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13 de setembro de 2011
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09:56

Em Honduras, jornalistas são mortos sem resposta das autoridades

Por
Sul 21
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Em 18 meses, 15 jornalistas e comunicadores foram mortos em Honduras | Foto: Felipe Canova/Brasil de Fato

Igor Natusch

Depois dos eventos que levaram à deposição do presidente eleito Manuel Zelaya, em 2009, Honduras volta a atrair, por motivos pouco nobres, a atenção da opinião pública internacional. O assassinato do comunicador Medardo Flores, ocorrido no final da semana passada, elevou para 15 o número de jornalistas mortos no país nos últimos 18 meses. Crime cometido um dia depois de outro assassinato: Emmo Sadloo, personagem que se tornou símbolo da resistência popular contra o golpe que derrubou Zelaya. De acordo com o Repórteres Sem Fronteiras, Honduras está ao lado do México entre os países mais perigosos para o exercício do jornalismo na América Latina.

Flores trabalhava na Rádio Uno, da cidade de San Pedro Sula, noroeste do país. Segundo relatos de emissoras locais de rádio, o comunicador foi cercado e morto a tiros enquanto dirigia seu carro no distrito de Rio Blanquito. Medardo Flores, originalmente um fazendeiro, graduou-se no ano passado em uma escola de radialistas do Instituto de Ciências da Comunicação em San Pedro Sula. Integrava também o departamento de finanças da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), comandada pelo presidente deposto Manuel Zelaya.

Os números são macabros para jornalistas em Honduras. Com o assassinato de Flores, são nada menos que 10 jornalistas mortos só em 2011. A morte anterior havia sido a de Israel Zelaya Díaz, radialista da Rádio Internacional, ocorrida no final de agosto. O jornalista atuava desde os anos 60, tendo trabalhado nas rádios HRN e Radio América, duas das maiores do país, e também na redação do diário La Tribuna. Israel foi encontrado morto em uma estrada que margeia plantações de cana-de-açúcar em Villanueva, povoado próximo a San Pedro Sula. Foi alvejado três vezes na cabeça, sem que levassem o dinheiro ou os objetos que trazia consigo.

Polícia hondurenha reprime manifestação da Frente Nacional de Resistência Popular | Foto: Felipe Canova/Brasil de Fato

Mortes têm “impacto trágico”, diz Repórteres Sem Fronteiras

“É isso que as autoridades de Honduras têm feito com frequência desde o golpe de Estado de junho de 2009”, diz um comunicado da organização Repórteres sem Fronteiras, acrescentando que as mortes têm “um impacto trágico” sobre a liberdade de imprensa no país. No momento, apenas um jornalista hondurenho foi incluído oficialmente na lista mundial da entidade referente aos jornalistas mortos em função de sua atividade profissional. Trata-se de Nahum Palacios Arteaga, diretor de notícias do Televisora de Aguán-Canal 5. Alvo de ameaças notórias, supostamente vindas do Exército de Honduras, Arteaga foi morto a tiros no dia 15 de março deste ano.

Mesmo assim, o Repórteres Sem Fronteiras realça que a falta de conclusões das autoridades hondurenhas no caso de Israel Zelaya Díaz “não deve ser usada como pretexto para afastar a possibilidade de que esse crime esteja relacionado com o trabalho da vítima como jornalista, ou que tenha tido motivações políticas”.

Entre as outras vítimas da caçada a jornalistas em Honduras está David Meza Montesinos, que trabalhava na Abriendo Brecha TV e na rádio El Patio, em La Ceiba, cidade portuária ao norte do país. Depois de denunciar atividades criminosas na costa hondurenha, Montesinos foi assassinato a tiros, em março, por pistoleiros ainda não identificados. Mês de março, aliás, que foi especialmente mortífero para jornalistas em Honduras. Nada menos que cinco profissionais de imprensa foram assassinados no período – além de Montesinos e Arteaga, foram mortos o repórter de Tegucigalpa Joseph Hernández Ochoa (em um atentado que deixou outro jornalista, Karol Cabrera, gravemente ferido) e os radialistas José Bayardo Mairena e Manuel Juárez. Os dois últimos eram empregados nas emissoras Excélsior e Super 10 e foram mortos juntos em uma emboscada na cidade de Juticalpa, na província de Olancho, leste do país.

