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4 de setembro de 2011
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13:38

Patrimônio: Porto Alegre ganhará um novo centro cultural em 2012

Por
Sul 21
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Clube do Comércio e Cine Imperial, que fará parte de um novo Centro Cultural l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira (texto) e Flavia Boni Licht (consultora)

Num pequeno trecho da Rua da Praia, que vai da Rua General Câmara à Rua Caldas Jr, podem ser admirados três prédios tombados como patrimônio histórico. Dois deles – Clube do Comércio e Cinema Imperial – pelo município, e o terceiro – Museu de Comunicação Hipólito José da Costa – pelo Estado. Eles contam a história de Porto Alegre. “Quem olha para eles se sente fazendo parte deste mundo do final do século XIX e início do século XX”, afirma a arquiteta e professora do curso de Arquitetura e Patrimônio Arquitetônico no Brasil, da PUC, Glenda Cruz. “Somos resultado de um passado, às vezes, mais criativo do que hoje”, diz, na defesa da preservação de prédios como estes que contêm um pouco da história da cidade. “Infelizmente – conclui – eles estão sendo destruídos, cedendo lugar a uma arquitetura horrorosa, de caixotões”.

Acompanhe a série Patrimônio Histórico:
– Viaduto Otávio Rocha, um alumbramento
Restaurar custa três vezes mais do que conservar
Travessa dos Venezianos clama por cuidados
Concluída parte do restauro da Igreja da Conceição
Falta tombar as telas do Instituto de Educação
– Obra de restauro da Praça da Alfândega termina em junho de 2012

Glenda explica que o Museu de Comunicação, criado durante o governo de Borges de Medeiros, para ser sede do jornal A Federação, lançado em janeiro de 1884, faz parte da história republicana do Estado. O Clube do Comércio, identificado pela leitora Suzana Brochado, nas fotos publicadas na semana passada, relembra a história de uma sociedade que costumava se reunir em clubes. Já o Imperial ainda está na memória dos jovens dos anos 50 e 60 que iam às matinês de domingo para namorar. Os três prédios são testemunhos da história política e cultural da cidade. Hoje, apenas o Clube do Comércio segue com a mesma função de reunir integrantes da sociedade porto-alegrense.

Clube do Comércio: o Palácio Rosa de muitos bailes l Foto: fotosantigas.prati.com.br

O Cine Teatro Imperial está passando, ao mesmo tempo, por um restauro e uma reforma, como explica o arquiteto Aurélio Viero, responsável pela obra que está sendo feita pela Caixa Econômica Federal (CEF) desde 2009. A expectativa é de que a CEF entregue à cidade, no final do primeiro semestre de 2012, o Centro Cultural em que está sendo transformado o Imperial, com o cine teatro, salas multiuso e salas de multimídia. O investimento total, com recursos da Caixa, deve chegar a R$ 26 milhões.

Pesquisa recria material utilizado na fachada do cinema

Responsável pelo restauro da fachada, o engenheiro Fernando Recena, da Cientec, informa que o prédio era revestido por uma argamassa mais resistente que as demais existentes na época, produzida por uma fábrica que se chamava Cirex, nome pelo qual o material passou a ser conhecido. Para restaurar a fachada do cinema, foi necessário fazer uma série de pesquisas, a fim de reconstituir o material utilizado. Os estudos se estenderam por seis meses até ser encontrada a fórmula da argamassa que imitava pedras e foi muito utilizada nas primeiras décadas do século XX. “O Palácio Piratini, a Igreja São Geraldo e os edifícios da Avenida Farrapos são todos revestidos neste material”, afirma Recena.

Cinema Imperial, em 1960 l Foto: ronaldofotografia

A fachada, portanto, voltará a ter a mesma aparência de quando o edifício foi inaugurado, em 18 de abril de 1931. “Não ficará igual, igual”, afirma Recena, que reconhece a dificuldade do restauro. Ele afirma que a fachada deverá estar concluída até o fim do ano. A cor será a original: creme claro. O tombamento foi feito pela Prefeitura, em 2003.

Aurélio Viero lembra que uma das grandes dificuldades encontradas foi a necessidade de escavar a rocha sobre a qual a plateia do cinema estava construída. Luiz Merino Xavier, arquiteto do Programa Monumenta que, por solicitação da Secretaria Municipal de Cultura, acompanha a obra, conta que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) demorou muito para dar a licença necessária à escavação. Paulo Cesa, arquiteto responsável pelas obras da parte interna, explica que o projeto de restauro e reciclagem do prédio, feito pela Solé Engenharia, previa “outra curvatura da plateia, compatível com teatro” e também as obras de climatização, que exigiam a escavação das rochas.

