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7 de agosto de 2011
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10:45

Patrimônio Histórico: Travessa dos Venezianos clama por cuidados

Por
Sul 21
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Casas construídas no início do século XX são patrimônio da cidade l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira (texto) e Flavia Boni Licht (consultora)

Quem vive ou tem negócios nas pequenas e antigas casas da Travessa dos Venezianos, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, reclama do Município. A sensação deles é de abandono, apesar de viverem e trabalharem em prédios tombados pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre, em 1980. O prefeito José Fortunati reconhece: “A Travessa é um caso delicado”.

Acompanhe a série Patriômio Histórico:
– Viaduto Otávio Rocha, um alumbramento
– Restaurar custa três vezes mais do que conservar

Vera Pellin, diretora da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, considera um privilégio a Chico Lisboa estar instalada na Travessa dos Venezianos, numa “casinha linda”, construída como as outras 14 casas no início do século XX. “É nosso Pelourinho”, afirma, referindo-se ao ponto histórico de Salvador, Bahia. Para ela, a Travessa é um ponto cultural e turístico e precisaria de maiores cuidados por parte do Poder Público. “Não tem luz na rua. Só duas lâmpadas de 60 watts”.

A reclamação da diretora da Chico Lisboa é reforçada por Vera Regina Martins, dona de uma das casas há 30 anos. “Não há luz, os carros andam pela Travessa e destroem tudo”, revolta-se. Tida como a xerife do local – “brigo muito. Gosto de controlar a rua. Não deixo destruir” –, Vera Regina acha que os problemas têm como causa o comércio que se instalou por ali. Atualmente, apenas cinco casas são de moradores. “Há 20 anos era maravilhoso. As crianças brincavam na rua, ouviam histórias sobre a Travessa. Hoje tem assalto, droga, flanelinha. Muitas casas já foram mexidas”, acusa.

Quem vive e trabalha na Travessa reivindica mais e melhor iluminação l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Vera Regina acha que as casas deveriam ser ocupadas apenas por moradores ou por artistas plásticos, como Ana Henrique que mantém a Galeria Pop Up. “Gosto de Arte, das coisas maravilhosas que os artistas fazem”, entusiasma-se. A preferência dela é porque sabe que os artistas são aliados na luta pela preservação do local. Ana é outra que cobra da Prefeitura melhor iluminação e limpeza. “A Travessa anda muito largada”, constata. “São feitas obras de adequação aos novos usos, que mudam a estrutura da casa e até a fachada. Passo aqui de segunda a sábado, das 14h às 20h e nunca vi alguém fiscalizando, impedindo estas mexidas”, critica.

Vera Pellin e Vera Regina lembram que já foram entregues abaixo-assinados aos órgãos municipais, pedindo providências. Até agora, não tiveram resposta. O prefeito diz que a principal dificuldade é a que a descaracterização do local é obra dos próprios proprietários. “Não temos força de polícia para evitar o que acontece ali”, afirma Fortunati. Mas, anuncia: a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV) já tem um projeto pronto para a iluminação. “Este é um espaço nobre da cidade. A iluminação será adequada. Quanto à segurança, estamos em discussão com o governador Tarso Genro, pois o policiamento nas ruas fica a cargo da Brigada Militar”.

O calçamento está sendo destruído pelos carros l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Fortunati também tem uma queixa. É contra os vândalos que picham prédios, destroem bancos de praças, quebram lâmpadas, roubam fios. A Prefeitura fez um cálculo para saber quanto custa repor o que foi destruído: “Sete milhões de reais por ano, sem contar as paradas de ônibus. Infelizmente, a depredação está muito presente”, lamenta-se o prefeito, lembrando que estes R$ 7 milhões poderiam ser investidos na Saúde, na ampliação das equipes de Saúde da Família, por exemplo.

Intervenções incorretas

O arquiteto Luís Fernando Rhoden, ex-superintendente regional do IPHAN (1996-2000), é um crítico das intervenções feitas em prédios tombados. “Elas são incorretas. E isso é resultado de um processo. Não é novo”. Ele ressalta que “preservação é antes de tudo um ato cultural”. Na sua visão, hoje, “há carência de conceito nos órgãos de preservação. Isto vem de longe”. As causas do problema estão, de acordo com o arquiteto, no despreparo dos que trabalham com o patrimônio histórico, na falta de conhecimento técnico e na ingerência política.

Cores usadas nas casas não remetem às originais l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rhoden diz que o que deve ser preservado é a autenticidade do imóvel, o que não exclui o seu “uso harmonioso”. Antes de mais nada, é preciso saber o motivo pelo qual houve o tombamento. No caso da Travessa dos Venezianos, se foi tombada pelo conjunto urbano, este conjunto tem de ser preservado e as casas, por exemplo, não poderiam ter sido pintadas em cores definidas pelos seus ocupantes, mas por aquelas que remetessem à aparência primitiva dos imóveis.