Assembleia da Frente Nacional de Resistência Popular de Honduras | Foto: Felipe Canova/Brasil de Fato

“Matam dez repórteres e ninguém fica sabendo”

De acordo com Tracy Wilkinson, da sucursal mexicana do Los Angeles Times, mesmo que as mortes tenham disparado após o golpe que derrubom Manuel Zelaya, apenas parte dos crimes contra jornalistas em Honduras parece ter motivação política. “Às vezes são crimes políticos, da direita e da esquerda, mas geralmente estão relacionados com a ascensão de gangues bem armadas e bem organizadas, seja de traficantes ou contrabandistas, que não querem jornalistas fuçando em seus lucrativos negócios”, argumenta.

A leitura do Repórteres Sem Fronteiras, porém, coloca muito mais responsabilidade sobre as costas do governo de Porfírio Lobo. “Serão as promessas do governo hondurenho para a ONU e a OEA de melhorar a situação da mídia sendo usadas como uma cortina de fumaça para poder atingir alvos junto à mídia de oposição ou independente?”, pergunta a entidade. “Temos todas as razões para acreditar que sim, levando em conta os últimos acontecimentos e a total falta de proteção a setores mais vulneráveis da mídia”.

Há também quem acredite que, longe de serem explicações diferentes, as duas questões estão intimamente interligadas. Gerardo Torres, ligado ao FNRP e crítico feroz do governo de Porfírio Lobo, declarou ao Latin Dispatch que a administração hondurenha está, direta ou indiretamente, mergulhada no tráfico de drogas que toma conta da região. A corrupção, segundo ele, leva o governo a ser tolerante com os crimes ou até mesmo a promovê-los diretamente. “Em qualquer outro lugar, dez jornalistas seriam mortos e todo mundo ouviria falar disso. Aqui em Honduras, matam dez repórteres e ninguém fica sabendo”.

O Repórteres Sem Fronteiras coloca a responsabilidade sobre as costas do governo de Porfírio Lobo, que destituiu Manuel Zelaya | Foto: Presidencia/Luis Echeverria

“Em Honduras, dizer a verdade é um crime”

Quando da morte de Bayardo Mairena e Manuel Juárez, a diretora geral da UNESCO, Irina Bokova, pronunciou-se em termos duros quanto ao morticínio de jornalistas em Honduras. “Esses crimes desprezíveis contra profissionais de mídia abalam os alicerces do direito à liberdade de informação, pilar fundamental de uma sociedade democrática. Conclamo as autoridades hondurenhas a fazer todo esforço possível para prender os responsáveis e dar um fim a essa onda intolerável de violência”.

Palavras que, pelo visto, não tiveram o impacto esperado junto ao governo de Porfirio Lobo Sosa. Até o momento, nenhuma das mortes ocorridas desde o golpe de junho de 2009 foi esclarecida pelas autoridades do país. De acordo com José Alemán, jornalista hondurenho que escapou de um atentado no final de março deste ano, a falta de respostas aumenta a apreensão dos profissionais de imprensa do país. “Em Honduras, é um crime dizer a verdade para as pessoas. Quando jornalistas trazem informações sobre questões como drogas ou corrupção, alguns editores dirão para que eles trabalhem em outra coisa. Você não pode confiar em ninguém, apenas em Deus, porque no fim das contas você está sozinho”.

O chefe de Alemán no jornal El Tiempo, Rubén Escobar, reforça a ideia de que a autocensura tornou-se algo corriqueiro para os jornalistas locais. “Alguns veículos simplesmente pararam de cobrir as ações dos traficantes de drogas. A autocensura está se disseminando”.

As estatísticas funestas envolvendo jornalistas são tristemente igualadas pelo alto número de morte em outros setores da sociedade hondurenha. Segundo o The Miami Herald, entre 2008 e maio deste ano foram assassinados 60 advogados, 155 mulheres e 56 integrantes da comunidade LGBT – números que, na leitura do jornal norte-americano, colocam Honduras como uma das maiores taxas de assassinatos do hemisfério ocidental.


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