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29 de agosto de 2011
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09:58

Roberto Siegmann: “Inter peca em democracia e transparência”

Por
Sul 21
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Ex-dirigente do Internacional, Roberto Siegmann critica atual presidente Giovanni Luigi e o excesso de poder de Fernando Carvalho no clube: "Em 2005, nós queríamos um Inter sem dono e transparente; hoje, pecamos em democracia e transparência" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes e Milton Ribeiro

Juiz do trabalho e diretor do Foro Trabalhista de Porto Alegre, Roberto Teixeira Siegmann deixou a vice-presidência de futebol do Internacional no dia 18 de julho, junto com o técnico Paulo Roberto Falcão, que havia contratado. Na entrevista coletiva de despedida do clube, Siegmann já havia deixado claras as suas divergências com o atual presidente Giovanni Luigi e com a forma como vem sendo administrado o Internacional. Em entrevista ao Sul21, um mês e meio após sua saída, ele aprofunda suas críticas e defende que o grupo político do qual faz parte – na direção do Inter desde 2002 – precisa se repensar.

“Em 2005, nós queríamos um Inter sem dono e transparente; hoje, pecamos em democracia e transparência”, afirma Siegmann. O ex-vice de futebol do Inter recebeu o Sul21 na terça-feira (23) da semana passada, em seu gabinete na Justiça do Trabalho.

Na entrevista, Siegmann conta por que decidiu desmantelar o Inter B, diz que abriu o clube para outros empresários – “havia uma centralização” – e que mais não fez por bater de frente com o “Novo Testamento de Fernando Carvalho”, ex-presidente do Internacional, que ainda manteria ampla influência sobre a direção, pelo “temor reverencial por parte do presidente” Luigi.

“Um presidente lento e corajoso ainda seria aceitável, mas suas tomadas de decisões são muito demoradas”, dispara Siegmann. O atraso na reforma do Beira-Rio, segundo o ex-dirigente, teria relação com a tomada de decisão demorada.

Sem medir muitas palavras, o ex-dirigente do Inter aponta uma “cultura de idolatria” no clube, que trouxe de volta o ídolo Fernandão para ser diretor de futebol. Para Siegmann, não vai dar certo. Na entrevista, ele refere-se ao futebol como uma “máfia”, critica as federações e os interesses estabelecidos dentro dos clubes do futebol, de quem se diz um apaixonado. “Sei como são feitas as salsichas, mas ainda assim como”, define.

Leia abaixo a entrevista com Roberto Siegmann.

"No caso dele (Delcir Sonda), há o problema de ele ser muito rico e colorado, então age como se fosse meio dono do clube. Eu abri o clube para outros empresários que não vinham trabalhando no clube. Havia uma centralização em dois ou três" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O que deu e o que não deu certo em seu período como diretor de futebol do Inter?

Roberto Siegmann – O que deu certo foi a reestruturação do departamento de futebol. Conseguimos uma economia de aproximadamente R$ 2 milhões mensais na folha de pagamento e a conquista do Campeonato Gaúcho, que estava quase perdido. Acho que a avaliação do que foi feito no departamento de futebol só pode ser positiva.

Sul21 – Como foram obtidos esses R$ 2 milhões de economia na folha?

Roberto Siegmann – Primeiro resolvendo alguns problemas crônicos como Ilan e Edu (dois jogadores que vieram da Europa com altos salários e não deram resultados em campo), assim como a demissão de inúmeros jogadores do Inter B e de outros jogadores das categorias de base que estavam “empilhados”, sem perspectivas de utilização. Também houve a não renovação com o Rafael Sóbis. Então foram várias ações que resultaram em grande economia.

Sul21 – A que o senhor atribui o episódio de sua saída?

Roberto Siegmann – O presidente Giovanni Luigi é muito temeroso e lento para modificar quaisquer estruturas no clube. Um presidente lento e corajoso ainda seria aceitável, mas suas tomadas de decisões são muito demoradas. Não havia nenhuma tentativa de Fernando Carvalho de interferir no trabalho, porém um temor reverencial por parte do presidente em relação à figura de Fernando Carvalho. Qualquer coisa que pudesse atingir a memória ou aquilo que ele pensasse ser o patrimônio de Fernando Carvalho era evitado.

