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9 de setembro de 2011
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19:17

Crise no Chile é de representação política, diz pesquisador

Por
Sul 21
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Professor Robert Funk, da Universidad de Chile, analisa as raízes das revoltas estudantis no seu país: "O que está por trás dos movimentos é que o povo não suporta mais a falta de representação política e democrática" | Foto: Jonathan Heckler/CMPA

Vivian Virissimo

Para o cientista político chileno Robert Funk, as mobilizações que ocorrem há três meses no Chile têm como pano de fundo uma crise de representação política. Em passagem por Porto Alegre para participar de um seminário na Câmara de Vereadores, o professor da Universidade do Chile analisou o governo de Sebastián Piñera e os protestos estudantis, que crescem para outras categorias. “O que está por trás dos movimentos é que o povo não suporta mais a falta de representação política e democrática”, afirma, em entrevista ao Sul21.

O professor universitário realiza pesquisas sobre a relação entre as elites e o sistema político chileno. Na sua avaliação, o presidente Piñera nomeou ministros demasiadamente “aristocráticos”, não sabendo lidar com os primeiros protestos, o que provocou o aprofundamento da crise e das críticas ao sistema político. Piñera apresenta os maiores índices de rejeição desde a redemocratização do país na década de 1980.

Segundo Robert Funk, a classe média está apoiando o movimento dos estudantes, liderados por Camila Vallejo, presidenta da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), e por Giorgio Jackson, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile (Feuc). “Eles dizem o que muita gente pensa há muito tempo, mas não diz. Por isso têm ganhado legitimidade”, aponta o pesquisador.

"A maioria dos chilenos não se sente representada no gabinete de Piñera. São da elite, com sobrenomes aristocráticos, formados em Harvard, não são representantes da maioria do país" | Foto: Presidência Chile

Sul21 – Num panorama de grandes protestos, como os que ocorrem na Europa e nos países árabes, o Chile é o único caso na América Latina. Por quê?

Robert Funk – Eu creio que se combinam três coisas. Primeiramente, há a influência do que está ocorrendo na Espanha e na Europa. Não é a primeira vez que se sai às ruas no Chile. Isto foi muito frequente na época da ditadura, no final do período Pinochet. Quando houve a transição para a democracia, a própria esquerda que estava no poder com o Partido Socialista não queria que as pessoas saíssem às ruas, pois tinham o objetivo de dar mostras de sua capacidade de governar. Então eles trabalharam muito com os setores sociais para evitar protestos. Por 20 anos houve demandas reprimidas politicamente, mas isto agora mudou. O segundo elemento é que o período de transição para a democracia terminou e se iniciou um governo de direita que não manejou muito bem a situação, não se deu conta que a mobilização não era somente um ruído, mas que havia problemas reais por trás. O terceiro elemento é que se combinam vários tipos de manifestações, além das estudantis. Ocorrem manifestações pela preservação do meio ambiente e pela diversidade sexual, por exemplo. São temas distintos que têm algo em comum, pois todos tratam da questão da representação. As pessoas não se sentem representadas com relação a estes temas.

Sul21 – Desde a redemocratização no Chile, o governo de Sebastián Piñera apresenta os maiores índices de rejeição. Pesquisas apontam índices tão baixos quanto os do ditador Augusto Pinochet. O senhor considera que isso ocorre por quais motivos?

Robert Funk – São menores que os do Pinochet, muito menores, embora não se deve comparar com um com o outro. Efetivamente, Piñera não tem uma personalidade muita querida. Pinochet era querido, cometeu muitos crimes, mas ele tinha algo de que as pessoas gostavam, o carisma. Piñera não. Piñera fez uma campanha eleitoral que se baseava na questão de fazer as coisas bem, seu slogan era “a nova forma de governar”, o que significava, mais ou menos, fazer o mesmo, mas fazê-lo bem. E ele não o fez, fez pior. Com disse antes, ele não reagiu bem às manifestações, não deu uma sensação de governabilidade, pelo contrário.

Sul21 – O senhor mencionou uma crise de representação política. Por quais motivos o povo chileno não se sente representado?