Um dos primeiros prédios altos de Porto Alegre

Projetado por Agnello de Lucca e Egon Weinderfor, o Imperial foi, juntamente com o Cinema Victória e o antigo Hotel Jung, um dos primeiros edifícios em concreto armado e com mais altura construídos em Porto Alegre, lembra Cesa. “Também foi um dos primeiros a ter apartamentos duplex”, diz o arquiteto. O imóvel, além do cinema, no térreo, e do mezzanino, tinha outros 11 andares, onde – segundo Luiz Merino – deverá será instalada a Secretaria Municipal de Cultura. Nos fundos do cinema havia um pequeno terreno. Nele começa a ser construído o prédio de sete pavimentos, que servirá de sede ao Centro Cultural da CEF.

Rua da Paria em 1961, com o cinema e o clube l Foto: fotosantigas.prati.com.br

Cesa afirma que o espaço do antigo cinema está passando por um restauro meticuloso, assim como os demais andares do prédio, que chama de “Torre”. O hall de entrada, criado pelo arquiteto espanhol Fernando Corona, voltará a ser como era, com seus mármores, luminárias, ornamentos em forma geométrica e com alguns elementos de arte pré-colombiana. O cinema voltará a ter o seu mezzanino, onde funcionou durante anos o Cine Guarani, e o forro será em estuque. As poltronas para 800 pessoas serão totalmente novas. “Não sobrou uma para contar história”, diz Cesa.

O Imperial que, de acordo com Cesa, tem um estilo clássico, com traços de Art Déco, está intimamente ligado à Praça da Alfândega, antiga Praça da Quitanda. Esta era a área comercial da cidade, lembra Glenda. “A Praça nasceu ao longo da Rua da Praia, que levava à parte alta da cidade, onde viviam os mais poderosos”, afirma a professora. Glenda alerta que uma parte – a baixa, comercial – completava a outra, alta, em que se instalava o poder. “Elas tinham funções diferentes. Não que uma fosse menos do que a outra. Na Rua da Praia havia estabelecimentos de altíssimo gabarito”, ressalta.

A arquiteta Flavia Boni Licht acredita que “esses vários depoimentos trazem um pouco de luz às questões colocadas por alguns leitores referentes à demora da restauração de um bem cultural, resultado de um longo processo -– prévio à execução e, também, durante as intervenções -– de estudos e pesquisas multidisciplinares, envolvendo inúmeros profissionais”. Como exemplo, ela cita “o trabalho que está sendo executado no Cine Imperial e que inclui desde a averiguação minuciosa do tipo de revestimento, como explicitado pelo engenheiro Fernando Recena, um dos maiores especialistas brasileiros nessa área, até detalhes que possibilitam a reutilização quase que absoluta das esquadrias originais, a recuperação dos lustres, dos mármores e dos diversos ornamentos”. Flavia ressalta ser “necessário tempo para que se recuperem e se desvelem as características formais e o valor histórico de um monumento considerado significativo para a nossa cultura”.

A fachada do Cine Imperal, atualmente coberta, deverá estar totalmente restaurada até o fim do ano l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

O glamour dos bailes de debutantes

Fundado em 1896 por comerciantes e feirantes, o Clube do Comércio só teve sua sede construída em 1938, sendo inaugurado em 1940. Dos 13 andares do edifício, os quatro primeiros pertencem ao clube, que ficou conhecido – devido ao revestimento externo em cirex rosa – como o Palácio Rosa. Nos seus salões eram feitos grandes bailes e recebidas autoridades nacionais e internacionais. Ali foi recepcionado, em 1958, o presidente da Itália Giovani Gronchi. E Getúlio Vargas promoveu grandes banquetes.

Clube do comércio: local de banquetes e bailes l Foto: reprodução

O Baile do Perfume tornou-se sua marca inesquecível. Este baile de debutantes era promovido em parceria com a Perfumaria Coty e, por isso, o nome. O primeiro foi realizado em 1943. Quando o Clube completou 100 anos, em 1996, foi realizada a última edição do Baile do Perfume. As jovens desfilavam pelos salões dos Espelhos e de Cristal.

Nos anos 50 e 60, os bailes eram animados pelo Conjunto Norberto Baldauf, que se formou em 1953. Baldauf lembra que ele tocava na Orquestra de Ernani Marino, na Rádio Gaúcha, quando decidiu formar o seu conjunto. Passou a ter um programa só seu na Rádio. “Naquela época, os conjuntos eram de três pessoas. Começamos com quatro, cinco. Passamos para sete e ficamos com oito”, relembra. O cantor era Edgar Pozzer que, atualmente, se apresenta no Bar Girassole em Porto Alegre. Pozzer – recorda Baldauf – era a estrela, com inúmeras fãs. As jovens enlouqueciam, principalmente, quando ele cantava em italiano.

