Aumento no número de vereadores é pauta em uma centena de cidades do RS

Por
Sul 21
[email protected]
vereadores novo hamburgo
População nas ruas de Novo Hamburgo se manifesta contra mais vereadores | Foto: Mobiliza Inconformados

Felipe Prestes

Pelo menos 67 câmaras municipais gaúchas já decidiram que terão maior número de vereadores a partir de 2013 e mais de 30 discutem o aumento. Os dados são da União dos Vereadores do Rio Grande do Sul (Uvergs) e foram atualizados pela última vez em agosto. Comportamento recorrente da população, em vários municípios que discutem ou discutiram o assunto, tem sido ir às ruas para dizer que não quer mais representantes.

Saiba mais:
– Municípios que terão mais vereadores a partir de 2013
– Municípios que ainda discutem aumentar o número de cadeiras nas câmaras
– Municípios que decidiram não aumentar o número de vereadores

Os vereadores se defendem. Para o presidente da Uvergs, Antônio Baccarin, vereador do PMDB em Entre-Ijuís, a população é desinformada por parte da mídia. Os eleitores, segundo o dirigente, acreditam que o aumento do número legisladores vai retirar verbas de áreas essenciais como a saúde. O orçamento dos legislativos seguirá sendo o mesmo, garante.

Para entender o aumento do número de edis é preciso voltar às eleições municipais de 2004, para as quais o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de resolução, estabeleceu um número máximo de vereadores que os municípios poderiam ter, calculado a partir do número de habitantes. Com a resolução, mais de oito mil cadeiras de vereador foram extintas em todo o país.

A partir dali se seguiu uma luta dos vereadores para recuperar o tamanho das câmaras, que culminou com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sancionada em 2009. Foi o que desencadeou a atual onda de votações nas câmaras Brasil afora para aumentar o número de vereadores. Ao todo são 122 municípios gaúchos que podem ampliar as cadeiras em seus legislativos. Os municípios restantes têm menos de 15 mil habitantes, e devem manter o número mínimo, de nove vereadores.

Algumas das maiores cidades do Rio Grande do Sul passaram por discussões recentes e definiram pelo aumento, como Caxias do Sul (de 17 para 23), Canoas (de 14 para 23), Passo Fundo (de 12 para 21) e Pelotas (de 15 para 21). Cerca de 20 municípios devem manter o número de vereadores, entre eles Porto Alegre (36) e São Leopoldo (13). Entre as cidades que ainda discutem o tema estão Novo Hamburgo (14 para 21), Rio Grande (13 para 21), Santa Maria (14 para 21) e Uruguaiana (11 para 15).

Posições diferentes em partidos e municípios

Estabelecer um quadro sobre quem é contra e a favor do aumento de vereadores é complexo. Há siglas, por exemplo, que têm combatido o aumento em alguns municípios e defendido em outros. A divisão interna nos partidos ocorre dentro das próprias câmaras.

O PT em Novo Hamburgo vem se opondo à ampliação de cadeiras. A bancada do partido foi uma das que votou, na última quinta-feira (15), a favor de uma emenda à Lei Orgânica do município que tenta manter o número de 14 vereadores. Com oito votos, a emenda foi derrotada em 1º turno (precisava de pelo menos dez votos). O 2º turno da votação ocorrerá no dia 4 de outubro. Já o PMDB se dividiu, com dois votos para cada lado. A mobilização para manter o número de vereadores em Novo Hamburgo partiu da população e da OAB. Um abaixo-assinado, encabeçado por um movimento intitulado Mobiliza Inconformados, recolheu mais de dez mil assinaturas.

santa maria
Cidadãos de Santa Maria lotaram a Câmara em audiência pública sobre o aumento de vereadores | Foto: Gabriela Perufo/Câmara Municipal de Santa Maria

Em Santa Maria, PT havia fechado questão em torno do aumento para 21 cadeiras, mas recuou dizendo que só apoia a ampliação se o número de assessores para cada vereador diminuir. Se os três vereadores do partido mantiverem esta posição, o aumento fica inviabilizado, porque metade da Câmara já está contra a mudança. Na cidade da região central do Estado, uma audiência pública foi realizada na última quarta-feira. Nela, manifestantes levaram faixas dizendo “representatividade não é quantidade”, mas a União das Associações Comunitárias pediu maior número de vereadores, na esperança de ter mais regiões da cidade contempladas. Mais de 50 cidadãos fizeram uso da palavra na audiência. Uma comissão especial, formada por três vereadores, analisa o aumento de cadeiras na Câmara.