Sul21 –Era uma espécie de autocensura?

Roberto Siegmann – Sim, uma autocensura. Funcionava no imaginário.

"Não havia nenhuma tentativa de Fernando Carvalho de interferir no trabalho, porém um temor reverencial por parte do presidente em relação à figura de Fernando Carvalho" | Foto: Divulgação/Internacional

Sul21 – A manutenção do Celso Roth no início do ano foi um desses “temores reverenciais”?

Roberto Siegmann – Luigi foi engolido. Eu conversei com Vitorio (Piffero) e ele numa reunião do departamento de futebol onde parecia que prevaleceria a posição que era a seguinte: ganhando ou não, o Celso seria substituído. O motivo era simples. Se ganhássemos, nós já tínhamos a experiência com o Abel pós-Yokohama. Ele estava desmobilizado. Perdendo, era mais óbvia a necessidade de substituir, porque o Celso já tem um estigma de ser um treinador com mau relacionamento com as torcidas. Mas eu acho que o trabalho do Celso é perfeito em determinados momentos. Ele trabalha muito, é um sujeito muito íntegro, mas eu entendia que a derrota seria fatal. Em qualquer empate ou derrota, todos lembrariam de Abu Dhabi. E, realmente, quando eu o demiti, havia uma grande rejeição da torcida em relação a ele. De 70 a 80 sócios se desligavam do clube por dia, então eu achei que era o momento de trocar, mesmo contrariamente à posição do presidente.

Sul21 – O senhor falou em Ilan, Edu e outros jogadores que estavam sem utilização. Alguns desses jogadores são mantidos por pressão de empresários?

Roberto Siegmann – A princípio não. É que quando tu tens muito dinheiro, tu apostas em vários jogadores que possam desenvolver bom futebol. Eu não tinha muito. Então contratei o Cavenaghi que veio de graça, o Bolatti, que foi uma compra parceladíssima, o Zé Roberto, cuja negociação foi direta, e algumas apostas como o Siloé e o Gilberto. Porém, houve um momento no ano passado no Inter em que se contratava à rodo. Aí é fácil acertar, os erros não aparecem. Os empresários são muito úteis quando a gente precisa de alguém, são como corretores de imóveis, eles te orientam e às vezes fazem oferecimentos em condições vantajosas. Ou seja, há momentos em que pode ser bom ou ruim a presença deles. Sobre Edu e Ilan, não havia pressão de empresários, foram apenas duas tentativas que não deram certo. Quando isso acontece, o fato desafia o dirigente a tomar uma atitude. O Edu era uma pessoa admirada por todos no vestiário, tinha uma boa relação, mas estava mal e aquilo perturbava a todos. Isso contagia e então era melhor retirá-lo do vestiário. Só que para fazer isso há que assumir o erro. Uma das formas de resolver a questão é de ignorar o fato deixando-o cair no esquecimento.

Sul21 – Houve algum confronto quando da extinção do Inter B?

Roberto Siegmann – O Fernando Carvalho entendeu que sim, ele se sentiu atingido. Ele tinha montado aquele time, mas eu, no cargo, fiz o que achava melhor. E acho que tinha razão.

"Comecei a examinar cada contrato daqueles jogadores e tomei um susto: eram jogadores extremamente bem pagos que estavam numa zona de conforto, numa espécie de come-dorme. Foi o que me fez objetivamente a acabar com o Inter B" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O Inter tentou quebrar uma dependência para com os empresários? Eles influenciam, incomodam?