Primeiro Baile do Perfume l Foto: Clube do Comércio

“Tocávamos músicas nacionais – samba, baião, que estava muito na moda –, músicas românticas (bolero) e norte-americanas, o fox, que aparecia muito nos filmes”, conta Baldauf, que continua se apresentando. Agora, segundo ele, com menos frequência. No Clube do Comércio chegavam a reunir mil pessoas nos bailes do Perfume, da Primavera e do Reveillon. Pararam de animar estas reuniões depois que surgiram o rock e os conjuntos de rock. “Houve uma debandada do nosso público”, diz o músico.

A arquitetura do prédio, tombado pela Prefeitura em 1995, é moderna, com traços de Art Déco e Art Noveau, diz a professora Glenda Cruz. Paulo Cesa diz que ele tem uma linguagem clássica. Luiz Merino Xavier informa que o prédio passou por um restauro, a cargo do Programa Monumenta, em 2007. Para ele, o mais importante foi o restauro dos vitrais. A obra teve um investimento de R$ 699,98 mil.

Clube do Comércio: criado por comerciantes e feirantes l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Restauro do Clube foi concluído em 2007 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Apesar de criado em 1896, clube só foi construído em 1938 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Inauguração do Clube ocorreu em 1940 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Clube do Comércio voltou a ser o Palácio Rosa l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Nos salões do Clube, os bailes reuniam mil pessoas l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
De 1930 a 1970, o Clube foi lugar de grandes banquetes e bailes l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

De sede de jornal a Museu da Comunicação

Museu de Comunicação: antiga sede do jornal A Federação l Foto: panoramio.com

O engenheiro civil Teófilo Borges de Barros foi responsável pela construção do prédio em que funcionaria o jornal A Federação, principal órgão do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), de Borges de Medeiros. O jornal surgira em 1884, ainda durante a Monarquia, como meio de propaganda das ideias republicanas de Assis Brasil e Júlio de Castilhos. Em 1937, durante o Estado Novo, o jornal foi extinto. Um ano depois, o edifício passou a sediar o Jornal do Estado e, posteriormente, o Diário Oficial.

Glenda afirma que o prédio possui uma linguagem eclética. Cesa explica que o ecletismo se fez presente no Brasil até o final da II Guerra. Segundo Glenda, a antiga sede do jornal republicano tem uma arquitetura que simula o poder, os palácios. Desde 1974 é sede do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, tendo sido tombado pelo Estado em 1982.

Arquitetura do Museu tem uma linguagem eclética l Foto: Ramiro Furquim

Luiz Merino informa que o local passou por uma restauração parcial, como parte do Programa Monumenta. As obras foram feitas em 2010 e custaram R$ 239 mil. “O prédio estava muito desorganizado”, afirma o arquiteto. Fizeram, então, intervenções pontuais para que o Museu pudesse funcionar melhor. Promoveram a pintura externa e dos ornatos, transformaram o porão num espaço que pode ser utilizado para exposições e coquetéis, por exemplo, e resolveram os problemas existentes na sala em que está o acervo de cinema. Do hall retiraram uma escada em caracol, que descaracterizava o Museu. Luiz Merino lembra que o prédio sofreu uma série de alterações ao longo do tempo, o que torna difícil – senão impossível – a restauração nos mesmos patamares de quando foi construído. “Não se tratou de uma restauração, mas de uma recuperação”, afirma.

Responsável pela obra da sede do jornal A Federação, hoje Museu, foi o engenheiro Teófilo Borges de Barros l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Museu de Comunicação foi criado em 1974 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Museu de Comunicação: investidos R$ 239 mil no restauro parcial l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Antigo prédio do jornal republicano guarda a história da comunicação l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

Endereços

— Clube do Comércio – Rua dos Andradas 1085 – Centro Histórico – Porto Alegre
— Cinema Imperial – Rua dos Andradas, 1051 – Centro Histórico – Porto Alegre
— Museu de Comunicação Hipólito José da Costa – Rua dos Andradas, 959 – Centro Histórico – Porto Alegre

De onde são?

Admire bem as fotos de Ramiro Furquim e veja se você descobre de que prédio elas são. Uma dica: este patrimônio cultural fica na Cidade Baixa, em Porto Alegre.

Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21
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Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21

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