Como Vera Regina, o arquiteto desaprova o uso comercial das casas. “O uso residencial é compatível, mas o uso comercial descaracteriza o motivo do tombamento. Na Travessa, já se perdeu muita coisa e isto não volta mais. Acaba virando réplica”, alerta.

Ligação entre duas ruas

No final do século XIX, início do XX, quem levava o nome de Rua dos Venezianos era a atual Joaquim Nabuco, ligada à Rua Lopo Gonçalves por uma travessa. A conclusão é de que, inicialmente, ela tenha sido chamada de Travessa da Rua dos Venezianos, consolidando com o passar dos anos o nome Travessa dos Venezianos.

Quando foram construídas, as casas com pé-direito alto e janelas e portas que se abrem diretamente para a rua, eram habitadas por jornaleiros, consertadores de guarda-chuva e carvoeiros. A Travessa só foi calçada em 1926 e apareceu pela primeira vez no mapa da cidade em 1935.

Ao tombá-la, o município considerou patrimônio histórico também o seu entorno: as casas de números 506 e 534 da Rua Lopo Gonçalves e as de números 381, 383 e 497 da Rua Joaquim Nabuco.

Travessa liga duas ruas na Cidade Baixa l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
A Travessa dos Venezianos aparece, pela primeira vez, no mapa da cidade em 1935 l Foto:Ramiro Furquim/Sul21
Portas e janelas abertas diretamente para a rua l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Carros sobre a calçada contribuem para a destruição do calçamento original l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ao lado uma das outras, as casas formam um conjunto que conta a história do início do século XX l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ponto de Encontro

Todos os leitores que responderam a pergunta “De onde são?” da semana passada acertaram. As fotos realmente são do Chalé da Praça XV, prédio construído pelo Município em 1911 para funcionar como bar e restaurante. Até hoje é ponto de encontro de porto-alegrenses e visitantes.

Declarado patrimônio histórico municipal em 1998, já passou por um restauro e uma ampliação, concluída este ano. No segundo semestre, prevê o gerente do Chalé, Hério Frölich, devem começar as obras de um novo restauro. O permissionário do local, Edemir Simonetti, está providenciando um projeto, que será apresentado ao Ministério da Cultura, para que a restauração possa ser feita com recursos privados, por meio da Lei Rouannet.

Chalé da Praça XV foi tombado pelo município em 1998 l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O prefeito Fortunati lembra que as obras de restauro da Praça XV estão chegando ao fim. E ressalta que estas são obras caras, porque precisam obedecer ao “caderno de exigências do patrimônio histórico”. Segundo ele, se fossem “obras normais, custariam 50% menos”. A preocupação é com os recursos que são limitados. Na área central, prédios e praças vêm sendo restaurados em convênio com o Programa Monumenta, do governo federal.

Para a conservação dos prédios, afirma o prefeito, há recursos previstos no Orçamento. Por que, então, a conservação não é feita como deveria? A resposta aponta duas razões: as dificuldades em seguir todas as exigências do patrimônio histórico e o supervisor da área que “pode estar sendo um pouco relapso”.

Frölich revela-se entusiasmado em trabalhar num prédio que é patrimônio da cidade. “Para nós é gratificante. Aqui há uma fusão de interesses turísticos, históricos e culturais. Vem gente de toda parte do Brasil para conhecer o Chalé”, afirma. Também esclarece que a restauração não fechará o restaurante, pois vai ser feita em etapas. “É um trabalho minucioso, a cargo de profissionais. Temos feito todo o possível para manter a construção original”, diz.

Ainda este ano, o Chalé deverá passar por um novo restauro l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O tombamento de locais como a Travessa dos Venezianos e o Chalé da Praça XV comprova, segundo a arquiteta Flavia Boni Licht, que “assim como a história já deixou de considerar somente os grandes heróis e passou a se interessar igualmente pelo cotidiano das pessoas, o ato de tombamento não mais se resume apenas – e com razão – aos luxuosos palácios, aos grandes templos, às suntuosas residências”. Para a arquiteta, esta postura mais contemporânea pode ser entendida quase como uma “homenagem a Rodrigo Melo Franco de Andrade e à sua definição de patrimônio cultural: ‘a carteira de identidade de um povo’”.

Prédio municipal foi ampliado este ano l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Prédio foi construído para ser bar e restaurante l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Endereços:
Chalé da Praça XV – Praça XV – Centro de Porto Alegre, próximo ao Paço Municipal – Porto Alegre
Travessa do Venezianos – Cidade Baixa, entre as rua Lopo Gonçalves e Joaquim Nabuco – Porto Alegre

De onde são?

Veja se você reconhece o local retratado nas fotos abaixo. Mande a sua resposta.

Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21

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