Roberto Siegmann – No meu período não houve interferência de empresários. Apenas no jogo contra o Corinthians, em São Paulo, houve um desconforto entre mim e o presidente, em função de uma reclamação do (Delcir) Sonda (investidor que detém os direitos econômicos de alguns jogadores do Internacional) de que ele havia sido mal tratado pelo Inter. Isso não é verdade. Eu simplesmente não abri para ele o alojamento, o local onde eram feitas as refeições, o ônibus que a delegação usa. O que é promíscuo não é a atuação dos investidores, isso é natural, é um mal necessário, como um corretor. Eles ganham, mas fazem um serviço, muitos deles fazem bons serviços. O que eu não permiti foi a promiscuidade da convivência. O Felipão também não permite isso e brigou com o Sonda. No caso do Sonda no Inter, há o problema de ele ser muito rico e colorado, então age como se fosse meio dono do clube. Eu vetei apenas isso. Eu abri o clube para outros empresários que não vinham trabalhando no clube. Havia uma centralização em dois ou três. Eu abri para empresários argentinos e italianos que trouxeram o Cavenaghi e o Bolatti. Houve também negociações diretas com o clube em que joga o atleta, como a do Zé Roberto, feita diretamente com o Vasco.

Sul21 – Logo após sua saída, houve um retorno inesperado de alguns jogadores anteriormente desaprovados, como Marquinhos e Wilson Mathias. A Convergência Colorada, grupo de conselheiros do Inter, atualmente pede detalhes dos contratos destes jogadores e dos de Jô e Rodrigo. Quem são os donos destes jogadores?

Roberto Siegmann – Pedem o do Dalton também. O Marquinhos foi surpreendente mesmo. Olha, eu tenho que acreditar que os donos dos passes destes atletas são aqueles que aparecem no papel. Quando eu extingui o Inter B, fiz um exercício bem racional: nós estávamos em meio ao Campeonato Gaúcho e à Libertadores, naquela época o treinador do Inter B era o Enderson Moreira, que a meu juízo não tinha a menor autonomia para escalar o time. Ele sofria a enorme influência de um ex-diretor das categorias de base que se chama Giscard Salton e eu via que ele obedecia. Havia também uma enorme diferença entre a forma como era controlado o grupo não tinha nada a ver com a forma muito mais rígida e cobradora do Celso Roth. As pessoas do Inter B eram “doces de pessoa”. Comecei a examinar cada contrato daqueles jogadores e tomei um susto: eram jogadores extremamente bem pagos que estavam numa zona de conforto, numa espécie de come-dorme. Foi o que me fez objetivamente a acabar com o Inter B. O meu limite foi aquela partida contra o Cruzeiro de Porto Alegre, quando fomos desclassificados. A zona de conforto era tamanha que ninguém apareceu para bater os pênaltis decisivos, os caras caíam em campo e sobrou para o goleiro Agenor bater pênalti. Então, após o jogo, eu entrei no vestiário, dei um chute numa lata de lixo e acabei com o Inter B. E mais: eu descobri que os jogadores do Inter B tinham medo de serem chamados pelo Celso Roth para treinar com o time principal por causa da rigidez. Estavam adaptados ao conforto.

"Luigi o presidente foi tirando cada vez mais poder do Aod porque ele estava batendo contra as mesmas contradições que eu enfrentava: atentar contra o Novo Testamento de Fernando Carvalho" | Foto: Divulgação/Internacional

Sul21 – Como foi a saída do Aod Cunha?

Roberto Siegmann – A saída do Aod foi muito parecida com a minha. Quando ele assumiu, a ideia era a de que precisávamos profissionalizar a administração do clube e de que seria necessário alguém suprapartidário. No comitê de gestão, eu pedi que só fossem contratados jogadores para as categorias de base com laudos assinados por alguém que os avaliasse. Houve alguns casos de jogadores que receberam avaliações conclusivas de que não se deveria contratar. Mas logo de cara o presidente Luigi pediu para que eu contratasse o “Joãozinho” e o “Pedrinho”. Isso estabeleceu um conflito, pois eu não poderia estabelecer uma regra para ser quebrada logo de início. O Aod ficou com a minha posição e nós começamos a formar uma espécie de parceria. Depois disso eu aceitei a ideia dele de cortar despesas no futebol, que é onde mais se gasta, desde que trabalhássemos com três orçamentos: um para um cenário positivo, outro para um médio e outro para um negativo. A redução de despesas também foi submetida a ele. Ele me apoiou quando da extinção do Inter B. Então, o presidente foi tirando cada vez mais poder do Aod porque ele estava batendo contra as mesmas contradições que eu enfrentava: atentar contra o Novo Testamento de Fernando Carvalho.