Em Uruguaiana, a bancada do PSDB detém cinco dos 11 vereadores e, a pedido do prefeito e colega de partido Sanchotene Felice, tem barrado a possibilidade de aumento. Rio Grande, como Novo Hamburgo, já tinha em sua Lei Orgânica a previsão de 21 cadeiras desde 2004. Por isso, o vereador Renato Albuquerque (PMDB) articula uma emenda para que a Câmara do município permaneça com os 13 vereadores atuais. O prazo máximo para quaisquer mudanças é até 4 de outubro, para que as alterações vigorem nas eleições do ano que vem.

Cidades que já aprovaram o aumento do número de vereadores também registraram protestos. Em Caxias do Sul houve passeatas com grande adesão, em Santa Cruz do Sul panelaços. Até em pequenos municípios, como Carlos Barbosa (25 mil habitantes), jovens foram às ruas.

baccarin
Orçamento das câmaras se manterá, garante presidente da Uvergs | Foto: Douglas Cypriano/Câmara Municipal de Novo Hamburgo

“Estão tentando botar o povo contra os vereadores”

Para o presidente da Uvergs, Antônio Baccarin, mais vereadores significa mais representatividade. Ele considera que quanto mais legisladores, mais a população dos municípios estará contemplada e defende que o orçamento dos municípios não terá alterações pelo aumento de vereadores. “O orçamento das câmaras se mantém. Não haverá aumento de gastos, apenas de representatividade. Parte da mídia está tentando colocar uma cortina de fumaça. Estão tentando botar o povo contra os vereadores. Dizem que vai faltar dinheiro para obras, para a saúde”, argumenta.

Baccarin afirma que para ter mais vereadores muitas câmaras precisarão reduzir os vencimentos e número de assessores por parlamentar. Ele aponta que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita os gastos das câmaras e que, portanto, não há riscos de que os legislativos extrapolem suas despesas. Além disso, as câmaras já perderam recentemente, por lei, 14% de seus orçamentos. “Em muitas câmaras os vereadores terão que diminuir os próprios salários. Isto ninguém fala, não dá Ibope”, diz.

Para o presidente da Uvergs, os vereadores são o elo mais fraco da política e, por isto, os mais atacados. Ele recorda, por exemplo, do caso do reajuste dos vencimentos de legisladores de Porto Alegre, barrado pelo Tribunal de Contas. “Os vereadores de Porto Alegre só aumentaram seus salários por efeito do aumento dos deputados federais. Com os deputados ninguém fez nada. Aí o aumento dos vereadores não pode. Porque não falam dos deputados federais ou do Judiciário, que sempre aumenta seus gastos?”, questiona.

Baccarin afirma que a LRF traz consequências severas para os presidentes de câmaras municipais e com prefeitos de pequenas cidades que cometem erros na gestão do dinheiro público. O mesmo não acontece nas grandes cidades, nos governos, assembleias e em Brasília. “Nunca vejo baterem em tubarão, só em lambari”.

Vereador afirma que gastos aumentarão

Partidos que se manifestam contra o aumento discordam de Baccarin, como o PSOL de Santa Maria. A Executiva do partido manifestou em nota, no início do mês de setembro, que a Constituição não obriga as câmaras a gastarem todo o percentual destinado a elas, “havendo vontade política, o percentual de gastos pode ser menor”.

Também segundo o partido, o aumento dos vereadores não tem relação direta com a participação da população, o que seria garantido com consultas diretas à população sobre assuntos polêmicos.

campeão vargas
Vereador projeto menos verba para a saúde em Guaíba | Foto: Câmara Municipal de Guaíba

Quem também discorda de Baccarin é o vereador de Guaíba José “Campeão” Vargas. O município de 95 mil habitantes deverá ter uma mudança sensível no número de vereadores. A alteração na lei federal permite à cidade da Região Metropolitana passar de seus 10 edis para 17. Recentemente, 9 vereadores fizeram acordo para que a Câmara local passe a ter 16 parlamentares a partir de 2013. Preocupado, Vargas, o único a não aceitar o acordo, procurou o Sul21 para denunciar que haverá aumento de gastos de R$ 800 mil anuais no Legislativo. E que a Câmara de Guaíba vinha economizando recursos anualmente, que eram repassados à saúde.