Robert Funk – Em primeiro lugar se deve ao sistema eleitoral. A Câmara dos Deputados, por exemplo, está organizada para representar apenas a minoria. [Na época da ditadura militar o país foi redividido em 60 distritos eleitorais e, para as eleições legislativas, cada distrito passou a ter o direito a duas cadeiras na Câmara dos Deputados]. Em segundo lugar há a questão social. A maioria dos chilenos não se sente representada no gabinete de Piñera. São da elite, com sobrenomes aristocráticos, formadas em Harvard, não são representantes da maioria do país.

Sul21 – Em que contexto Piñera chegou à presidência do Chile?

Robert Funk – A “Concertación” [coalizão de partidos políticos de centro-esquerda que governou o Chile de 1990 a 2010], após 20 anos, estava esgotada. Era uma coalizão que se formou para entrar na democracia, depois para ganhar a eleição, depois para manejar a transição. Mas, depois de 20 anos, a razão de ser da Concertación não tinha mais sentido. As pessoas diziam: para que eleger a Concertación? E o candidato não era tão bom. As pessoas não queriam uma grande mudança e a campanha de Piñera era “não vamos mudar muito, mas vamos fazer melhor”. Depois de 20 anos, as pessoas não queriam grandes mudanças programáticas, elas só queriam mudar os dirigentes.

"Ocorrem manifestações pela preservação do meio ambiente e pela diversidade sexual, por exemplo. São temas distintos que têm algo em comum, pois todos tratam da questão da representação. As pessoas não se sentem representadas com relação a estes temas" | Foto: Marcos S. González Valdés/Flickr

Sul21 -Toda essa mobilização de estudantes e professores ocorre para fazer uma transição do modelo de ensino. Além disso, a grande bandeira do movimento é pela gratuidade do ensino. Quais seriam os piores aspectos da educação no Chile e quais seriam as saídas possíveis neste contexto?

Robert Funk – Eles alegam que este modelo de educação é parte do modelo econômico, este é o problema de fundo. O modelo de educação vem da época do Pinochet, faz parte do intento de privatizar a economia. Na minha opinião, o pior não é o modelo educacional, o pior é o sistema educacional. Todas as pessoas estão falando do modelo estrutural, do negócio de educação, só que estamos falando da maneira que educamos nossos filhos. O sistema educacional é demasiado hierárquico, não permite que as pessoas aprendam, pensem, analisem.

Sul21 – Outra questão das mobilizações é o custo da educação no Chile, um dos mais caros do mundo. O movimento luta por acesso ou para garantir a qualidade da educação?

Robert Funk – O valor da educação no Chile é muito caro, isto é um problema. Porém, agora estamos pensando em qualidade, porque o que faz a educação privada é ampliar a cobertura. No Brasil somente 10% ou 15% dos jovens que pode estudar estão na universidade, no Chile são 60%. Isso é cobertura, agora temos que garantir qualidade.

"Eles (os estudantes) dizem o que muita gente pensa há muito tempo, mas não diz. Por isso têm ganhado legitimidade" | Foto: Reprodução

Sul21 – Se percebe também que são vários atores sociais, não participam apenas estudantes, professores ou sindicalistas. Até mesmo o setor de mineração entrou em greve.

Robert Funk – Não se trata somente de educação, tem a ver realmente com o sistema econômico e com o sistema de representação política. Estes temas se juntam e atraem o apoio de outros movimentos sociais. Mas o movimento só funciona na medida que tem o apoio da classe média. Quando começar a perder este apoio terá que mudar sua postura e negociar mais.

Sul21 – Como a sociedade chilena percebe a atuação da líder estudantil Camila Vallejo?

Robert Funk – Não é somente ela, são vários líderes combativos, há Giorgio Jackson e vários outros que são muito bons. Eles dizem o que muita gente pensa há muito tempo, mas não diz. Por isso têm ganhado legitimidade. Além disso, são comunistas, são do Partido Comunista, mas não estão vinculados, não representam o partido, já que os partidos políticos são muito mal avaliados no país. Isto lhes dá certa força política no sentido que estão fora do sistema político. Porém, há o perigo de entrarmos num sistema onde as pessoas ganhem uma eleição simplesmente pela sua personalidade.


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