Sul21 – Houve algo com a Rede Globo, não?

Roberto Siegmann – Sim, houve. O presidente várias vezes descredenciou o Aod para que ele representasse o clube nas negociações. Sempre era necessário falar com o Carvalho antes. Então, ele me disse: ou o Fernando volta para o clube ou nós assumimos. Esse foi o problema do Aod.

Sul21 – Ao aceitar a nova distribuição dos direitos de TV, o Inter e o Grêmio assinaram seu atestado de pequenez em relação aos clubes de Rio e São Paulo?

Roberto Siegmann – Não. Nós temos que considerar nosso mercado. Não adianta fugir à realidade. Futebol é entretenimento e isso dá dinheiro. Como? Pela audiência. Onde tem mais audiência tem mais verba publicitária e maior retorno. Não dá para comparar nossa audiência com as do centro do país. É uma tendência óbvia. Agora, em contrapartida, nenhum outro lugar do país tem nossa dicotomia. Por que o Inter tem mais de 100 mil sócios? E por que o Grêmio pode chegar ao mesmo número? Porque o estado é dividido. Há 5 milhões de um lado e 5 de outro. Isso é um enorme desafio para a criatividade dos clubes de utilizar esse fator regional e fazer disso um grande negócio. Se a gente, numa hipótese louca, conseguisse um real por mês de cada torcedor, seríamos poderosíssimos. E o Grêmio também. O Inter tem 105 mil sócios. Essa relação direta do torcedor com o clube só nós temos. Isso não ocorre no centro do país.

"A situação financeira do clube é dramática. Se não vender o Damião, não tem como chegar ao fim do ano que vem" | Foto: Divulgação/Internacional

Sul21 – E a situação financeira do clube?

Roberto Siegmann – A situação financeira do clube é dramática. São 24 milhões de reais de deficit acumulados este ano. No ano passado, este déficit foi mascarado pela venda do Estádio dos Eucaliptos. O déficit foi minorado, mas a situação é dramática. A venda do Leandro Damião é uma questão emergencial. Se não vender o Damião, não tem como chegar ao fim do ano que vem. É só uma questão de preço, de oportunidade.

Sul21 – Por que os grandes clubes e as federações reelegem sistematicamente o Ricardo Teixeira? Qual é a vantagem? De que forma ele aglutina os dirigentes?

Roberto Siegmann – O futebol é uma máfia. Não tem nada mais parecido com a máfia do que o futebol. O futebol funciona, aqui e em nível internacional, em cima da troca de favores. Como a máfia funciona pela troca de favores. Então como é que as pessoas se elegem? Os presidentes das federações se elegem como? Ora, botando um gramado num campo do interior, abrigando as delegações em um hotel quando vão jogar fora de casa. Então, mediante pequenos favores, eles obtêm os votos tornando-se figuras absolutamente imbatíveis dentro de uma estrutura que não é nada democrática. A estrutura do futebol é tão antidemocrática que o presidente da Confederação Sul-Americana (Conmebol), Nicolás Leoz – que será mumificado na liderança do futebol sul-americano – tem uma declaração muito antiga de cada federação obrigando-se por si e por seus sucessores a votarem nele. É o restabelecimento da monarquia. E é assim na FIFA e nos países. Para quem gosta de Direito, há uma coisa fantástica. Sabemos que todas as nações são soberanas, com seu próprio Direito, sua Constituição, etc. Porém, o futebol tem uma estrutura própria que se sobrepõem às leis de cada país. Se a FIFA decidir punir um clube no Brasil, não adianta recorrer a ninguém.

O futebol é uma máfia. Não tem nada mais parecido com a máfia do que o futebol. Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Tudo amarrado entre si.