“Nos últimos anos, aqui na Câmara Municipal, ao final do exercício financeiro do ano, a sobra de dinheiro era devolvida para o Executivo conforme prevê a Lei, então se tornou praxe o Legislativo poupar. Solicitávamos e éramos atendidos, que o dinheiro fosse repassado via projetos de lei,  para instituições com APAE, ou para projetos sociais  e ainda para a compra de equipamentos médicos para os nossos hospitais”, conta o vereador.

Afastamento entre a população e a política

O cientista político Luiz Gustavo Grohmann, da Ufrgs, concorda com a crítica do PSOL de Santa Maria e do vereador de Guaíba quanto ao orçamento das câmaras municipais. “Se vai dinheiro para o Legislativo é claro que ele poderia ter ido para outro lado. Se diz que o Legislativo tem orçamento próprio porque o Executivo não tem ingerência sobre ele, devido à autonomia dos poderes”, explica.

Grohmann, contudo, vê a questão do número de representantes de forma complexa.  Ele estudou os efeitos da diminuição dos vereadores em todo o Brasil em 2004 e detectou que a medida diminuiu muito pouco com o multipartidarismo do país, porque os partidos grandes foram os que mais perderam representação. Por outro lado, o número de eleitores que ficou sem ter seu voto contemplado com representação nas casas legislativas aumentou.

O cientista político defende que o sistema de representação brasileiro é bem mais adequado para as grandes cidades que para os pequenos municípios, onde as câmaras ocupam um papel muito periférico. “No Brasil há muita regulação sobre os municípios pequenos. As representações municipais deveriam ser livres, têm que ter mais possibilidade de ousar nas representações”. Um exemplo disto são os Estados Unidos, onde há municípios que têm apenas conselhos administrativos, sem prefeito, entre outras formas de representação política.

Por paradoxal que pareça, Grohmann vê a participação da população se manifestando contra o aumento dos vereadores como uma consequência de sua falta de participação, de seu afastamento das decisões políticas, o que explica o hiato entre o que o cidadão deseja de seu representante e a atuação do eleito. O cientista político defende que a sociedade não só tem que cobrar mais pelo atendimento de suas demandas, mas também entender melhor como são tomadas as decisões, como se lida com o orçamento, bem como participar efetivamente das decisões, pleiteando maior espaço para tanto. “A sociedade tem que se envolver mais com os gastos do governo para ver o que está em jogo. Reivindicar mais espaços de governo”, diz.

Alheia a este processo boa parte da sociedade não se sente contemplada pelos legisladores e passa a pregar uma “solução fácil”, que é se opor à representação legislativa. “A solução mais fácil é dizer ‘acaba tudo’, mas se ficar tudo com o Executivo o problema vai permanecer”, avalia.

abramo
Claudio Abramo: Não há argumento sócio-político que justifique mais vereadores | Foto: Divulgação

“O aumento é uma demanda dos políticos”

Para Cláudio Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, o aumento do número de vereadores é uma demanda totalmente desligada dos anseios das comunidades. “Basicamente isto é uma demanda dos políticos, dos partidos. Amplia a base de empregos dos partidos, fortalecendo-os economicamente. Não tem nada a ver com as comunidades, não é uma demanda da população”, afirma.

Abramo afirma que a última coisa com que as casas legislativas têm se preocupado é com fiscalizar as administrações, o que as torna quase irrelevantes. “Qualquer raciocínio sócio-político que defenda o aumento do número de representantes fica prejudicado, porque com qualquer número de vereadores eles não cumprem com seu papel”, diz.

Para o diretor da Transparência Brasil a imagem ruim que boa parte da população tem dos políticos decorre da atuação deles. “Imagem é a consequência de um comportamento. Os legislativos têm um comportamento abaixo da crítica”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora