o documento do PT marcou posições que são importantes e que não vinham sendo destacadas pelo ministério das Comunicações”, avalia João Brant, do Intervozes | Foto: Fli Multimídia/Divulgação

Divulgação está sendo protelada pelo governo

Para o integrante do coletivo Intervozes, João Brant, de concreto pouco se avançou desde o texto de Franklin Martins. “De concreto mesmo, não há nada. O que tem é uma perspectiva do governo atual em avançar no texto do ex-ministro para pensar além do marco regulatório e ter uma proposta adequada à convergência tecnológica da comunicação”, explica.

Segundo o ativista, o governo prometeu entregar uma versão até outubro. “Mas ainda não será o anteprojeto que irá ao Congresso”, diz. Com um futuro ainda incerto, o marco regulatório das comunicações deve avançar de forma lenta. “Não sabemos o que virá do governo, mas o documento do PT marcou posições que são importantes e que não vinham sendo destacadas pelo ministério das Comunicações”, avalia.

Para Venício Lima, não há explicações para o fato de, após oito anos de governo Lula, o projeto não ter sido apresentado. “Eu acho que não dá mais para esperar. Se esse governo é uma continuidade do outro, são nove anos de governo. Eu escuto essas coisas a vida inteira. Essas explicações não significam nada, a não ser que, se o projeto existe, a sua divulgação está sendo protelada pelo governo”, afirma o sociólogo, que critica a atuação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. “Eu não vejo essa vontade expressa nas falas do ministro das Comunicações. Vejo como muito positiva as decisões do congresso do PT, porque mostram que há uma diferença entre o PT e o governo”, avalia.

Para João Brant, o congresso do PT serviu para reascender o debate sobre a democratização da mídia, que estava silenciado demais para um governo que anunciou a reforma das comunicações como meta. “O peso disso agora se dará na capacidade da sociedade aproveitar esta onda e pressionar o governo. Defender os nossos pontos também será fundamental”, alerta.

Venício Lima: "Governo federal não coloca na rua um projeto de marco regulatório e dá margem que os interesses contrários façam as mais estapafúrdias acusações" | Foto: Rogério Tomaz Jr./Divulgação

Governo contribui para reações contrárias

As propostas do governo para a democratização da comunicação serão apresentadas aos poucos, a fim de testar a opinião pública e a resistência do Congresso. Segundo reportagem da Agência Carta Maior, o ministro Paulo Bernardo deve lançar uma consulta pública, ainda sem data prevista.

A sociedade civil também fará sua consulta pública, diz João Brant, do Intervozes. O objetivo é preservar os pontos aprovados na 1ª Confecom. “Nós vamos definir 20 tópicos principais, como a propriedade cruzada, as outorgas por políticos e a universalização da banda larga”, pontua.

João Brant, o governo não pode esquecer de fortalecer as rádios comunitárias, hoje marginalizadas no país, e de contemplar a diversidade étnico-racial e de gênero nas políticas públicas a serem criadas. “Isso reforçará a liberdade de expressão. Não podemos pensar em liberdade partindo da cabeça do dono do veículo”, defende.

Na avaliação do presidente da Fenaj, Celso Schroder, após o debate da Confecom, o país está mais preparado para enfrentar o debate do marco regulatório das comunicações no Congresso. “Temos um momento propício para encaminhar uma proposta para aprovação. O que aprovamos na conferência foi de comum acordo com todos os setores. Se o debate se tornar agora ideologizado ou partidarizado, corremos o risco de perder uma oportunidade e acabarmos sendo massacrados, como ocorreu com a exigência do diploma de jornalista e a criação de um conselho de jornalistas”, afirma.

Para Venício Lima, o fato de o governo não apresentar um projeto concreto acaba impulsionando a onda contrária à regulamentação da comunicação. “Na medida em que o governo federal não coloca na rua um projeto de marco regulatório, ele próprio dá margem que os interesses contrários a qualquer forma de regulação façam as mais estapafúrdias acusações, porque não se tem um texto de referência para fazer a discussão. Se houvesse um texto, discutiríamos o que está lá”, defende.


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