Roberto Siegmann – Claro. Todas as federações têm um Tribunal de Justiça Desportiva e quem indica seus membros? O presidente da Federação. Eu, quando bati de frente com o Noveletto (Francisco Noveletto, presidente da Federação Gaúcha de Futebol), quase levei seis meses de gancho. E junto com isso vêm as ameaças ao clube que poderia ficar sem disputar competições. Foi o que ocorreu em 2005. Fomos roubados e a estrutura do futebol não permitia que o Inter questionasse o ocorrido porque ficaria fora das principais competições. É uma estrutura mafiosa que pisa na democracia e no direito individual e ainda implica em malversação de verbas. O futebol move muito dinheiro e é algo sem controle nenhum.

Sul21 – E o papel da imprensa nisso tudo?

Roberto Siegmann – Querem saber? Vocês não vão bater em mim? Eu acho a imprensa esportiva a mais desqualificada de todas. Para ser jornalista econômico, o cara deve saber algo de economia; para ser jornalista político, o cara tem que ter um conhecimento mínimo de como as coisas funcionam e as competências de cada setor e órgãos. Para ser jornalista esportivo é só o cara falar bem e saber que são onze contra onze. Porque de resto é só inventar ou embelezar os fatos. Veja o rádio: temos três ou quatro emissoras que dedicam 60% de seus espaços com esporte. Não há tanto assunto. E em Porto Alegre só há dois clubes grandes. O que ocorre é a valorização da banalidade absoluta. Eu enfrentei o caso Índio no ano passado. Foi um massacre da imprensa para cima dele por causa daquele corte na mão. E eu bati de frente com a imprensa, blindei o Índio. Por quê? Ora, ele estava de folga. Não interessa se ele caiu em casa ou noutro lugar, temos que resguardar a individualidade, mas aquilo precisava virar notícia e escândalo. Os caras enlouqueceram, foram ao hospital, à polícia, etc. Então, quando do episódio, eu, mal comparando, falei com um editor de esportes de um grande jornal. Referi o acontecido com o neto de um grande empresário de comunicação e lhe disse que saíra uma notinha mínima. Quando, às seis da manhã, um artista da Globo cai no Arroio Dilúvio com seu carro e dá entrevista num estado que parece ser o de um alcoolizado dizendo que ia buscar a filha, sai outra notinha. Mas o Índio, que é do futebol, corta a mão e todo tipo de suposição é discutida. Eu só respeito o Ruy Carlos Ostermann, recém aposentado, que tinha uma visão de mundo que extrapolava os limites do futebol. Ele não se metia em fofocas.

Sul21 – Há jornalistas na folha de pagamento de clubes?

Roberto Siegmann – Há das mais variadas formas. Às vezes comprando livros, às vezes comprando CDs. Tem de tudo.

Sul21 – Sobre a parceria com a Andrade Gutierrez. Fala-se num recuo do Inter e que o novo contrato seria extremamente ruim para o clube…

Roberto Siegmann – É possível. O presidente Giovanni Luigi é uma pessoa de temperamento muito fraco. Quando assumimos em janeiro, fizemos uma avaliação da possibilidade de realizar as obras com recursos próprios. Aquilo era absolutamente fantasioso. O negócio era baseado na venda de 100 suítes ao valor de R$ 1 milhão. Vender uma suíte ou 100 no Maracanã ou em São Paulo é fácil porque são locais que aglutinam empresas que recebem muitas pessoas. Essas empresas convidam os visitantes para verem o jogo na suíte, ela é utilizada como uma ferramenta de negócio. Vender uma suíte por um valor desses para pessoa física é quase impossível pela nossa realidade econômica. Depois de todo o movimento feito, tínhamos algumas poucas promessas de venda. Promessas, não vendas efetivadas. Hoje, não é mais como construir o Beira-Rio nos anos 1960. Quando a gente fala em fazer o estádio, fala em concreto e em todo o entorno e mais a manutenção. O foco hoje é em conforto e comunicações. Então, naquela época surgiu a possibilidade da parceria com a Andrade Gutiérrez. Os estádios do país foram loteados. A OAS pegou o estádio do Grêmio e Manaus e assim por diante. Coube à Andrade Gutiérrez o Beira-Rio. Mais do que uma obra, para a Andrade Gutiérrez a construção é uma operação de marketing. Quando da Copa, a Andrade Gutiérrez trará um sheik ou um governante qualquer e mostrará o potencial da empresa. Então, para a Andrade Gutiérrez, este não é um negócio espetacular em si. É mais um trampolim.

"Duvido do interesse da Andrade Gutiérrez em fazer o negócio porque ela já viu qual é o perfil do presidente" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E a sua posição?

Roberto Siegmann – Eu e o Aod queríamos fazer a obra com a Andrade Gutiérrez, principalmente porque era preço fechado e se adequaria às exigências da FIFA. Ou seja, se o Blatter exigisse banheiros pintados de ouro, a empresa teria que pintá-los pelo preço fechado anteriormente, sem onerar o Inter. Em segundo lugar, eles teriam o usufruto de um shopping center por 20 anos quando nós sabemos que estes empreendimentos levam muito tempo para se consolidarem e se tornarem superavitários. Vinte anos de uma parceria num shoping significa que a Andrade Gutiérrez vai assumir o prejuízo inicial. Então, qual é o problema?

Sul21 – Por que então não foi assinado?

Roberto Siegmann – Nosso presidente é muito lento e temeroso. O que ele fez? Criou numa comissão no conselho para discutir o que era bom ou ruim. Isso demandou um tempo enorme. Aí foi pedido o contrato para a Andrade Gutiérrez, que vai também para o Conselho… Eu duvido muito que isso passe e, além do mais, duvido do interesse da Andrade Gutiérrez em fazer o negócio porque ela já viu qual é o perfil do presidente.

Sul21 – O senhor não considera correto passar pelo Conselho?

Roberto Siegmann – Considero coreto, mas não se deve criar instâncias para discussões tão amplas que façam com que tu, a todo momento, voltes ao zero. Tem que ir logo para votação, mas é esse o temor do presidente. Qual era minha posição? Ora, eu queria repassar logo o contrato para votação no Conselho. Ele apenas retarda o processo. Se alguém chegar lá agora e lhe disser que que há um negócio melhor ele para tudo para ouvir. Dirigir é assumir ônus.

Sul21 – Há uma linha tênue entre as necessidades democráticas e a necessidade de ação.

Roberto Siegmann – Exato. Não dá para passar a vida fazendo comissões como o Sarney fazia. É um negócio maluco. Há um monte de construtores no Conselho. Cada um tem um amigo com o melhor negócio, a melhor proposta. O melhor seria se a comissão não tivesse nenhum engenheiro, nenhum construtor de ideias brilhantes. O ideal seria uma comissão de médicos e advogados. Neste caso, talvez a coisa já estivesse pronta.

"Diz-se que a gente não pode saber como é feita a política, o futebol e as salsichas. Sei como são feitas as salsichas, mas ainda assim como" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O grupo político que começou a dirigir o Inter em 2002 está fragmentado?

Roberto Siegmann – Sim.

Sul21 – Tem volta?

Roberto Siegmann – Na vida tudo tem volta. Mas eu entendo que precisaríamos discutir premissas. O tempo nos faz esquecer delas, ele sedimenta posturas. Há uma necessidade de se fazer uma grande discussão no movimento sobre nossas premissas. Em 2005, nós queríamos um Inter sem dono e transparente; hoje, pecamos em democracia e transparência. Pessoalmente, acho que há meios de se acertar, principalmente porque a parte lírica do futebol ainda não está morta dentro de mim. Basta pensar nos anos 1970, que o entusiasmo volta e eu esqueço dos interesses que há num clube. Eu não sou nenhum anjo, mas ainda vejo o jogo em campo, a beleza dele. Diz-se que a gente não pode saber como é feita a política, o futebol e as salsichas. Sei como são feitas as salsichas, mas ainda assim como.

Sul21 – O que o senhor acha da presença do Fernandão como diretor técnico?

Roberto Siegmann – Acho trágica. Há uma cultura de idolatria no Internacional. Tudo o que voltar a 2005-2006 é uma maravilha. Vários jogadores foram contratados – Renan, Tinga, Bolívar, Sóbis – no anopassado, na mesma ideia do De Volta para o Futuro I, II, III, etc. O futebol está aí para nos desafiar, para que inventemos novos modelos e posturas, não para a gente ficar se repetindo. No imaginário do presidente, ele pensava em alguém que pudesse discutir a escalação com o treinador, interferir na contratação de jogadores e tivesse uma boa relação com eles. Nós já temos o Fábio Mahseredjian, o Élio Caravetta (preparadores físicos) e mais duzentas pessoas que têm relação com os jogadores. Não precisa mais gente. Sobre discutir a escalação: nenhum técnico com quem eu já tenha trabalhado que admita uma pessoa como o Fernandão dando pitacos sobre escalação. Até é admitida a intromissão de um dirigente quando as coisas estão ruins, mas de um ex-jogador que recém se aposentou? Nenhum treinador reconhecerá e admitirá a legitimidade nesta figura. O Inter, então, criou um monstro.

"Há uma cultura de idolatria no Internacional. Tudo o que voltar a 2005-2006 é uma maravilha" | Foto: Divulgação/Inter

Sul21 – Então o Dorival Junior não aceitará o Fernandão?

Roberto Siegmann – Claro que não. Eles terão problemas a não ser que o Fernandão aceite ficar fazendo nada. Se ele ficar numa zona de come-dorme, pode ser que funcione.

Sul21 – O Fernandão não é burro…

Roberto Siegmann – Mas, olha só, o Celso Roth não falaria com o Fernandão, tenho certeza. Fossatti e Falcão idem. O Chumbinho ainda tinha uma função de infra-estrutura, logística e nas contratações, o Fernandão é jogador de futebol. Qual é sua experiência com contratos? Ele vai analisá-los? Sua presença só pode ser explicada pela necessidade de substituir o Falcão por outro ídolo para amenizar a insatisfação da torcida. Mas que ele não terá função, eu tenho toda a certeza.

Sul21 – O que o senhor não faria de novo como diretor de futebol? Como vê a fama de explosivo?

Roberto Siegmann – Eu não sou uma pessoa explosiva, sou uma pessoa que reage. Futebol é paixão. Se eu não tivesse paixão pelo Inter, não estaria lá. Eu só estava no Inter por paixão e quando a gente fala em paixão, fala de sentimentos e reações exacerbadas. Quem nunca esteve apaixonado? Toda a vez que tive reações, estas foram à altura do Internacional. Uma delas foi em relação aos jogadores do Inter, quando eu pedi que eles dessem tudo naquela final do Gauchão. Eles atenderam. Usamos tudo, aproveitamos tudo o que o Renato e a imprensa dizia. Isso só se faz por paixão.

"Nenhum técnico com quem eu já tenha trabalhado que admita uma pessoa como o Fernandão dando pitacos sobre escalação" | Foto: Divulgação/Inter

Sul21 – O Zé Roberto entrou louco em campo…

Roberto Siegmann – Ah, ele entrou louco por um motivo bem simples. Lamentavelmente, houve um episódio de racismo que foi engavetado pelo Tribunal de Justiça Desportiva. Quem já viveu fora do nosso estado sabe que a Região Sul tem reais dificuldades em conviver com a raça negra. E o Zé Roberto foi vítima de três episódios de racismo: um no edifício onde mora, outro no colégio do filho e o terceiro no Estádio Olímpico, quando eu tomei a iniciativa de denunciar. O voto do relator foi muito bom, mas o tribunal entendeu por bem arquivar, o que foi muito decepcionante para mim, ainda mais que vi o presidente Luigi desculpar-se com o presidente Odone pelo que eu havia feito, como se fosse uma mentira. Aquilo foi a gota d’água em nossas divergências que na verdade começaram quando nós dois nascemos. Temos uma divergência comportamental com o mundo do qual ele se acha um eterno devedor. Então, eu acho que faria tudo de novo.

Sul21 – Mesmo?

Roberto Siegmann – Há uma coisa que Maquiavel ensina e que eu não levei a sério. Eu deveria ter feito uma limpa no primeiro dia, retirando todas as pessoas que eu achava que deveria tirar. Se eu tivesse feito isso, não haveria tanta intriga, pois é ela que gera a instabilidade política. Eu deveria ter posto pessoas da minha confiança, como Maquiavel ensinou.


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